Arendt (RJ:162) – supra-sensual

tradução

O que chegou ao fim é a distinção básica entre o sensual e o supra-sensual, juntamente com a noção, pelo menos tão antiga quanto Parmênides, de que tudo o que não é dado aos sentidos — Deus ou Ser ou os Primeiros Princípios e Causas (archai) ou as Ideias — é mais real, mais verdadeiro, mais significativo do o que aparece, que não está apenas além da percepção dos sentidos, mas acima do mundo dos sentidos. O que está “morto” não é apenas a localização de tais “verdades eternas”, mas a distinção ela mesma. Enquanto isso, em vozes cada vez mais estridentes, os poucos defensores da metafísica nos alertaram sobre o perigo do niilismo inerente a esse desenvolvimento; e embora eles mesmos raramente o invoquem, eles têm um argumento importante a seu favor: é realmente verdade que, uma vez descartada a esfera supra-sensual seu oposto é também aniquilado o mundo das aparências, como é entendido por tantos séculos. O sensual, como ainda é entendido pelos positivistas, não pode sobreviver à morte do supra-sensual. Ninguém sabia disso melhor do que Nietzsche, que, com sua descrição poética e metafórica do assassinato de Deus em Zaratustra, causou tanta confusão nesses assuntos. Em uma passagem significativa de O Crepúsculo dos Ídolos, ele esclarece o que a palavra “Deus” significava em Zaratustra. Era apenas um símbolo para o reino supra-sensual, como entendido pela metafísica; ele agora usa, em vez de “Deus”, o termo “mundo verdadeiro” e diz: “Abolimos o mundo verdadeiro. O que restou? O aparente, talvez? Ah não! Com o mundo verdadeiro, também abolimos o aparente”.1

Original

“Thinking and Moral Considerations”, in ARENDT, Hannah. Responsability and Judgement. New York: Schocken, 2003 (ebook) (RJ)

  1. Parece digno de nota que encontramos o mesmo insight em sua óbvia simplicidade no início desse pensamento em termos de dois mundos, o sensual e o supra-sensual. Demócrito nos apresenta um claro pequeno diálogo entre a mente, o órgão do supra-sensual e os sentidos. As percepções sensoriais são ilusões, diz ele; elas mudam de acordo com as condições do nosso corpo; doce, amargo, colorido e tal existem apenas nomo, por convenção entre os homens, e não physei, de acordo com a verdadeira natureza por trás das aparências — assim fala a mente. Então, os sentidos respondem: “Mente miserável! Derruba-nos enquanto tiras tuas evidências (pisteis, tudo em que você pode confiar)? Nossa derrota será tua derrota ”(fragmentos B125, B9). Em outras palavras, uma vez perdido o equilíbrio sempre precário entre os dois mundos, não importa se o “mundo verdadeiro” abole o “aparente” ou vice-versa, todo o quadro de referências, no qual nosso pensamento estava acostumado a se orientar, quebra. Nesses termos, nada parece fazer mais sentido.[↩]
  2. It seems noteworthy that we find the same insight in its obvious simplicity at the beginning of this thinking in terms of two worlds, the sensual and the supersensual. Democritus presents us with a neat little dialogue between the mind, the organ for the supersensual, and the senses. Sense perceptions are illusions, he says; they change according to the conditions of our body; sweet, bitter, color, and such exist only nomo, by convention among men, and not physei, according to true nature behind the appearances—thus speaks the mind. Whereupon the senses answer: “Wretched mind! Do you overthrow us while you take from us your evidence (pisteis, everything you can trust)? Our overthrow will be your downfall” (fragments B125, B9). In other words, once the always precarious balance between the two worlds is lost, no matter whether the “true world” abolishes the “apparent one” or vice versa, the whole framework of references, in which our thinking was used to orienting itself, breaks down. In these terms, nothing seems to make much sense anymore.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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