Se existe um ponto sobre o qual as filosofias contemporâneas parecem estar de acordo, é justamente o reconhecimento desse pressuposto. Assim, a hermenêutica assume essa irredutível prioridade da função significante, afirmando — segundo o lema de Schleiermacher que abre Verdade e método — que “na hermenêutica há apenas um pressuposto: a linguagem”, ou interpretando, com Apel, o conceito de “jogo de linguagem” em Wittgenstein no sentido de uma condição transcendental de toda consciência. Esse a priori é, para a hermenêutica, o pressuposto absoluto, que pode ser reconstruído e tornado consciente, mas não pode ser ultrapassado. Em coerência com essas premissas, a hermenêutica só pode colocar-se como horizonte de uma tradição e de uma interpretação infinitas, cujo sentido último e cujo fundamento devem necessariamente permanecer não ditos. Ela pode interrogar-se sobre como se dá a compreensão, mas o fato de haver compreensão é o que, permanecendo impensado, torna possível toda compreensão. “Todo ato de palavra”, escreve Gadamer, “no ato de seu acontecer torna, ao mesmo tempo, presente o não dito a que ele se refere como resposta e remissão.” (Compreende-se, assim, como a hermenêutica, mesmo reclamando-se de Hegel e Heidegger, deixa na sombra precisamente aquele aspecto de seu pensamento que convocava o saber absoluto e o fim da História, por um lado, e a Ereignis e o fim da história do ser, por outro.)
(AGAMBEN, Giorgio. A potência do pensamento. Ensaios e conferências. Tr. Antônio Guerreiro. Belo Horizonte: Autêntica, 2015)