Buzzi – A ciência, modo de compreensão da totalidade da realidade

A ciência é um modo de compreensão da totalidade da realidade: é força unidimensional, reduz a seu modelo todos os outros modelos culturais. Não suporta a diferença. Reduz tudo a um plano, a um horizonte. O que não se deixa ver nesse horizonte não é considerado, simplesmente não existe! Deve-se, porém, notar que quando a ciência declara o que «existe» ou o que «não-existe», declara-o a partir do modelo, que é o pré-concebido para declarar o real. O «existe» e o «não-existe» da ciência são assim sempre «pre-conceitos».

Diz-se que a ciência vive do «gênio laplaciano», i. é, do impulso que atua no segmentário com possibilidade de explicação total. O cientista sempre parte de um ponto de vista, de um pressuposto. A partir dele constrói uma visão totalitária do real. Por isso a ciência é sempre totalitária. É totalitária num duplo sentido: na maneira de ver e na maneira de operar a realidade. Essa maneira de ver e operar é instaurada pelo sujeito. Daí ser a ciência, em sua objetividade, a expressão máxima da subjetividade humana, que vivendo no estranho da realidade se sente «perdida» na incerteza do comportamento desse estranho. Busca então libertar-se da angústia da incerteza, entregando-se à atividade científica.

A ciência é assim o mais grandioso projeto humano de auto-asseguramento de que a história nos dá notícia. No passado antigo e remoto, o homem também se defrontou com o problema da auto-segurança existencial. Deu-lhe solução diversa da moderna: criou modelos de compreensão mítica e religiosa da realidade. Sua segurança existencial era confiada ao transcendente. No modelo de compreensão científica da realidade, a segurança existencial é confiada à subjetividade humana sem transcendência. A modernidade rompe com a transcendência e coloca o homem no imediato de sua subjetividade como senhor de seu Destino. A ciência, instaurada para compreender o estranho da vida e cultivada como caminho para o reino da segurança e da paz, parece que está conduzindo o homem para um mundo sempre mais estranho e incerto.

{[BUZZI, A. Introdução ao pensar. Petrópolis: Vozes, 1973.]}