Reservamos o termo antecipar para caracterizar, terminologicamente, o porvir em sentido próprio. Ele indica que, existindo propriamente, a presença (Dasein) faz com que ela mesma venha-a-si como seu poder-ser mais próprio. Indica também que o porvir deve conquistar a si mesmo não a partir de uma atualidade, mas a partir do porvir impróprio. O termo formal e indiferente para o porvir encontra-se na designação do primeiro momento estrutural da cura, isto é, no ANTECEDER-A-SI. De fato, a presença (Dasein) constantemente antecede a si mesma mas inconstantemente, segundo a sua possibilidade existenciária, o faz antecipando. STMS: §68
Essa estrutura, porém, diz respeito ao todo da constituição da presença (Dasein). Esse ANTECEDER-A-SI-mesma não significa uma espécie de tendência isolada num “sujeito” sem mundo, mas caracteriza o ser-no-mundo. Pertence a esse ser-no-mundo, contudo, que, entregando-se à responsabilidade de si mesmo, já se tenha lançado em um mundo. É na angústia que o abandono da presença (Dasein) a si mesma se mostra em sua concreção originária. Apreendido em sua plenitude, o ANTECEDER-A-SI-mesma da presença (Dasein) diz: ANTECEDER-A-SI-mesma-no-já-ser-em-um-mundo. Vendo-se fenomenalmente essa estrutura em sua unidade de essência, evidencia-se também o que foi anteriormente exposto na análise da mundanidade. Lá se obteve que a totalidade referencial da significância que, como tal, constitui a mundanidade, ancora-se num em-virtude-de (Worum-willen). O acoplamento da totalidade referencial, das múltiplas remissões do “para-quê” ao que está em jogo na presença (Dasein) não significa a fusão de um “mundo” simplesmente dado de objetos com um sujeito. Ao contrário, é a expressão fenomenal da constituição da presença (Dasein) em seu todo originário, cuja totalidade foi agora explicitada como um ANTECEDER-A-SI-mesma no já ser em… Em outras palavras: existir é sempre fático. Existencialidade determina-se essencialmente pela facticidade. STMS: §41
Porque, em sua essência, o ser-no-mundo é cura, pode-se compreender, nas análises precedentes, o ser junto ao manual como ocupação e o ser como co-presença (Dasein) dos outros nos encontros dentro do mundo como preocupação. O ser-junto a é ocupação porque, enquanto modo de ser-em, determina-se por sua estrutura fundamental, que é a cura. A cura caracteriza não somente a existencialidade, separada da facticidade e decadência, como também abrange a unidade dessas determinações ontológicas. A cura não indica, portanto, primordial ou exclusivamente, uma atitude isolada do eu consigo mesmo. A expressão “cura de si mesmo”, de acordo com a analogia de ocupação e preocupação, seria uma tautologia. A cura não pode significar uma atitude especial para consigo mesma porque essa atitude já se caracteriza ontologicamente como ANTECEDER-A-SI-mesma; nessa determinação, porém, já se acham também colocados os outros dois momentos estruturais da cura, a saber, o já ser-em e o ser-junto a. STMS: §41
É no ANTECEDER-A-SI-mesma, enquanto ser para o poder-ser mais próprio, que subsiste a condição ontológico-existencial de possibilidade de ser livre para as possibilidades propriamente existenciárias. O poder-ser é aquilo em virtude de que a presença (Dasein) é sempre tal como ela é faticamente. Na medida, porém, em que este ser para o próprio poder-ser acha-se determinado pela liberdade, a presença (Dasein) também pode relacionar-se involuntariamente com as suas possibilidades, ela pode ser imprópria. Faticamente, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, é nessa modalidade que ela se encontra. O próprio em virtude de não é apreendido, e o projeto de poder-ser ela mesma fica entregue ao talante do impessoal. Assim, no ANTECEDER-A-SI-mesma, o “si” indica sempre o si-mesmo, no sentido do impessoalmente-si-mesmo. Mesmo na impropriedade, a presença (Dasein) permanece essencialmente um ANTECEDER-A-SI-mesma, da mesma forma que a fuga de si mesma na decadência ainda apresenta a constituição de ser na qual está em jogo o seu ser. STMS: §41
O poder-ser, em virtude de que a presença (Dasein) é, possui em sisi mesmo o modo de ser-no-mundo. Nele reside, portanto, ontologicamente, a remissão ao ente intramundano. A cura é sempre ocupação e preocupação, mesmo que de modo privativo. No querer só se apreende um ente já compreendido, isto é, um ente já projetado em suas possibilidades como ente a ser tratado na ocupação ou a ser cuidado em seu ser na preocupação. É por isso que ao querer sempre pertence algo que se quer, algo que já se determinou a partir daquilo em-virtude-de que se quer. Para a possibilidade ontológica do querer são constitutivos: a abertura prévia do em-virtude-de que (o ANTECEDER-A-SI-mesma), a abertura do que se pode ocupar (o mundo como algo em que já se é) e o projeto de compreender da presença (Dasein) num poder-ser para a possibilidade de um ente “que se quis”. No fenômeno do querer, transparece a totalidade subjacente da cura. STMS: §41
O “querer” tranquilo, que se acha sob a guia do impessoal, também não significa a extinção do ser no poder-ser, mas somente uma modificação. O ser para possibilidades mostra-se, pois, na maior parte das vezes, como simples desejar. No desejo, a presença (Dasein) projeta o seu ser para possibilidades as quais não somente não são captadas na ocupação como não se pensa ou se espera, sequer uma vez, a sua realização. Ao contrário, a predominância do ANTECEDER-A-SI-mesma, no modo do simples desejar, comporta uma incompreensão das possibilidades fáticas. O ser-no-mundo, cujo mundo se projeta primariamente como mundo do desejo, perde-se, de modo insustentável, no que se acha disponível, e isso de tal modo que o que está disponível como o único manual jamais é suficiente à luz do que se deseja. Desejar é uma modificação existencial do projetar-se do compreender que, na decadência do estar-lançado, ainda adere pura e simplesmente às possibilidades. Essa adesão fecha as possibilidades; aquilo que está “por aí” (»da«) na adesão do desejo torna-se “mundo real”. Ontologicamente, desejar pressupõe a cura. STMS: §41
O que diz “pressupor”? Compreender alguma coisa como a base e o fundamento do ser de um outro ente. Essa compreensão dos entes em seus nexos ontológicos só é possível com base na abertura, ou seja, no ser-descobridor da presença (Dasein). Pressupor “verdade” significa, pois, compreendê-la como algo em virtude da qual a presença (Dasein) é. Presença, no entanto – e isso reside na constituição de ser como cura – já sempre antecedeu a si mesma. Ela é um ente em que, em seu ser, está em jogo o poder-ser mais próprio. A abertura e o descobrimento pertencem, de modo essencial, ao ser e ao poder-ser da presença (Dasein) como ser-no-mundo. Na presença (Dasein) está em jogo o seu poder-ser-no-mundo e, com isso, a ocupação que descobre na circunvisão o ente intramundano. Na constituição de ser da presença (Dasein) como cura, no ANTECEDER-A-SI-mesma, reside o “pressupor” mais originário. Porque esse pressupor a si mesmo pertence ao ser da presença (Dasein), “nós” devemos pressupor também a “nós” como algo que se determina pela abertura. Esse “pressupor” radicado no ser da presença (Dasein) não se comporta com os entes não dotados do caráter de presença (Dasein), mas unicamente consigo mesmo. A verdade pressuposta, o “se dá”, pelo qual se deve determinar o seu ser, possui o modo e o sentido de ser da própria presença (Dasein). Devemos “fazer” a pressuposição de verdade porque ela já se “fez” com o ser do “nós”. STMS: §44
A possibilidade da presença (Dasein) ser-toda contradiz, manifestamente, a cura que, de acordo com seu sentido ontológico, constitui a totalidade do todo estrutural da presença (Dasein). Entretanto, o momento primordial da cura, o “ANTECEDER-A-SI-mesma”, significa que a presença (Dasein) existe, cada vez, em virtude de si mesma. “Enquanto ela é” e até o seu fim, a presença (Dasein) relaciona-se com o seu poder-ser. Mesmo que, ainda existindo, nada mais possua “diante de si” e “feche para balanço”, o “ANTECEDER-A-SI-mesma” ainda determina o seu ser. A falta de esperança, por exemplo, não retira a presença (Dasein) de suas possibilidades, sendo apenas um modo próprio de ser para essas possibilidades. Do mesmo modo, ser e estar voltado para tudo “sem qualquer ilusão” também conserva em si o “ANTECEDER-A-SI-mesmo”. Contudo, esse momento estrutural da cura diz, sem ambiguidades, que, na presença (Dasein), há sempre ainda algo pendente, que ainda não se tornou “real”, como um poder-ser de si mesma. Na essência da constituição fundamental da presença (Dasein) reside, portanto, uma insistente inconclusão. A não-totalidade significa uma pendência no poder-ser. STMS: §46
O que, na presença (Dasein), constitui a “não-totalidade”, o insistente ANTECEDER-A-SI-mesma, não é nem algo pendente numa junção aditiva nem um ainda-não-se-ter-tornado-acessível. É um ainda-não que, enquanto ente que é, cada presença (Dasein) tem de ser. No entanto, a comparação com o não estar maduro do fruto, a despeito de certa concordância, mostra diferenças essenciais. Tomá-las em consideração significa reconhecer o que há de indeterminado em tudo que dissemos, até o momento, sobre fim e findar. STMS: §48
As considerações feitas a respeito do pendente, do fim e totalidade resultaram na necessidade de se interpretar o fenômeno da morte como ser-para-o-fim, a partir da constituição fundamental da presença (Dasein). Somente assim é que se pode esclarecer como, na própria presença (Dasein) e de acordo com sua estrutura ontológica, o ser-para-o-fim possibilita o ser-todo da presença (Dasein). Mostrou-se a cura como constituição fundamental da presença (Dasein). O significado ontológico desse termo exprime-se na seguinte “definição”: já ANTECEDER-A-SI-mesma-em (um mundo) como ser-junto-aos entes (intramundanos) que vêm ao encontro. Com isso, explicitam-se os caracteres fundamentais do ser da presença (Dasein): no ANTECEDER-A-SI-mesma, a existência, no já-ser-em…, a facticidade, no ser-junto-a, a decadência. Se, portanto, a morte pertence, num sentido privilegiado, ao ser da presença (Dasein), ela (e o ser-para-o-fim) devem poder ser determinados por esses caracteres. STMS: §50
A morte é uma possibilidade ontológica que a própria presença (Dasein) sempre tem de assumir. Com a morte, a própria presença (Dasein) é impendente em seu poder-ser mais próprio. Nessa possibilidade, o que está em jogo para a presença (Dasein) é pura e simplesmente seu ser-no-mundo. Sua morte é a possibilidade de poder não mais ser presença (Dasein). Se, enquanto essa possibilidade, a presença (Dasein) é, para si mesma, impendente, é porque depende plenamente de seu poder-ser mais próprio. Sendo impendente para si, nela se desfazem todas as remissões para outra presença (Dasein). Essa possibilidade mais própria e irremissível é, ao mesmo tempo, a mais extrema. Enquanto poder-ser, a presença (Dasein) não é capaz de superar a possibilidade da morte. A morte é, em última instância, a possibilidade da impossibilidade pura e simples de presença (Dasein). Desse modo, a morte desvela-se como a possibilidade mais própria, irremissível e insuperável. Como tal, ela é um impendente privilegiado. Essa possibilidade existencial funda-se em que a presença (Dasein) está, essencialmente, aberta para si mesma e isso no modo de ANTECEDER-A-SI-mesma. Esse momento estrutural da cura possui sua concreção mais originária no ser-para-a-morte. O ser-para-o-fim torna-se, fenomenalmente, mais claro como ser-para essa possibilidade privilegiada da presença (Dasein). STMS: §50
O ANTECEDER-A-SI-mesma funda-se no porvir. O já-ser-em… anuncia em si o vigor de ter sido. O ser-junto-a encontra sua possibilidade na atualização. O que foi dito não permite, de modo algum, apreender o “ante” de “anteceder” (Vor im Vorweg) e o “já” de “já-ser-em” a partir da compreensão vulgar de tempo. O “ante” (Vor) não significa o “antes” no sentido de “agora-ainda-não, mas depois”; da mesma forma, o “já” não significa um “agora-não-mais, mas antes”. Se estas expressões “ante” (Vor) e “já” possuíssem este significado temporal, que aliás também podem possuir, então com temporalidade da cura estar-se-ia dizendo que cura é alguma coisa que se dá “antes” e “depois”, “ainda não” e “não mais”. Nesse caso, a cura seria concebida como um ente que ocorre e transcorre “no tempo”. O ser de um ente com caráter de presença (Dasein) tornar-se-ia, portanto, algo simplesmente dado. Se isso é impossível, então o significado temporal das expressões mencionadas deve ser outro. “Ante” (Vor) e “anteceder” (vorweg) indicam o porvir que, como tal, os possibilita, de maneira que possa dar-se um ente em que está em jogo seu poder-ser. O projetar-se “em virtude de si-mesmo”, fundado no porvir, é um caráter essencial da existencialidade. O seu sentido primário é o porvir. STMS: §65
Da mesma maneira que, na tentativa de escapar da morte, a morte persegue o fugitivo e este deve vê-la justamente nos escapes, também a sequência dos agora que, inocente e infinita, simplesmente decorre “sobre”-põe um curioso enigma à presença (Dasein). Por que dizemos: o tempo passa, e não acentuamos igualmente: ele aparece? Com referência à pura sequência dos agora, poder-se-ia dizer, com o mesmo direito, tanto um como o outro. Na fala do passar do tempo, a presença (Dasein) acaba compreendendo mais do tempo do que gostaria, ou seja, apesar de todo encobrimento, a temporalidade em que o tempo do mundo se temporaliza não está inteiramente fechada. A fala do passar do tempo exprime a seguinte “experiência”: o tempo não se deixa deter. Essa “experiência” só é, portanto, possível com base numa vontade de deter o tempo. Isso implica um aguardar impróprio dos “instantes”, que esquece os instantes que escapolem. O aguardar que atualiza e esquece a existência imprópria é condição de possibilidade da experiência vulgar do passar do tempo. Porque, no ANTECEDER-A-SI-mesma, a presença (Dasein) é porvir, ela deve compreender, num aguardar, a sequência dos agora como uma sequência que escapole e passa. A presença (Dasein) conhece o tempo fugaz a partir do saber “fugaz” de sua morte. Na fala acentuada do passar do tempo reside o reflexo público do porvir finito da temporalidade da presença (Dasein). E é porque até mesmo a morte pode ficar encoberta na fala do passar do tempo que o tempo se mostra como um passar “em si”. STMS: §81
Se a decisão constitui o modo da cura em sentido próprio, e se ela mesma só é possível pela temporalidade, então o próprio fenômeno obtido com vistas à decisão deve apresentar apenas uma modalidade da temporalidade que torne possível a cura como tal. Enquanto cura, a totalidade ontológica da presença (Dasein) diz: ANTECEDER-A-SI-mesma-em (um mundo) enquanto ser-junto-a (entes que vêm ao encontro dentro do mundo). Ao se fixar pela primeira vez a articulação dessa estrutura, mencionou-se que, no tocante a esta articulação, a questão ontológica deveria ainda remontar à liberação da unidade na totalidade de sua multiplicidade estrutural. A unidade originária da estrutura da cura reside na temporalidade. STMS: §65
Entretanto, a análise anterior da mundanidade do mundo e dos entes intramundanos mostrou que a descoberta dos entes intramundanos funda-se na abertura de mundo. abertura, porém, é o modo fundamental da presença (Dasein) segundo o qual ela é o seu pre (das Da). A abertura constitui-se de disposição, de compreender e de fala, referindo-se, de maneira igualmente originária, ao mundo, ao ser-em e ao ser-si-mesmo. A estrutura da cura enquanto ANTECEDER-A-SI-mesma-no-já-estar-num-mundo-como-ser-junto-aos-entes-intramundanos, resguarda em si a abertura da presença (Dasein). Com ela e por ela é que se dá a descoberta. Por isso, somente com a abertura da presença (Dasein) é que se alcança o fenômeno mais originário da verdade. O que antes se demonstrou quanto à constituição existencial do pre (das Da) e com referência ao seu ser cotidiano referia-se ao fenômeno mais originário da verdade. Sendo essencialmente a sua abertura, abrindo e descobrindo o que se abre, a presença (Dasein) é essencialmente “verdadeira”. A presença (Dasein) é e está “na verdade”. Esse enunciado possui sentido ontológico. Não significa que onticamente a presença (Dasein) tenha sido introduzida sempre ou apenas algumas vezes “em toda a verdade”, mas indica que a abertura de seu ser mais próprio pertence à sua constituição existencial. STMS: §44
A expressão “cura” significa um fenômeno ontológico-existencial básico que também em sua estrutura não é simples. A totalidade ontologicamente elementar da estrutura da cura não pode ser reconduzida a um “elemento primário” ôntico, assim como o ser não pode ser “esclarecido” pelo ente. Por fim, há de se mostrar que a ideia de ser é tão pouco “simples” como o ser da presença (Dasein). A determinação da cura, como ANTECEDER-A-SI-mesma-no-já-ser-em…, enquanto-ser-junto-a, torna claro que esse fenômeno está, em sisi mesmo, articulado estruturalmente. Não será isso um indício fenomenal de que a questão ontológica deve ser levada ainda mais adiante, de modo a expor um fenômeno ainda mais originário, que sustente ontologicamente a unidade e totalidade da multiplicidade estrutural da cura? Antes de se prosseguir a investigação dessa questão, é preciso apropriar-se mais aguda e retrospectivamente do que foi interpretado até aqui com vistas à questão ontológica fundamental do sentido do ser em geral. Antes ainda, porém, deve-se mostrar que, do ponto de vista ontológico, a “novidade” dessa interpretação é, do ponto de vista ôntico, bastante antiga. A explicação do ser da presença (Dasein) como cura não força o ser da presença (Dasein) a se enquadrar numa ideia inventada, mas nos permite conceituar existencialmente o que já se abriu de modo ôntico-existenciário. STMS: §41
A totalidade existencial de toda a estrutura ontológica da presença (Dasein) deve ser, pois, apreendida formalmente na seguinte estrutura: o ser da presença (Dasein) diz ANTECEDER-A-SI-mesma-no-já-ser-em-(no mundo)-como-ser-junto-a (os entes que vêm ao encontro dentro do mundo). Esse ser preenche o significado do termo cura, aqui utilizado do ponto de vista puramente ontológico-existencial. Fica excluída dessa significação toda tendência ôntica como cuidado ou descuido. STMS: §41
E, por conseguinte, o existir fático da presença (Dasein) não está apenas lançado indiferentemente num poder-ser-no-mundo, mas já está sempre empenhado no mundo das ocupações. Nesse ser junto a…, que constitui a decadência, anuncia-se, explicitamente ou não, compreendida ou não, uma fuga da estranheza que, na maior parte das vezes, permanece encoberta pela angústia latente, uma vez que o caráter público do impessoal reprime toda e qualquer não familiaridade. Na decadência, o ser junto ao manual intramundano da ocupação acha-se essencialmente incluído no ANTECEDER-A-SI-mesma-no-já-ser-em-um-mundo. STMS: §41
Essas investigações, que precedem uma possível questão ontológica sobre a realidade, já foram desenvolvidas na analítica existencial precedente. Nela, o conhecimento mostrou o modo derivado de acesso ao real. Em sua essência, o real só se torna acessível como ente intramundano. Todo acesso aos entes intramundanos funda-se, ontologicamente, na constituição fundamental da presença (Dasein), ou seja, no ser-no-mundo. Este, por sua vez, encontra a sua constituição de ser mais originária na cura (ANTECEDER-A-SI-mesma-no-já-ser-em-um-mundo-como-ser-junto-a-entes-intramundanos). STMS: §43
A presença (Dasein) é um ente em que, sendo, está em jogo seu próprio ser. Na constituição de ser do compreender, o “estar em jogo” evidenciou-se como o ser que se projeta para o poder-ser mais próprio. Esse poder-ser é o em virtude de, onde a presença (Dasein) é sempre como ela é. Em seu ser, a presença (Dasein) já sempre se conjugou com uma possibilidade de si mesma. É na angústia que a liberdade de ser para o poder-ser mais próprio e, com isso, para a possibilidade de propriedade e impropriedade mostra-se numa concreção originária e elementar. Do ponto de vista ontológico, porém, ser para o poder-ser mais próprio significa: em seu ser, a presença (Dasein) já sempre antecedeu a si mesma. A presença (Dasein) já está sempre “além de si mesma”, não como atitude frente aos outros entes que ela mesma não é, mas como ser para o poder-ser que ela mesma é. Designamos a estrutura ontológica essencial do “estar em jogo” como o ANTECEDER-A-SI-mesmo da presença (Dasein). STMS: §41
Na adesão, o que possui primazia é o já-ser-junto-a… O ANTECEDER-A-SI-mesmo-no-já-ser-em… modifica-se de modo correspondente. A adesão decadente revela a tendência da presença (Dasein) de se “deixar viver” pelo mundo em que ela sempre está. A tendência mostra o caráter de estar fora, aspirando a… O ANTECEDER-A-SI-mesmo perdeu-se num “já-sempre-apenas-junto-a”. A inclinação da tendência é deixar-se atrair por aquilo a que a tendência adere. Se a presença (Dasein) também afunda numa tendência não é porque uma tendência já é simplesmente dada, mas porque a estrutura completa da cura se modificou. Cega, ela coloca todas as possibilidades a serviço da tendência. STMS: §41
Em contrapartida, a propensão “para viver” é uma “inclinação” (Hin-zu) que traz por si mesma o impulso. É uma “inclinação a qualquer preço”. A propensão tenta reprimir outras possibilidades. Aqui também o ANTECEDER-A-SI-mesmo é impróprio, embora o deixar-se atropelar pela propensão advenha daquilo mesmo a que se é propenso. A propensão pode abalroar a disposição e o compreender. Mas, com isso, a presença (Dasein) nunca é “mera propensão” à qual, por vezes, se venha acrescentar outras atitudes de dominação e condução. Enquanto modificação de todo ser-no-mundo, a presença (Dasein) já é sempre cura. STMS: §41
Não se pode eliminar o “ANTECEDER-A-SI-mesmo” enquanto momento essencial da estrutura de cura. Será, pois, pertinente o que daí concluímos? Mas a conclusão acerca da impossibilidade de uma apreensão de toda a presença (Dasein) não teria advindo de mera argumentação formal? E não se estaria, no fundo, supondo, sem nem se dar conta, a presença (Dasein) como ser simplesmente dado, da qual sempre escaparia algo que simplesmente ainda não se deu? Terá a argumentação apreendido o ainda-não-ser e o “anteceder” em sentido genuinamente existencial? Ter-se-á falado de “fim” e “totalidade” de modo fenomenalmente condizente com a presença (Dasein)? Teria a expressão “morte” um sentido biológico ou ontológico-existencial ou ainda um sentido delimitado de modo seguro e suficiente? Esgotaram-se, de fato, todas as possibilidades de a presença (Dasein) tornar-se acessível em sua totalidade? STMS: §46
A delimitação da estrutura existencial do ser para o fim serve para a elaboração de um modo de ser da presença (Dasein) em que ela, enquanto presença (Dasein), pode ser toda. Que a presença (Dasein) cotidiana já é para o seu fim, ou seja, que ela constantemente se debate com sua morte, embora “fugindo”, mostra que este fim, que determina e conclui o seu ser-toda, nada tem a ver com o por fim deixar de viver da presença (Dasein). Na presença (Dasein), enquanto o que está sendo para a sua morte, já está incluído o ainda-não mais extremo de si mesma, sobre o qual repousam todos os demais. Por isso, a conclusão formal do ainda-não da presença (Dasein), interpretado de forma ontologicamente inadequada como pendente, não é justa devido à sua não-totalidade. Do mesmo modo que a estrutura da cura, o fenômeno do ainda-não, relevado do ANTECEDER-A-SI-mesmo, não é uma instância oposta ao ser-todo possivelmente existente, pois é o ANTECEDER-A-SI-mesmo que possibilita este ser para o fim. O problema da possibilidade de ser-todo desse ente, que cada vez nós mesmos somos, justifica-se caso a cura, entendida como constituição fundamental da presença (Dasein), se “conecte” com a morte, enquanto possibilidade mais extrema desse ente. STMS: §52
A unidade dos momentos constitutivos da cura, existencialidade {CH: existência: 1) para todo o ser da presença (Dasein); 2) somente para o “compreender”}, facticidade e decadência, possibilitou uma primeira delimitação ontológica da totalidade do todo estrutural da presença (Dasein). A estrutura da cura chegou à seguinte fórmula existencial: ANTECEDER-A-SI-mesmo-em (um mundo) enquanto ser-junto-a (um ente intramundano que vem ao encontro). Embora articulada, a totalidade da estrutura da cura não resulta de um ajuntamento. Tivemos de avaliar esse resultado ontológico quanto à possibilidade de satisfazer as exigências de uma interpretação originária da presença (Dasein). Da reflexão resultou que não se tematizou nem toda a presença (Dasein) e nem o seu poder-ser próprio. A tentativa de apreender fenomenalmente toda a presença (Dasein) pareceu fracassar justamente na estrutura da cura. O ANTECEDER-A-SI-mesmo apresentou-se como um ainda-não. Para uma consideração genuinamente existencial, o ANTECEDER-A-SI-mesmo desvelou-se como o que está pendente, mas no sentido de ser-para-o-fim que, no fundo de seu ser, toda presença (Dasein) é. Também esclarecemos que, no apelo da consciência, a cura faz apelo à presença (Dasein) para o seu poder-ser mais próprio. Entendida originariamente, o compreender do apelo revelou-se como decisão antecipadora. Ele abriga em si um poder-ser todo da presença (Dasein) em sentido próprio. A estrutura da cura não fala contra um possível ser-todo mas é a condição de possibilidade desse poder-ser existenciário. No encaminhamento da análise, tornou-se claro que os fenômenos existenciais de morte, consciência e dívida estão ancorados no fenômeno da cura. A articulação da totalidade do todo estrutural é ainda mais rica e, por isso, torna também mais urgente a questão existencial da unidade dessa totalidade. STMS: §64