Arendt (RJ:166-168) – conexão pensar e moralidade

tradução

Deixe-me resumir minhas três proposições principais, a fim de reafirmar nosso problema, a conexão interna entre a capacidade ou incapacidade de pensar e o problema do mal.

Primeiro, se essa conexão existe, a faculdade de pensar, distinta da sede por conhecimento, deve ser atribuída a todos; não pode ser um privilégio de poucos.

Segundo, se Kant está certo e a faculdade de pensamento tem uma “aversão natural” contra aceitar seus próprios resultados como “axiomas sólidos”, então não podemos esperar nenhuma proposição ou mandamento moral, nenhum código final de conduta desde a atividade pensante, menos que tudo uma definição nova e agora supostamente final do que é bom e do que é mau.

Terceiro, se é verdade que o pensamento lida com invisíveis, segue-se que está fora de ordem, porque normalmente nos movemos em um mundo de aparências em que a experiência mais radical do desaparecimento é a morte. Acredita-se que o dom de lidar com coisas que não aparecem exija um preço – o preço de cegar o pensador ou o poeta ao mundo visível. Pense em Homero, a quem os deuses deram o dom divino, atingindo-o com cegueira; pense no Fédon de Platão, onde aqueles que fazem filosofia aparecem para aqueles que não, os muitos, como pessoas que perseguem a morte. Pense em Zenão, o fundador do estoicismo, que perguntou ao oráculo de Delfos o que ele deveria fazer para obter a melhor vida e foi respondido: “Assuma a cor dos mortos”.

Portanto, a pergunta é inevitável: como pode algo relevante para o mundo em que vivemos surgir de uma empresa tão sem resultado? Uma resposta, se é que existe, pode vir apenas da atividade de pensar, o desempenho ele mesmo, o que significa que precisamos rastrear experiências, e não doutrinas. E para onde nos voltamos para essas experiências? O “todo mundo” de quem exigimos pensar não escreve livros; ele tem negócios mais urgentes para atender. E os poucos, que Kant chamou de “pensadores profissionais”, nunca estiveram particularmente ansiosos para escrever sobre a experiência ela mesma, talvez porque sabiam que o pensamento não tem resultado por natureza. Pois seus livros com suas doutrinas eram inevitavelmente compostos com vista aos muitos, que desejam ver resultados e não querem fazer distinções entre conhecer e pensar, entre verdade e significado. Não sabemos quantos dos pensadores “profissionais” cujas doutrinas constituem a tradição da filosofia e da metafísica tinham dúvidas sobre a validade e até a possível significância de seus resultados. Conhecemos apenas a magnífica negação de Platão (na sétima carta) do que outros proclamavam como suas doutrinas:

Sobre os assuntos que me preocupam, nada se sabe, pois não há nada por escrito sobre eles nem jamais existirá nada no futuro. As pessoas que escrevem sobre essas coisas não sabem nada; elas nem se conhecem elas mesmas. Pois não há como pôr isto em palavras como outras coisas que podemos aprender. Portanto, ninguém que possua a própria faculdade de pensar (nous) e, portanto, conheça a fraqueza das palavras, jamais correrá o risco de colocar pensamentos em discurso, muito menos fixá-los em uma forma tão inflexível quanto as cartas escritas.

Original

THINKING AND MORAL CONSIDERATIONS, in ARENDT, Hannah. Responsability and Judgement. New York: Schocken, 2003 (ebook) (RJ)

  1. Phaedo 64, and Diogenes Laertius 7.21.[↩]
  2. paraphrase the passages: Seventh Letter 3433—3438.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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