(Monticelli1997:199-203)
“Uma vida mais vasta e mais plena”… Que significado podem ter para nós essas palavras do jovem filósofo a quem o estudo anterior foi dedicado? Podemos lhes atribuir um sentido que não seja meramente retórico?
O sopro da vida é a alma: tal é o significado originário da palavra grega psyché, assim como da latina anima, que preserva a raiz do grego anemos (vento). Esta reflexão parte do seguinte fato: não é verdade que tudo o que vive deva morrer. Pode parecer escandaloso apresentar tal afirmação como um fato. E, no entanto, há muitas coisas que percebemos como animadas ou plenas de vida, para as quais não faria sentido dizer que são mortais — nem imortais, tampouco. Se disséssemos “não-mortais” (como se pode fazer em grego com o alfa privativo: a-thanatos), isso poderia ser verdade no sentido de que o predicado da mortalidade não lhes convém logicamente, seria um erro categorial aplicá-lo — assim como seria absurdo dizer que um conceito é verde.
Eis alguns exemplos de coisas que parecem ter mais ou menos vida:
— Uma frase dita em uma língua totalmente desconhecida é apenas ruído; já uma frase inteligível está “animada de sentido”.
— Um discurso, mesmo compreendido, pode ser mais ou menos “vivaz”, ter sopro ou não.
— Um retrato — e até uma imagem abstrata — pode ter ou não “vida”.
— Um gesto, uma atitude, podem ser “plenos de vida”, e o mesmo vale para uma paisagem, seja em imagem ou na natureza.
— A execução de uma sonata pode ser mais ou menos “viva”; nada pior que uma peça teatral que “falte vida”.
— A prosa de um escritor é geralmente mais “viva” que a de um burocrata.
— Uma fé pode ser ou não “viva”, e mesmo uma simples crença pode sê-lo em graus variados.
— Uma atenção que se “aviva” é diferente de uma atenção laboriosa, tensa, que denota esforço.
Há uma escuta “viva”, um modo de receber que se intensifica ao se exercer — assim como há uma palavra “viva” ou que “aviva”. E assim por diante.
Poder-se-ia objetar que esses são usos “figurados” da palavra “vida”. Mas com que direito? Convém antes notar que há um significado desse termo que simplesmente não é o de “evolução de um organismo entre seu nascimento e sua morte, consistindo no exercício de suas funções próprias”. Um significado pelo qual entendemos, antes, uma certa qualidade ou modalidade de ser, passível de descrição fenomenológica — e que revela, como veremos, certos traços “essenciais” ou “eidéticos”.
Algumas línguas possuem uma palavra específica para esse sentido, distinto do de “evolução de um organismo”: é o caso do grego antigo, que reserva para este último o termo bios (usado tanto em contextos “biológicos”, referentes às funções dos seres vivos, quanto “biográficos”, como nas Vidas de Plutarco ou Diógenes Laércio). Já para o outro sentido, emprega-se zoé. Não é inútil lembrar que, quando Platão, no Fédon, fala da própria vida, dessa eidos, é justamente de zoé que trata 1. E esse fato me parece essencial para compreender corretamente sua definição da alma como aquilo que traz a vida ou faz viver, em suma, como fonte de vida. (Graves equívocos surgem ao se confundir zoé com bios, traduzindo a-thanatos por “imortal” ou, pior ainda, usando o termo “sobrevivência”. Poder-se-ia ao menos levantar a hipótese de que essa tradução não é necessariamente a correta…).
Mas essa distinção entre dois significados de “vida” é apenas um indicativo do pensamento que este estudo busca articular — independentemente de qualquer exegese de textos mais ou menos clássicos.
Porque não se trata de fazer, em poucas palavras, a história do conceito de alma. No entanto, se tentássemos, perceberíamos que o que os filósofos entenderam por essa palavra não é tão diverso e [201] contraditório, tão flutuante e confuso quanto se poderia temer. Veríamos que há, no fim, duas significações principais nas quais esse termo foi empregado — e que ainda governam nossa compreensão cotidiana e lexical da palavra.
Partamos dessa compreensão ordinária. Ao consultar o Petit Robert, se abstrairmos as repetições desnecessárias, obtemos dois contextos principais de uso:
- Um sentido “espiritual” (se esse termo, devido aos pressupostos religioso-dogmáticos que evoca, não soasse ligeiramente irritante para alguns de nós). Poderíamos substituí-lo por “existencial” — o que não o tornaria menos irritante para outros. Mas essa reação emotiva é justamente uma evidência intuitiva do que significa, entre outras coisas, ter uma alma.
- Irritar-se com uma ideia, inflamar-se ou animar-se diante de uma definição (o que é diferente da mera capacidade de compreendê-la) são fenômenos típicos que fundamentam a experiência do termo “alma” nesse primeiro sentido.
- Outros exemplos: coisas que “alimentam” a alma (leituras, conversas, experiências) ou deixam um “vazio” nela; engajar-se “de toda a alma” em uma empreitada; ser tocado “profundamente na alma”; admirar uma alma “bela”, sua “grandeza” ou “pequenez”; falar de seu “despertar” ou “adormecimento”.
- Aqui, substituir “alma” por “eu”, “espírito” (como mind ou Geist) ou mesmo “pessoa” seria inadequado. Dizer “vazio na pessoa” ou “a pessoa que desperta em nós” soa estranho.
- Um sentido “psicológico” (hoje em desuso, marcado como “antigo” no dicionário). Nessa acepção, “alma” equivale a “psyche” — referindo-se ao objeto de estudo da psicologia, isto é, as funções psíquicas de animais e humanos (uma subclasse de suas funções vitais).
- O termo “psyche” pode ser neutro quanto ao suporte dessas funções: pode designar seu conjunto ou ser identificado a um suporte orgânico (parcial ou totalmente). Mesmo numa visão reducionista (onde a psyche é apenas o aspecto funcional de um sistema físico), mantém-se uma linguagem psicológica para descrevê-la.
Tentar substituir “alma” por “psyche” nos exemplos do primeiro sentido produz efeitos ridículos:
- “Uma psyche bela”
- “Profundamente tocado na psyche”
Isso revela que, na prática, “alma” e “psyche” só são sinônimos no segundo sentido — hoje arcaico. O primeiro sentido, vivo no uso cotidiano, resiste a reduções.
Eis o que nos resta dizer. Esta breve distinção entre dois contextos de uso da palavra “alma” é apenas um ponto de partida — um indício lexical para desvendar dois sentidos e dois modos radicalmente diferentes de abordar os fenômenos da alma. Desde já, porém, é preciso evitar um possível mal-entendido:
Não se deve pensar que o significado de “alma” nos contextos onde não se pode substituí-la por “psyche” corresponda grosseiramente ao que se entendia antigamente, de Platão a Brentano, “antes” que a psicologia se autonomizasse da metafísica e da teologia — enquanto o atual sentido de “psyche” representaria um objeto de pesquisa positiva, livre de preconceitos dogmáticos ou religiosos. Longe disso:
- A atitude intencional voltada para a noção “psicológica” (no sentido das ciências naturais) não é particularmente moderna — muitos psicólogos reconhecem no [203] De Anima de Aristóteles o primeiro tratado de psicologia empírica e positiva.
- Da mesma forma, a outra atitude não é arcaica ou superada por supostamente repousar em postulados dogmáticos (tese cujo fundamento tentaremos demonstrar).
Resta-nos, portanto, esclarecer o objetivo próprio dessa “outra atitude” — na medida do possível. Podemos retomar nossa sugestão inicial: como a noção de alma está de algum modo ligada à de vida, propomos:
O que é então a zoé? Essa “qualidade ou modalidade de ser” passível de descrição fenomenológica (ou mesmo eidética) se caracteriza por:
- Não nos ser dada indutivamente (ao contrário do bios), sendo antes mais imediata e anterior a ele.
- Manifestar-se antes mesmo que a criança aprenda (por relatos ou indução) que todo ser vivo morre. Ela reage diferentemente a coisas que apresentam certas:
- Qualidades de expressividade
- Modos de movimento/animação
Porém, essa constatação não nos leva muito longe, pois na fenomenologia da experiência, o que importa não é a prioridade temporal/genética, mas o modo de apreensão. Se demonstrarmos que há uma prioridade de apreensão ou “constituição” da zoé em relação ao bios (ou seja, que este pressupõe aquela), poderemos melhor compreender:
- A relação (de fundamentação) entre os dois conceitos
- Sua oposição
- E, consequentemente, a legitimidade de uma fenomenologia da alma distinta da psicologia positiva.