Backman (2015) – níveis da diferença ontológica

(JB2015)

Em 1949, Heidegger havia articulado o ser como evento apenas nos então inéditos Contribuições à Filosofia (GA65) e nos textos “esotéricos” relacionados, e sem o conhecimento desses textos, o mal-entendido de Löwith era quase inevitável. Para evitar qualquer impressão de uma “absolutização” do ser, Heidegger retoma a fala do ser como o pano de fundo da presença (ser²), no qual, certamente, ele nunca está “sem” os entes — um pano de fundo sem um primeiro plano não faz sentido. Da mesma forma, a articulação final de Ereignis como pertencimento diferencial conjunto ou como uma unidade complexa torna a noção de “diferença ontológica” supérflua. Em 1962, Heidegger observa que “a partir da perspectiva do evento, torna-se necessário liberar [ablassen] o pensamento da diferença ontológica” (ZSD, 40–41/OTB, 37; tr. mod.).1 A diferença ontológica, como observa Gadamer, era para Heidegger apenas uma ferramenta conceitual provisória para abordar o ser³ a partir do quadro conceitual da metafísica, via ser².2

Essa é a direção para a qual Ser e Tempo está nos levando em última instância. De acordo com um relato altamente interessante de Max Müller, baseado em uma comunicação pessoal de Heidegger, a primeira elaboração da Divisão I.3, “Tempo e Ser”, estava de fato orientada principalmente para a diferença ontológica, que visava discutir em três níveis:

(1) A diferença transcendental (transzendentale), ou seja, a diferença entre os entes e sua “transcendental” seriedade (ser¹), ou, em termos platônicos, entre as coisas particulares e sua Ideia. Essa é a única forma de diferença ontológica conhecida pela tradição ontológica.

(2) A diferença relacionada à transcendência (transzendenzhafte), ou seja, a noção radicalizada de Heidegger da diferença ontológica como a diferenciação do ser¹ do ser².

(3) A diferença transcendente (transzendente), ou seja, a diferença “ontoteológica” entre Deus e outros entes. Esse é um tema surpreendente e impressionante. Müller nos diz que Heidegger logo abandonou essa última diferenciação por pertencer à metafísica ontoteológica. No entanto, é evidente que a seção de Contribuições à Filosofia sobre um “último” ou “derradeiro deus” (der letzte Gott), assim como a posterior inclusão das “divindades” no esquema do quadruplo, são também tentativas de incluir a dimensão da divindade em um quadro pós-metafísico.3

  1. Cf. Sallis, “La différence ontologique et l’unité de la pensée de Heidegger,” trad. Jean-Pierre Deschepper, Revue philosophique de Louvain 65, no. 86 (1967): 204, 205: “[…] [A]ssim, parece que o ser deve ser pensado como o polo ontológico da [diferença] ontológica e, ao mesmo tempo, como o mediador entre esse polo e o ôntico. […] [S]erá que devemos, talvez, compreender o essenciar-se do ser antes de tudo como uma mediação que ela mesma gera a diferença na qual intervém como mediação? […] Talvez […] a diferença ontológica, considerada como determinada por dois polos que são objetos de mediação, tenha se tornado tão inadequada nesse nível de pensamento ontológico que oculta o que está realmente em jogo no problema.”[↩]
  2. Gadamer, “Der eine Weg Martin Heideggers,” em Gesammelte Werke, vol. 3, 423/“Martin Heidegger’s One Path,” 26 (tr. mod.): “ ‘Para o pensamento representacional, o ser é encontrado como diferença ontológica.’ Foi assim que Heidegger se expressou nos anos 1930. […] [Q]uando levantamos a questão sobre o ser e quando nossa preocupação é a compreensão do ser, então, para começar, temos que pensar o ‘ser’ em distinção dos ‘entes.’ A questão sobre o ser só pode ser descrita dentro dessa distinção. Somente tardiamente em sua vida Heidegger ousou se distanciar de forma decisiva daquilo que ele chamou de ‘linguagem da metafísica,’ e foi então que ele passou a falar do ‘evento’ do ‘ser’ e disse que esse evento não é o ser dos entes.”[↩]
  3. Müller, Existenzphilosophie im geistigen Leben der Gegenwart, 66–67; cf. Sheehan, “ ‘Time and Being,’ 1925–7,” 36–37.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

Designed with WordPress