Birault (1978:475-477) – Licht – Lichtung

destaque

Na sua plenitude ou positividade, a palavra veritas não apresenta qualquer vestígio da estrutura inicialmente “privativa” e “segunda” da palavra grega ά-λήθεια. Tradução, traição, disfarce. Mais do que a ignorância humana de uma parte sombria da qual a verdade procede e que arrasta sempre consigo, a dissimulação e a auto-dissimulação da dissimulação, o esquecimento que se faz esquecer. É assim que a metafísica experimenta o ser como luz e como fonte de luz. É assim que determina correlativamente a essência do homem e do pensamento no homem como lumen naturale ou lumen rationale. A metáfora da luz é ilusória, mas esta ilusão “transcendental” (porque é o próprio fato da transcendência) é originariamente constitutiva da metafísica como um dom do ser fatalmente aberrante. Toda a metáfora é metafísica. Toda a metafísica é metafórica. Aquilo a que chamamos a luz do ser é, na verdade, uma clareira sombria: a clareira da dimensão necessária à presença de todas as coisas existentes. Concebida como iluminação e clareamento, a verdade poda ou apara o que é precisamente o mundo. Aqui é notável a substituição do substantivo die Lichtung pelo que Heidegger tinha originalmente chamado das Licht. Das Licht é a luz, die Lichtung é a iluminação que abre ou liberta este aberto dentro do qual (476) todo o ser se mostra “descoberto”. A sombra e a luz, o claro e o escuro, mas também o silêncio e a fala e, finalmente, toda a ausência e toda a presença jogam-se na clareira do ser: pressupõem-na, não a podem substituir, e muito menos estabelecê-la.

Mais uma vez, Heidegger recorda a linguagem dos silvicultores. “Waldlichtung — a limpeza da floresta — é vivida em contraste com uma floresta densa ou espessa, aquilo a que o alemão antigo chama Dickung. O substantivo Lichtung refere-se ao verbo lichten. O adjetivo licht é a mesma palavra que leicht (leve). Etwas lichten significa iluminar algo, torná-lo livre e aberto, por exemplo, limpar uma floresta de árvores. O espaço livre que surge desta forma é Lichtung. O que é licht no sentido de livre e aberto não tem nada em comum, quer do ponto de vista da palavra quer do ponto de vista da coisa, com o adjetivo licht que significa claro ou luminoso. É preciso ter cuidado para perceber a diferença entre Lichtung e Licht. No entanto, continua a existir a possibilidade de uma ligação efectiva entre as duas coisas. A luz pode, de fato, visitar a Lichtung, a clareira, no que ela tem de aberto, e deixar jogar nela o claro com o escuro. Mas nunca é a luz que cria primeiro a Lichtung; pelo contrário, é a luz que pressupõe a Lichtung. No entanto, a abertura da Lichtung não é apenas livre para a luz e para a sombra, mas também para o som que ressoa e se perde, para a voz que ressoa e se expira. A Lichtung é a abertura para toda a presença e ausência” [Heidegger, Zur Sache des Denkens. Das Ende der Philosophie und die Aufgabe des Denkens, p. 72. A Lichtung é, de facto, o dia. Mas o dia não tem primeiro e apenas um significado diurno. A noite não é menos dia do que o próprio dia. Dar o dia é dar a noite e o dia, é dar à luz. Inversão da relação habitual: já não se trata de pensar a luz como fonte de claridade, mas, pelo contrário, a des-claração da claridade como espaço ou palco de todos os jogos de luz e sombra]].

original

  1. Heidegger, Zur Sache des Denkens. Das Ende der Philosophie und die Aufgabe des Denkens, p. 72. La Lichtung est bien le jour. Mais le jour n’a pas d’abord et seulement une signification diurne. La nuit n’est pas moins jour que le jour lui-même. Donner le jour est donner la nuit aussi bien que le jour, mettre au monde. Renversement de la relation habituelle : ne plus penser la; lumière comme source de la clarté, mais au contraire la dé-claration de la clarté comme l’espace ou la scène de tous les jeux d’ombre et de lumière.[↩]
  2. Heidegger, Wegmarken. Vom Wesen der Wahrheit, § 4, p. 83 : « die Freiheit ist nur deshalb der Grund der inneren Möglichkeit der Richtigkeit, weil sie ihr eigenes Wesen aus dem ursprünglicheren Wesen der einzig wesentlichen Wahrheit empfängt. »[↩]
  3. Heidegger, Vorträge und Aufsätze, p. 32-33 : « Das Wesen der Freiheit ist ursprünglich nicht dem Willen oder gar nur der Kausalität des inenschlichen Wollens zugeordnet. Die Freiheit verwaltet das Freie im Sinne des Gelichteten, d. h. des Eniborgenen. Das Geschehnis des Entbergens, d. h. der Wahrheit, ist es, zu dem die Freiheit in der nächsten und innigsten Verwandtschaft steht. »[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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