(Apel2000)
Quanto à tese (3): A meu ver, a própria expressão “ser-que-se-antecipa” (Sich-vorweg-Sein) deixa claro que Heidegger, em Ser e tempo, ainda não havia rompido por completo sua ligação com uma filosofia transcendental da “subjetividade”, no sentido kantiano. Por isso, em Kant e o problema da metafísica [Kant und das Problem der Metaphysik, 1929], ele pôde aproximar entre si o “caráter projetivo” do “Compreender”, que transcende a si mesmo e a todo e qualquer ente, e a “espontaneidade” da “imaginação transcendental” em sentido kantiano. Do mesmo modo, a “interpretação” do “ser-que-se-antecipa” como “preocupação” [Sorge], no sentido da ligação a uma “voluntariedade” do ser-no-mundo, e sobretudo a ideia da imemoriável “situação de culpa” do ser-aí, tudo isso atesta que naquele momento não se podia descartar a compreensão da “pré-estrutura” do Compreender — ao menos entre outras coisas— como um problema da identidade do ser humano consigo mesmo, a ser assumida ou rejeitada. Nisso, porém, podia-se entrever ainda outro problema, igualmente solucionável por meio de recursos científicos: o da reconstituição ao mesmo tempo empírica e normativa das condições de possibilidade e validade do “Compreender a si mesmo e ao mundo” imbricadas na pré-estrutura. E por que não deveria estar implícita nesse programa a reconstrução (hermenêutica e ligada à crítica das ideologias) da história dos gêneros, bem como a reconstrução (que recentemente tem passado para o primeiro plano) dos mecanismos reguladores gerativos, pertencentes ao comportamento instintivo e inato?1
- Aqui tenho em mente tanto as pesquisas etológicas, quanto aquelas desenvolvidas pela escola piagetiana acerca das pré-estruturas cognitivas inatas, e sobretudo a reconstituição do instinto racional humboldtiano da linguagem, no sentido da “gramática gerativa”.[
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