Bornheim (1989) – O Existencialismo de Sartre (Teses)

(Bornheim1989)

A experiência da náusea põe de manifesto ao menos três coisas. Em primeiro lugar, a necessidade de converter a revelação do absurdo em um sentido que justifique a existência humana: o existencialismo deve ser um Humanismo. Em segundo lugar, a náusea revela, para mim mesmo, que eu sou consciência – a consciência é o “núcleo instantâneo” de minha existência. E em terceiro, essa consciência não pode ser sem o outro que não ela mesma, ela só existe por aquilo do qual ela tem consciência. O livro de Sartre chama-se o ser e o nada: o ser é o objeto, é tudo aquilo do qual tenho consciência; a consciência precisa do objeto para ser, sem objeto ela não vai além de seu próprio vazio – o sujeito é nada. E a partir do modo como esse sujeito se relaciona ao objeto pode ou não instaurar-se o Humanismo. O grande entrave à realização do Humanismo é aquilo que Sartre, como veremos, chama de má fé.

Nosso filósofo dedica poucas páginas ao ser. O que dele se poderia dizer? Que ele é, ele é o que ele é, mais nada. Ele é pleno, total, perfeito, ilimitado, nada pode perturbá-lo, pois ele não tem a menor consciência de si mesmo; ele é , pura e simplesmente. Já com o nada as coisas se complicam, e o grande tema do ensaio de Sartre é a consciência.

O ser se define pelo princípio de identidade: ele é o que ele é. A consciência, ao contrário, não é idêntica consigo mesma, toda busca de auto-identificação devolve-a imediatamente ao outro que não ela mesma: para ser deve ser consciência de algo. Assim, a consciência só se deixa definir pelo princípio de contradição: ela é o que não é não é o que é. Ou seja: ela é necessariamente consciência de alguma coisa, mas ela nunca consegue identificar-se com esse conteúdo que a constitui. Vale dizer que a consciência é intencional, tema tirada da Fenomenologia de Husserl e radicalizado por Sartre. Sartre chama o ser de em-si e a consciência de para-si, e estas são as colunas mestras de todo o seu pensamento.

 

O em-si é pleno de si mesmo e não se poderia imaginar plenitude mais total, adequação mais perfeita do conteúdo ao continente: não existe o menor vazio no ser, a menor fissura por onde se pudesse introduzir o nada.

(O ser e o nada, pág. 116)

 

O homem é o ser pelo qual o nada vem ao mundo.

(O ser e o nada, pág. 60)

 

A consciência nada tem de substancial, é uma pura “aparência”, no sentido de que só existe na medida em que se aparece.

(O ser e o nada, pág. 23)

 

A consciência é um ser que, em seu ser, é consciência do nada de seu ser.

(O ser e o nada, pág. 85)

 

O ser da consciência não coincide consigo mesmo em uma adequação plena. (…) A característica da consciência é que ela é uma decompressão do ser. É impossível, com efeito, defini-la como coincidência consigo própria. Desta mesa, posso dizer que ela é pura e simplesmente esta mesa. Mas de minha crença (por exemplo), não me posso limitar a dizer que é crença: minha crença é consciência (de) crença.

(O Ser e o nada, pág. 116)

 

O para-si é responsável em seu ser por sua relação com o em-si ou, se se preferir, ela se produz originariamente sobre o fundamento de uma relação com o em-si. (…) (A consciência é) um ser para o qual se trata, em seu ser, do problema de seu ser enquanto esse ser implica um ser outro que não ele.

(O ser e o nada, pág. 220)

 

Sartre chama de má fé a tendência, inerente à condição humana, de fazer com que a consciência esqueça o nada que é seu fundamento, para identificar-se de alguma forma com o ser. Assim, o homem crê que crê, ele se toma como ser-crença, quando em verdade ele é consciência da crença. O nada é essa distância inaugurada pela consciência e que corroe o ser em seu próprio cerne. O homem é habitado por uma falácia: o desejo de ser, que é o desejo de fundamentar-se a partir do outro que não ele mesmo. O Humanismo existencialista exige que o homem seja “o fundamento sem fundamento de todos os valores”, que ele se invente a partir do nada que ele é, ao invés de autodeterminar-se por algo que lhe é exterior – seja a família, o estado, um partido político, a religião, os valores ou qualquer tipo de determinismo social, biológico ou psicológico.

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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