O ente, porém, recobre várias coisas, pois tudo o que é dele faz parte. Convém então determinar com precisão qual é o ente que deve servir de fio condutor à questão do ser. A escolha de Heidegger assenta no ente que põe a questão do ser, quer dizer sobre o ente que nós próprios somos, e que ele designa sob o nome de Dasein (o ser-aí). O ser-aí goza de um privilégio insigne, que o designa muito especialmente por ser o objeto interrogado em primeiro lugar e antes de qualquer outro. O ser humano não é um ente qualquer, mas possui a característica fundamental de estar sempre já em relação com o ser. Nós movemo-nos sempre no seio de uma certa compreensão do ser, nós sabemos o que ele quer dizer, mesmo se somos incapazes de explicitar esse saber, geralmente vago e confuso. Juntemos que essa compreensão do ser não é algo que nos caiba ou que nos seja retirado, ela é uma determinação constitutiva do nosso ser. «A compreensão do ser», diz Heidegger, «é ela mesma uma determinação do ser do ser-aí». O ser-aí é um ser ontológico, o que não significa, bem entendido, que ele tenha já elaborado uma ontologia, mas que, compreendendo o ser, ele é a condição de possibilidade de todas as ontologias. O esforço de Heidegger em O Ser e o Tempo é então o seguinte: manifestar o sentido do ser, analisando antes de tudo o ser que compreende o ser, isto é, o ente que nós somos (o ser-aí). (1993, p. 28-29)
Boutot (1993:28-29) – Privilégio do “ser” humano
- Boutot (1987:155-157) – o Bem (agathon)
- Boutot (1987:157-158) – summum bonum (agathon)
- Boutot (1987:25-29) – A “questão do ser” em Platão
- Boutot (1987:29-30) – A questão do ser no Sofista de Platão
- Boutot (1987:29-32) – A questão “o que é o ente?” (ti to on)
- Boutot (1987:32-34) – o digno de pensar no ente
- Boutot (1987:37-40) – A questão do ser nas doutrinas da Antiguidade
- Boutot (1987:40-43) – Platão e Aristóteles falham na questão do ser
- Boutot (1993:100-104) – Heidegger, Jünger e Técnica
- Boutot (1993:104-108) – O crescimento do que salva