Biemel (1987:81-83) – Dasein

(… Dasein) é composto de duas palavras: Da e Sein. Da é geralmente traduzido como aí, Dasein como ser-aí. Mas essa tradução não transmite o significado heideggeriano da palavra. O português aí traduz Da como um advérbio de lugar. No entanto, para Heidegger, Da não designa um determinado lugar, mas a abertura do Dasein sobre o ente. Esta abertura, que entreabre o espaço, é chamada por Heidegger de irrupção (Einbruch) no espaço. Eis a definição que ele dá de Da (em 1929, no final desta apresentação citaremos a que ele dá em 1947, de modo a marcar a evolução de seu pensamento). “Das Da ist der in sich auf gebrochene Raum (GA27)”: o ‘Da’ é o espaço aberto pela irrupção do homem. O homem, entendido como Dasein, não é um mero “objeto” presente no espaço, como uma mesa ou uma pedra, mas o ente que revela (abre) o espaço e que é ele mesmo espacial, no sentido de que espacializa (GA27:69 sg.).

Da não é, portanto, na terminologia heideggeriana, um simples aí, nem um lugar determinado dentro do espaço, mas, como o próprio Heidegger coloca, “ein Umkreis von Offenbarkeit” (GA27), “uma zona desvelada”. Este termo precisa ser explicado. Poderia significar: uma zona que contém entes que são manifestos (desvelados). Mas se é isso que Heidegger quis dizer, ele deveria ter usado a expressão: Umkreis von Offenbarem. Se ele escreve “Offenbarkeit” em vez de “Offenbarem”, é porque quer insistir na atividade de revelação do homem. A “Umkreis von Offenbarkeit” é a clareação do homem, de tal forma que, graças a ele, os entes podem se manifestar. Podemos definir o homem como o ente que se abre, a cada instante, uma determinada zona desvelada graças à sua atividade de desvelamento (GA27).

Se quisermos tentar entender o pensamento de Heidegger, não podemos subestimar a importância desse significado de “Da”. A determinação do homem, de acordo com Heidegger, é estar aberto. Por meio da abertura, é possível que ele encontre entes: utensílios, seres simplesmente dados ou pessoas. Essa abertura possibilita o encontro com o que é, porque, graças a ela, o homem se torna livre para o que é, deixando-o ser o que é (GA9).

Por meio dessa abertura, o homem irrompe na totalidade do ente. E essa irrupção torna o ente manifesto para ele. Isso acontece em todo comportamento essencial, no pensamento filosófico, bem como na arte ou na ciência. É por isso que Heidegger escreve em O que é metafísica? (GA9) “O homem — esse ente entre outros entes — “busca a pesquisa científica”. O que acontece nessa busca é nada menos do que a irrupção de um ente, chamado homem, no conjunto dos entes, e isso de tal forma que, nessa irrupção e por meio dela, o ente vem a desabrochar no que é e como é. A irrupção que faz com que o ente desabroche ajuda, à sua maneira, o ente a se tornar ele mesmo (GA9).

E no curso que citamos acima, lemos: “Assim, cada existência humana provoca e é sempre encontrada como tendo provocado uma irrupção de um tipo especial no ente, que, além disso, pode ser anterior à existência do homem. Mas essa irrupção não é um ato pelo qual o homem se interpõe entre os entes, pelo contrário, ela é realizada de tal forma que nela o ente se manifesta enquanto ente (GA27).

Da é, portanto, para Heidegger, a zona desvelada que cada homem traz consigo desde o início, graças à sua atividade de desvelamento, e dentro da qual ele pode encontrar o ente que se tornou manifesto. A abertura revela e determina a essência extática do homem.