Ora, como observou uma vez um grande filólogo, a palavra alemã Stimmung é precisamente uma daquelas que é costume definir como intraduzíveis:
Isso não quer dizer que frases como in guter Stimmung sein não possam facilmente ser traduzidas por essere di buon umore, em italiano, ou por être en bonne humeur, em francês; e que die Stimmung in diesem Zimmer não possa ser traduzido em italiano por l’atmosfera di questa stanza; e Stimmung Hervorrufen por creare una atmosfera; die Seele zu Traurigkeit stimmen por dispone l’anima alia tristeza, etc., etc.; falta, porém, nas principais línguas europeias um termo que exprima a unidade dos sentimentos que um homem experimenta em face do que o envolve (uma paisagem, a natureza ou algo semelhante) e funde o dado objetivo com o subjetivo em uma unidade harmoniosa (…) Um italiano não pode dizer l’umore di un paesaggio nem la mia atmosfera; já, um alemão pode falar quer da “Stimmung de uma paisagem”, quer da “minha Stimmung”. Além disso, a palavra alemã faz constantemente apelo a gestimmtsein, “estar de acordo”, o que, implicando certa solidariedade e certo consenso com algo mais vasto, distingue-a do simples “estado de espírito”.
A palavra Stimmung, como é evidente por sua proximidade com Stimme, voz, pertence originalmente à esfera acústico-musical. Ela está ligada semanticamente a palavras como as latinas concentus e temperamentum e a grega harmonia, e em sua origem significa entonação, acorde, harmonia. A partir desse significado musical se desenvolve, sem no entanto jamais perder completamente o contato com o sentido originário, o significado moderno de “estado de espírito”. Trata-se assim de uma palavra cujo significado se deslocou, ao longo do tempo, da esfera acústico-musical — a que estava ligado por sua proximidade com a voz — para a esfera psicológica.
(…) No parágrafo 29 de Sein und Zeit (ET29), Heidegger apresenta a Stimmung — que o tradutor italiano verte em “tonalità emotiva” — como o “modo existencial fundamental”, através do qual o Dasein se abre a si mesmo. Na medida em que traz originariamente o Dasein em seu Da, o ser-aí em seu aí, a Stimmung realiza, de fato, a “revelação primária do mundo (die primäre Entdeckung der Welt)”. O que nela está em questão diz assim respeito, em primeiro lugar, não ao plano ôntico — o que podemos conhecer e sentir no interior do mundo, os entes intramundanos —, mas ao plano ontológico — a própria abertura do mundo. (Nos termos de Wittgenstein, podemos dizer, não como o mundo é, mas que o mundo é; ou ainda: não o que se diz em proposições no interior da linguagem, mas que a linguagem seja.) Portanto, escreve Heidegger, “ela não vem de fora nem de dentro”, mas “surge no próprio ser-no-mundo”. “Estar em uma Stimmung”, acrescenta Heidegger, “não comporta nenhuma referência primária à psique: não se trata de um estado interior que se exteriorizaria misteriosamente para colorir as coisas e as pessoas”. O lugar da Stimmung — poderíamos dizer — não está na interioridade nem no mundo, mas no limite entre ambos. Por isso, o ser-aí, na medida em que é essencialmente sua própria abertura, está desde sempre em uma Stimmung, é sempre emotivamente orientado; e essa orientação é anterior a todo conhecimento consciente, tal como a toda percepção sensível, a todo Wissen (saber), tal como a todo Wahrnehmen (perceber). Antes de se abrir em todo saber e em toda percepção sensível, o mundo se abre ao homem em uma Stimmung. “E só porque ontologicamente próprios de um ente que tem o modo de ser do ser-no-mundo em uma situação emotiva, os “sentidos” podem ser “afetos” e “ter sensibilidade” para aquilo que se manifesta na afecção”, escreve Heidegger. Mais do que estar em um lugar, poderemos então dizer que a Stimmung é o próprio lugar da abertura do mundo, o próprio lugar do ser. (73)
A Stimmung, todavia, levando o Dasein à abertura de seu Da, revela-lhe ao mesmo tempo seu ser lançado nesse Da, o fato de estar desde sempre entregue a ele. Ou seja, a descoberta originária do mundo que tem lugar na Stimmung é sempre desvelamento — diz Heidegger — de uma Geworfenheit, de um ser-lançado, a cuja estrutura é inerente uma essencial negatividade. No parágrafo 40 de Sein und Zeit, analisando a angústia como Stimmung fundamental, Heidegger precisa as características dessa negatividade. Em primeiro lugar, também aqui o que a angústia revela não é um objeto intramundano determinável qualquer:
O diante-de-quê da angústia é completamente indeterminado (…) por isso a angústia não tem olhos para ver um determinado aqui ou ali de onde se aproxima a ameaça. O que caracteriza o diante-de-quê da angústia é o fato de que o elemento ameaçador não está em lugar nenhum (…) ele existe já, mas não está em nenhum lado; está tão próximo que nos oprime e nos corta a respiração, mas não está em nenhum lugar. No diante-de-quê revela-se o “não é nada e em nenhum lugar (nirgends)”.
No ponto em que o Dasein acede portanto à abertura que lhe é mais própria e, na angústia, coloca-se perante o mundo como mundo, essa abertura se revela sempre atravessada por uma negatividade e por um mal-estar. Se — como escreve Heidegger — o Da está agora perante o Dasein como “um inexorável enigma”, é porque a Stimmung, descobrindo o homem como desde sempre lançado e entregue à sua abertura, revela-lhe, ao mesmo tempo, que ele não é trazido por si mesmo em seu Da. Escreve Heidegger: “Sendo, o Dasein é lançado, não é levado por si mesmo em seu Da (…) Existindo, ele nunca volta atrás em sua condição de lançado (…) Já que ele não colocou o fundamento, ele repousa em seu peso, que a Stimmung lhe revela como um fardo”. E justamente porque o Dasein é aberto ao mundo de tal modo que ele já não é senhor de sua abertura, essa abertura ao mundo tem o caráter do estranhamento. “A angústia”, escreve Heidegger, “retira o ser-aí de seu se sentir em casa no mundo e tem por isso, antes de tudo, o caráter do estranhamento” (do não se sentir em sua casa: zu Haus).