Brague (1988:39) – ser-em-o-mundo, sentido do “em”

tradução

O que temos de pensar antes de mais para pensar o ser-no-mundo é precisamente a natureza muito particular daquilo que é designado, na expressão, pela preposição “em”. Porque não estamos “no” mundo da mesma forma que os objetos materiais, ou mesmo os animais. Podemos mesmo perguntar se estes últimos estão, em rigor, no mundo, se quisermos dizer “no mundo enquanto tal”. Um objeto está no seu ambiente, um animal vive no seu ambiente. Nós estamos no mundo — e somos os únicos que estamos nele. O fato de estarmos no mundo não é o mesmo que a forma como um objeto pode ser identificado em relação a outros objetos que lhe estão próximos, ou a forma como um animal interage com o seu ambiente: estamos no mundo no sentido em que, mesmo que estejamos apenas num ponto localizável no espaço, estamos no entanto no mundo inteiro: tudo está presente para nós, e não apenas aquilo com que entramos em contato ou aquilo que nos interessa num dado momento, mas tudo o que existe, sem exceção. A nossa presença implica uma espécie de nivelamento do que é: as estrelas mais distantes não estão mais ou menos presentes para nós do que os objetos mais próximos de nós. A nossa presença é uma presença ao que devemos chamar, sem graça, “tudo”. Com esta afirmação, voltamos à segunda das questões que eu pensava que os gregos deveriam colocar: como é que o “aqui” onde estamos pode ser tal que “tudo” possa aí ser/estar? Dei uma resposta provisória, apontando para o carácter “total” da nossa presença. Agora é preciso olhar mais de perto para o fenômeno, examinando a forma como os gregos o consideravam. Ao fazê-lo, estou simplesmente a lançar um novo olhar sobre o mistério que, como tentei mostrar, se esconde por detrás da obviedade da expressão que descreve aquilo a que chamamos “mundo”, nomeadamente “o todo que é, tode to pan”. Se o mundo é, antes de mais, “tudo”, como podemos ter acesso ao Tudo? Como é que podemos experimentar o Todo?

original

[BRAGUE, Rémi. Aristote et la question du monde. Paris: PUF, 1988]

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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