abertura

Erschliessung, Erschlossenheit

Como ser constitui o questionado e ser diz sempre ser de um ente, o que resulta como interrogado na questão do ser é o próprio ente. Este é como que interrogado em seu ser. Mas para se poder apreender sem falsificações os caracteres de seu ser, o ente já deve se ter feito acessível antes, tal como é em si mesmo. Quanto ao interrogado, a questão de ser exige que se conquiste e assegure previamente um modo adequado de acesso ao ente. Chamamos de “ente” muitas coisas e em sentidos diversos. Ente é tudo de que (7) falamos dessa ou daquela maneira, ente é também o que e como nós mesmos somos. Ser está naquilo que é e como é, na realidade, no ser simplesmente dado (Vorhandenheit), no teor e recurso, no valor e validade, no existir {CH: ainda é o conceito corrente e nenhum outro}, no “dá-se”. Em qual dos entes deve-se {CH: duas questões distintas se justapõem aqui; isso dá motivo para um mal-entendido, sobretudo com referência ao papel da presença (Dasein)} ler o sentido de ser? De que ente deve partir a ABERTURA para o ser? O ponto de partida é arbitrário, ou será que um determinado ente possui o primado na elaboração da questão do ser? Qual é este ente exemplar {CH: perigo de mal-entendido. Exemplar é a presença (Dasein) porque ela é o jogo de apreensão que, em sua essência como presença (Dasein) (resguardando a verdade do ser), o ser como tal joga e articula – porque o ser como tal põe no jogo de sua ressonância.} e em que sentido possui ele um primado? STMS: §2

Ser é sempre ser de um ente. O todo dos entes pode tornar-se, em seus diversos setores, campo para se liberar e definir determinados âmbitos de objetos. Estas, por sua vez, como, por exemplo, história, natureza, espaço, vida, existência, linguagem, podem transformar-se em temas e objetos de investigação científica. A pesquisa científica realiza, de maneira ingênua e a grosso modo, um primeiro levantamento e uma primeira fixação dos âmbitos de objetos. A elaboração do âmbito em suas estruturas fundamentais já foi, de certo modo, efetuada pela experiência e interpretação pré-científicas do setor de ser que delimita a própria região de objetos. Os “conceitos fundamentais” assim produzidos constituem, de início, o fio condutor da primeira ABERTURA concreta do âmbito. Se o peso de uma pesquisa sempre se coloca nessa positividade, o seu progresso propriamente dito não consiste tanto em acumular resultados e conservá-los em “manuais”, mas em questionar a constituição fundamental de cada âmbito que, na maioria das vezes, surge reativamente do conhecimento crescente das coisas. STMS: §3

A analítica existencial, por sua vez, possui, em última instância, raízes existenciárias, isto é, ônticas. Só existe a possibilidade de uma ABERTURA da existencialidade da existência, e com isso a possibilidade de se captar qualquer problemática ontológica suficientemente fundamentada, caso se assuma existenciariamente o próprio questionamento da investigação filosófica como uma possibilidade de ser da presença (Dasein), sempre existente. Assim esclarece-se também o primado ôntico da questão do ser. STMS: §4

Enquanto tema fundamental da filosofia, ser não é o gênero dos entes, embora diga respeito a todo e qualquer ente. A sua “universalidade” deve ser procurada ainda mais alto. O ser e a estrutura de ser acham-se acima de qualquer ente e de toda determinação ôntica possível de um ente. O ser é o transcendens pura e simplesmente {CH: transcendens, seguramente não – apesar de todo eco metafísico – nem o koinon escolástico e greco-platônico, mas transcendência como ekstático – temporalidade – temporaneidade; mas horizonte. O ser cobriu o ente “com e no pensamento. A transcendência do ser da presença (Dasein) é privilegiada porque nela reside a possibilidade e a necessidade da individuação mais radical. Toda e qualquer ABERTURA de ser enquanto transcendens é conhecimento transcendental. A verdade fenomenológica (ABERTURA de ser) é veritas transcendentalis. STMS: §7

Embora em toda ABERTURA e explicação de ser o tema seja propriamente o ser, o ente sempre acompanha previamente a tematização. No âmbito da presente análise, o ente pré-temático é o que se mostra na ocupação do mundo circundante. Aqui, o ente não é objeto de um conhecimento teórico do “mundo” e sim o que é usado, produzido, etc. O ente que assim vem ao encontro é visualizado pré-tematicamente por um “conhecimento” que, sendo fenomenológico, aspira primordialmente ao ser e, partindo dessa tematização de ser, tematiza igualmente o ente em causa. Essa interpretação fenomenológica não é, pois, um conhecimento de propriedades entitativas dos entes, mas uma determinação da estrutura de seu ser. Enquanto investigação do ser, ela realiza, porém, de maneira explícita e autônoma, a compreensão de ser que, desde sempre, pertence à presença (Dasein) e se “aviva” em todo modo de lidar com o ente. O ente fenomenologicamente pré-temático, ou seja, o usado, o que se acha em produção, torna-se acessível ao transferirmo-nos para tais ocupações. A rigor, seria errôneo falar de transferência, pois não precisamos nos transferir para esse modo de ser e de lidar da ocupação. A presença (Dasein) cotidiana já está sempre nesse modo quando, por exemplo, ao abrir a porta, faço uso do trinco. Para se conquistar um acesso fenomenológico ao ente que assim vem ao encontro, é preciso, contudo, afastar as tendências de interpretação afluentes e concorrentes que encobrem o fenômeno dessa “ocupação”. Pois o que com isso se encobre é, sobretudo, o ente tal como ele, a partir de si mesmo, vem ao encontro na ocupação e para ela. Esses desvios capciosos aparecem quando, agora numa investigação, perguntamos: Que ente há de ser pré-tematizado e estabelecido como base pré-fenomenal? STMS: §15

Da mesma forma, a falta de um manual, cuja disponibilidade cotidiana é tão evidente que dele nem sequer tomamos conhecimento, constitui uma quebra dos nexos referenciais descobertos na circunvisão. A circunvisão depara-se com o vazio e só então é que vê para que (wofur) e com que (womit) estava à mão aquilo que faltava. Novamente, anuncia-se o mundo circundante. O que assim aparece não é em si mesmo um manual entre outros e muito menos algo simplesmente dado que fundasse, de alguma maneira, o instrumento à mão. Ele está “aí”, antes de toda constatação e consideração. Embora já sempre aberto à circunvisão, ele mesmo é inacessível à circunvisão por esta estar sempre voltada para o ente. “Abrir” e “ABERTURA” são termos técnicos que serão empregados, a seguir, no sentido de “des-fechar”. “Abrir” jamais significa, portanto, algo como “concluir através de mediações”. STMS: §16

Mas o que significa dizer que a perspectiva para a qual se libera, pela primeira vez, o ente intramundano deve estar previamente aberta? Ao ser da presença (Dasein) pertence uma compreensão de ser. Compreensão tem o seu ser num compreender. Se convém essencialmente à presença (Dasein) o modo de ser-no-mundo, é que compreender ser-no-mundo pertence ao teor essencial de sua compreensão de ser. A ABERTURA prévia da perspectiva, em que acontece a liberação dos entes intramundanos que vêm ao encontro, nada mais é do que o compreender de mundo com que a presença (Dasein), enquanto ente, já está sempre em relação. STMS: §18

O compreender, que a seguir será analisado mais profundamente (cf. §31), contém, numa ABERTURA prévia, as remissões mencionadas. Detendo-se nessa familiaridade, o compreender atém-se a estas remissões como o contexto em que se movem as suas referências. O próprio compreender se deixa referenciar nessas e para essas remissões. Apreendemos o caráter de remissão dessas remissões de referência como ação de signi-ficar. Na familiaridade com essas remissões, a presença (Dasein) “significa” para si mesma, ela oferece o seu ser e seu poder-ser a si mesma para uma compreensão originária, no tocante ao ser-no-mundo. O em virtude de significa um ser para, este um ser para isso, esse um estar junto em que se deixa e faz em conjunto, esse um estar com da conjuntura. Essas remissões estão acopladas entre si como totalidade originária. Elas são o que são enquanto ação de signi-ficar (Be-deuten), onde a própria presença (Dasein) se dá a compreender previamente a si mesma no seu ser-no-mundo. Chamamos de significância o todo das remissões] dessa ação de significar (Bedeuten). A significância é o que constitui a estrutura de mundo em que a presença (Dasein) {CH: a presença (Dasein) em que o homem vigora} já é sempre como é. Em sua familiaridade com a significância, a presença (Dasein) é a condição ôntica de possibilidade para se poder descobrir os entes que num mundo vêm ao encontro no modo de ser da conjuntura (manualidade) e que se podem anunciar em seu em-si. A presença (Dasein) como tal é sempre esta presença (Dasein) com a qual já se descobre essencialmente um contexto de manuais. Sendo, a presença (Dasein) já se {CH: mas não como uma ação e feito, dotados de eu, de um sujeito. Mas, presença (Dasein) e ser.} referiu a um “mundo” que lhe vem ao encontro, pois pertence essencialmente a seu ser uma referencialidade. STMS: §18

A ABERTURA da significância como constituição existencial da presença (Dasein), o ser-no-mundo, é a condição ôntica da possibilidade de se descobrir uma totalidade conjuntural. STMS: §18

Enquanto ser-no-mundo, a presença (Dasein) já descobriu a cada passo um “mundo”. Caracterizou-se esse descobrir, fundado na mundanidade do mundo, como liberação dos entes numa totalidade conjuntural. A ação liberadora de deixar e fazer em conjunto se perfaz no modo da referência, guiada pela circunvisão e fundada numa compreensão prévia da significância. Mostra-se assim que, dentro de uma circunvisão, o ser-no-mundo é espacial. E somente porque a presença (Dasein) é espacial, tanto no modo de dis-tanciamento quanto no modo de direcionamento, o que se acha à mão no mundo circundante pode vir ao encontro em sua espacialidade. A liberação de uma totalidade conjuntural é, de maneira igualmente originária, um deixar e fazer em conjunto que, numa região, dis-tancia e direciona, ou seja, libera a pertinência espacial do que está à mão. Na significância, familiar à presença (Dasein) nas ocupações de seu ser-em, reside também a ABERTURA essencial do espaço. STMS: §24

No contexto de uma analítica existencial da presença (Dasein) fática, levanta-se a questão se este modo de doação do eu propicia uma ABERTURA qualquer para a cotidianidade da presença (Dasein). Será mesmo a priori evidente que o acesso à presença (Dasein) deve ser proporcionado por uma reflexão simplesmente receptiva sobre o eu dos atos? E se este modo de “autodoação” da presença (Dasein) fosse, para a analítica existencial, uma tentação fundada no ser da própria presença (Dasein)? Ao se referir diretamente a si mesma, talvez a presença (Dasein) sempre diga: eu sou, e o faz também em alto e bom tom quando ela “não” é esse ente. E se a constituição de ser sempre minha da presença (Dasein) fosse uma razão para ela, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, não ser ela mesma? E se, partindo do dado do eu, a analítica existencial caísse, por assim dizer, nas tramas da própria presença (Dasein) e de sua auto-interpretação mais corriqueira? E se tivesse de resultar que o horizonte ontológico de toda determinação daquilo que é acessível numa simples doação ficasse, em princípio, indeterminado? Do ponto de vista ôntico, sempre se pode dizer com razão que “eu” sou este ente. No entanto, a analítica ontológica que utiliza este tipo de afirmação deve fazê-lo com reservas de princípio. O “eu” só pode ser entendido no sentido de uma indicação formal não constringente de algo que, em cada contexto ontológico-fenomenal, pode talvez se revelar como o “seu contrário”. Nesse caso, o “não-eu” não diz, de forma alguma, um ente em sua essência desprovido de “eu”, mas indica um determinado modo de ser do próprio “eu” como, por exemplo, a perda de si mesmo {CH: ou justamente também ser autenticamente próprio em oposição à egoidade indigente}. STMS: §25

De acordo com a análise aqui desenvolvida, o ser com os outros pertence ao ser da presença (Dasein) que, sendo, põe em jogo seu próprio ser. Enquanto ser-com, a presença (Dasein) “é”, essencialmente, em virtude dos outros. Isso deve ser entendido, em sua essência, como um enunciado existencial. Mesmo quando cada presença (Dasein) fática não se volta para os outros quando acredita não precisar deles ou quando os dispensa, ela ainda é no modo de ser-com. No ser-com, enquanto o existencial de ser em virtude dos outros, os outros já estão abertos em sua presença (Dasein). Essa ABERTURA dos outros, previamente constituída pelo ser-com, também perfaz a significância, isto é, a mundanidade que se consolida como tal no existencial de ser-em-virtude-de. Por isso, a mundanidade do mundo assim constituída, em que a presença (Dasein) já sempre é e está de modo essencial, deixa que o manual do mundo circundante venha ao encontro junto com a co-presença (Dasein) dos outros, na própria ocupação guiada pela circunvisão. Na estrutura da mundanidade do mundo, os outros não são, de saída, simplesmente dados como sujeitos soltos no ar ao lado de outras coisas. Eles se mostram em seu ser-no-mundo, empenhado nas ocupações do mundo circundante, a partir do ser que, no mundo, está à mão. STMS: §26

A ABERTURA da co-presença (Dasein) dos outros, pertencente ao ser-com, significa: na compreensão do ser da presença (Dasein) já subsiste uma compreensão dos outros, porque seu ser é ser-com. Como todo compreender, esse compreender não é um conhecer nascido de uma tomada de conhecimento. É um modo de ser originariamente existencial que só então torna possível conhecer e tomada de conhecimento. Este conhecer-se está fundado no ser-com que compreende originariamente. Ele se move, de início, segundo o modo de ser mais imediato do ser-no-mundo que é com, no conhecer compreensivo do que a presença (Dasein) encontra e do que ela se ocupa na circunvisão do mundo circundante. A partir da ocupação e do que nela se compreende é que se pode entender a ocupação da preocupação. O outro se descobre, assim, antes de tudo, na preocupação das ocupações. STMS: §26

Mas assim como o revelar-se e o fechar-se fundam-se nos modos de ser respectivos da convivência, de tal maneira que ele nada mais é do que isso mesmo, também a ABERTURA explicitada na preocupação nasce meramente do ser-com primordial. Essa ABERTURA temática e não teórica ou psicológica do outro evidencia-se facilmente para a problemática teórica do compreender da “vida psíquica do outro” enquanto o fenômeno que é primeiro visualizado. O que, fenomenalmente, apresenta “numa primeira aproximação” um modo de convivência compreensiva torna-se, ao mesmo tempo, aquilo que, assim considerado, possibilita e constitui, “em princípio” e originariamente, o ser para os outros. Esse fenômeno que, de maneira não muito feliz, denomina-se “ empatia” deve, por assim dizer, construir ontologicamente uma ponte entre o próprio sujeito isolado e o outro sujeito, de início, inteiramente fechado. STMS: §26

O si-mesmo da presença (Dasein) cotidiana é o impessoalmente-si-mesmo , que distinguimos do propriamente si mesmo, ou seja, do si mesmo apreendido como próprio. Enquanto impessoalmente-si-mesma, cada presença (Dasein) se acha dispersa no impessoal, precisando ainda encontrar a si mesma. Essa dispersão caracteriza o “sujeito” do modo de ser que conhecemos como a ocupação que se empenha no mundo que vem imediatamente ao encontro. Que a presença (Dasein) esteja familiarizada consigo enquanto o impessoalmente-si-mesmo, isso também significa que o impessoal prelineia a primeira interpretação do mundo e do ser-no-mundo. O impessoalmente-si-mesmo, em virtude de que a presença (Dasein) é cotidianamente, articula o contexto referencial da significância. O mundo da presença (Dasein) libera o ente que vem ao encontro numa totalidade conjuntural, familiar ao impessoal e nos limites estabelecidos pela medianidade. Numa primeira aproximação, a presença (Dasein) fática esta no mundo comum, descoberto pela medianidade. Numa primeira aproximação, “eu” não “sou” no sentido do propriamente si mesmo e sim os outros nos moldes do impessoal. É a partir deste e como este que, numa primeira aproximação, eu “sou dado” a mim mesmo. Numa primeira aproximação, a presença (Dasein) é impessoal, assim permanecendo na maior parte das vezes. Quando a presença (Dasein) descobre o mundo e o aproxima de si, quando abre para si mesma seu próprio ser, este descobrimento de “mundo” e esta ABERTURA da presença (Dasein) se cumprem e realizam como uma eliminação das obstruções, encobrimentos, obscurecimentos, como um romper das distorções em que a presença (Dasein) se tranca contra si mesma. STMS: §27

O que se constitui essencialmente pelo ser-no-mundo é sempre em si mesmo o “pre (das Da)” de sua presença (Dasein). Segundo o significado corrente da palavra, o “pre (das Da)” da presença (Dasein) remete ao “aqui” e “lá”. O “aqui” de um “eu-aqui” sempre se compreende a partir de um “lá” à mão, no sentido de um ser que se dis-tancia e se direciona numa ocupação. A espacialidade existencial da presença (Dasein) que lhe determina o “lugar” já está fundada no ser-no-mundo. O “lá” é a determinação daquilo que vem ao encontro dentro do mundo. “Aqui” e “lá” são apenas possíveis no “pre (das Da)” da presença (Dasein), isto é, quando se da um ente que, enquanto ser do “pre (das Da)” da presença (Dasein), abriu a espacialidade. Em seu ser mais próprio, este ente traz o caráter de não fechamento. A expressão “pre (das Da)” refere-se a essa ABERTURA essencial. Através dela, esse ente (a presença (Dasein)) está junto à pre (das Da)-sença do mundo, fazendo-se presença (Dasein) para si mesmo. STMS: §28

Numa imagem ôntica, falar de lumen naturale no homem não indica mais do que a estrutura ontológico-existencial deste ente, ou seja, de ser no modo do pre (das Da) de sua presença (Dasein). Ser “esclarecido” significa: estar em si mesmo iluminado {CH: aletheiaABERTURA – claridade, luminosidade, iluminar} como ser-no-mundo, não através de um outro ente, mas de tal maneira que ele mesmo seja {CH: mas não produzido} a clareira. É para um ente existencialmente iluminado desse modo que um ser simplesmente dado faz-se acessível na luz e inacessível no escuro. A presença (Dasein) sempre traz consigo o seu pre (das Da) e, desprovida dele, ela não apenas deixa faticamente de ser, como deixa de ser o ente dessa essência. A presença (Dasein) é {CH: presença (Dasein) existe e só ela; com isso existência, o estar fora e exposto no aberto do pre (das Da): ek-sistência} a sua ABERTURA. STMS: §28

É preciso explicitar a constituição desse ser. Como a existência constitui a essência desse ente, a frase existencial “a presença (Dasein) é a sua ABERTURA” diz, ao mesmo tempo, que o ser em jogo no ser deste ente deve ser o “pre (das Da)” de sua presença (Dasein). De acordo com a tendência da análise, alem de se caracterizar a constituição primordial do ser da ABERTURA, é preciso interpretar o modo de ser em que esse ente é cotidianamente o pre (das Da) de sua presença (Dasein). STMS: §28

Tanto a equanimidade impassível quanto o desânimo reprimido na ocupação cotidiana, a passagem de um para outro, o resvalar no mau humor não são, do ponto de vista ontológico, um nada, por mais que esses fenômenos passem despercebidos para a presença (Dasein), sendo considerados como os mais indiferentes e os mais passageiros. Que os humores possam deteriorar-se e transformar-se, isto diz somente que a presença (Dasein) já está sempre sintonizada e afinada num humor. Também a falta de humor contínua, regular e insípida, que não deve ser confundida com o mau humor, não é um nada, pois nela a própria presença (Dasein) se torna enfadonha para si mesma. Nesse mau humor, o ser do pre (das Da) mostra-se como peso {CH: “peso”: o que deve ser carregado; o homem está entregue à responsabilidade e à apropriação da presença (Dasein). Carregar: assumir-se a partir da pertinência ao próprio ser}. Por que, não se sabe. E a presença (Dasein) não pode saber, visto que as possibilidades de ABERTURA do conhecimento são restritas se comparadas com a ABERTURA originária dos humores em que a presença (Dasein) se depara com seu ser enquanto pre (das Da). Também o humor exacerbado pode aliviar o peso revelado pelo ser; mesmo essa possibilidade de humor revela, embora como alívio, o caráter de peso da presença (Dasein). O humor revela “como alguém está e se torna”. É nesse “como alguém está” que a afinação do humor conduz o ser para o seu “pre (das Da)”. STMS: §29

Na afinação do humor, a presença (Dasein) já sempre se abriu em sintonia com o humor como o ente a cuja responsabilidade a presença (Dasein) se entregou em seu ser e que, existindo, ela tem de ser. Aberto não significa conhecido como tal. E justamente na cotidianidade mais indiferente e inocente, o ser da presença (Dasein) pode irromper na nudez de “que é e ter de ser”. O puro “que é” mostra-se, enquanto o de onde (Woher) e o para onde (Wohin) permanecem obscuros. Constatar que a presença (Dasein) não “cede” a tais humores na cotidianidade, isto é, que não persegue a ABERTURA por eles realizada e não se deixa levar pelo que assim se abre, não constitui uma prova contra a fatualidade fenomenal de o humor abrir o ser do pre (das Da) em seu “que é” (Dass), mas sim um testemunho. Na maior parte das situações ôntico-existenciárias, a presença (Dasein) se esquiva ao ser que se abre nessa afinação do humor; do ponto de vista ontológico-existencial, isto significa: naquilo de que o humor faz pouco caso, a presença (Dasein) se descobre entregue a responsabilidade do pre (das Da). É no próprio esquivar-se que o pre (das Da) se abre em seu ser. STMS: §29

O ente que possui o caráter da presença (Dasein) é o seu pre (das Da), no sentido de dispor-se implícita ou explicitamente em seu estar-lançado. Na disposição, a presença (Dasein) já se colocou sempre diante de si mesma e já sempre se encontrou, não como percepção, mas como um dispor-se numa afinação de humor. Enquanto ente entregue à responsabilidade de seu ser, ela também se entrega à responsabilidade de já se ter sempre encontrado – encontro que não é tanto fruto de uma procura direta mas de uma fuga. A afinação do humor não realiza uma ABERTURA no sentido de observar o estar-lançado e sim de enviar-se e desviar-se. Na maior parte das vezes, ele faz pouco caso do caráter pesado da presença (Dasein) que nele se revela e, muito menos ainda, quando se alivia de um humor. Esse desvio é o que é, no modo da disposição. STMS: §29

Que uma presença (Dasein) de fato possa, deva e tenha de se assenhorar do humor através do saber e da vontade pode, em certas possibilidades da existência, significar uma primazia da vontade e do conhecimento. Isso, porém, não deve levar a negação ontológica do humor enquanto modo de ser originário da presença (Dasein). Neste modo de ser, ela se abre para si mesma antes de qualquer conhecimento e vontade e para além de seus alcances de ABERTURA. Ademais, nunca nos tornamos senhores do humor sem humor, mas sempre a partir de um humor contrário. Obtivemos, pois, como primeiro caráter ontológico da disposição que: a disposição abre a presença (Dasein) em seu estar-lançado e, na maior parte das vezes e antes de tudo, segundo o modo de um desvio que se esquiva. STMS: §29

Isto é o que mostra o mau-humor. Nele, a presença (Dasein) se faz cega para si mesma, o mundo circundante da ocupação se vela, a circunvisão da ocupação se desencaminha. A disposição é tão pouco trabalhada pela reflexão que faz com que a presença (Dasein) se precipite para o “mundo” das ocupações numa dedicação e abandono irrefletidos. O humor se precipita. Ele não vem de “fora” nem de “dentro”. Cresce a partir de si mesmo como modo de ser-no-mundo. Com isso, porém, passamos de uma delimitação negativa da disposição frente à apreensão reflexiva do “interior” para uma compreensão positiva de seu caráter de ABERTURA. O humor já abriu o ser-no-mundo em sua totalidade e só assim torna possível um direcionar-se para… O estado de humor não remete, de início, a algo psíquico e não é, em si mesmo, um estado interior que, então, se exteriorizasse de forma enigmática, dando cor as coisas e pessoas. Nisto mostra-se o segundo caráter essencial da disposição: ela é um modo existencial básico da ABERTURA igualmente originária de mundo, de co-presença (Dasein) e existência, pois também este modo é em si mesmo ser-no-mundo. STMS: §29

Além dessas duas determinações essenciais da disposição aqui explicitadas: a ABERTURA do estar-lançado e a ABERTURA do ser-no-mundo em sua totalidade, deve-se considerar ainda uma terceira, que contribui sobremaneira para uma compreensão mais profunda da mundanidade do mundo. Como dissemos anteriormente, o mundo que já se abriu deixa e faz com que o ente intramundano venha ao encontro. Essa ABERTURA prévia do mundo, que pertence ao ser-em, também se constitui de disposição. Deixar e fazer vir ao encontro é, primariamente, uma circunvisão e não simplesmente sensação ou observação. Numa ocupação dotada de circunvisão, deixar e fazer vir ao encontro tem o caráter de ser atingido, como agora se pode ver mais agudamente a partir da disposição. Do ponto de vista ontológico, inutilidade, resistência, ameaça, são apenas possíveis, porque o ser-em como tal se acha determinado previamente em sua existência, de modo a poder ser tocado dessa maneira pelo que vem ao encontro dentro do mundo. Esse ser tocado funda-se na disposição, descobrindo o mundo como tal, no sentido, por exemplo, de ameaça. Apenas o que é na disposição do medo, o sem medo, pode descobrir o que está à mão no mundo circundante como algo ameaçador. O estado de humor da disposição constitui, existencialmente, a ABERTURA mundana da presença (Dasein). STMS: §29

Os “sentidos” só podem ser “estimulados”, só é possível “ter sensibilidade para”, de maneira que o estimulante se mostre na afecção, porque, do ponto de vista ontológico, os sentidos pertencem a um ente que possui o modo de ser disposto no mundo. Por mais fortes que fossem a pressão e resistência, coisas como afecção não ocorreriam se a resistência não se descobrisse de modo essencial, se o ser disposto no mundo já não estabelecesse um liame com um ente intramundano, trabalhado de modo privilegiado por humores. Na disposição subsiste existencialmente um liame de ABERTURA com o mundo, a partir do qual algo que toca pode vir ao encontro. Do ponto de vista ontológico-fundamental, devemos em princípio deixar a descoberta primária do mundo ao “simples humor”. Uma intuição pura, mesmo introduzida nas artérias mais interiores de alguma coisa simplesmente dada, jamais chegaria a descobrir algo como ameaça. STMS: §29

Que a circunvisão cotidiana se equivoque, devido à ABERTURA primordial da disposição e esteja amplamente sujeita a ilusão, isto é, segundo a ideia de um conhecimento absoluto de “mundo”, um me ón. Em razão dessas avaliações ontologicamente inadequadas, desconsidera-se inteiramente a positividade existencial da possibilidade de ilusão. É justamente na visão instável e de humor variável do “mundo” que o manual se mostra em sua mundanidade específica, a qual nunca é a mesma. A observação teórica sempre reduziu o mundo à uniformidade do que é simplesmente dado; dentro dessa uniformidade subsiste encoberta sem dúvida uma nova riqueza de determinações, passíveis de descoberta. Contudo, mesmo a mais pura theoria não conseguiu ultrapassar todos os humores; o que é ainda simplesmente dado em sua pura configuração apenas se mostra para a observação quando consegue chegar a si, demorando tranquilamente junto a…, na rastone e diagoge. O demonstrar da constituição ontológico-existencial de toda determinação de conhecimento na disposição do ser-no-mundo não deve ser confundido com a tentativa de abandonar onticamente a ciência ao “sentimento”. STMS: §29

A disposição é um modo existencial básico em que a presença (Dasein) é o seu pre (das Da). Ontologicamente, ela não apenas caracteriza a presença (Dasein) como também é de grande importância metodológica para a analítica existencial, devido a sua capacidade de ABERTURA. Esta possibilita, ademais, como toda interpretação ontológica, a se escutar, por assim dizer, o ser dos entes que antes já se abriram. Nesse sentido, deverá ater-se às possibilidades de ABERTURA privilegiadas e mais abrangentes da presença (Dasein) para delas retirar a explicação desse ente. A interpretação fenomenológica deve oferecer para a própria presença (Dasein) a possibilidade de uma ABERTURA originária e, ao mesmo tempo, da própria presença (Dasein) interpretar a si mesma. Ela apenas acompanha essa ABERTURA para conceituar existencialmente o conteúdo fenomenal do que assim se abre. STMS: §29

A presente investigação já se deparou com esse compreender originário sem, no entanto, permitir que aflorasse explicitamente como tema. Dizer que a presença (Dasein) existindo é o seu pre (das Da) significa, por um lado, que o mundo é “presença (Dasein)”, a sua presença (Dasein) é o ser-em. Este é igualmente “presença (Dasein)” como aquilo em virtude de que a presença (Dasein) é. Nesse em virtude de, o ser-no-mundo existente se abre como tal. Chamou-se essa ABERTURA de compreender. No compreender desse em virtude de, abre-se conjuntamente a significância nele fundada. Enquanto ABERTURA do em virtude de e da significância, a ABERTURA do compreender diz respeito, de maneira igualmente originária, a todo o ser-no-mundo. Significância é a perspectiva em virtude da qual o mundo se abre como tal. Dizer que o em virtude de e a significância se abrem na presença (Dasein) significa dizer que a presença (Dasein) é um ente em que, como ser-no-mundo, está em jogo seu próprio ser. STMS: §31

Como ABERTURA, o compreender sempre alcança toda a constituição fundamental do ser-no-mundo. Como poder-ser, o ser-em é sempre um poder-ser-no-mundo. Este não apenas se abre como mundo, no sentido de possível significância, mas a liberação de tudo que é intramundano libera esse ente para suas possibilidades. O manual se descobre, então, como tal em sua utilidade, aplicabilidade e prejudicialidade. A totalidade conjuntural desvela-se como o todo categorial de uma possibilidade do contexto manual. Por outro lado, também a “unidade” do que é simplesmente dado numa variedade multiforme, a natureza, só pode ser descoberta com base na ABERTURA de uma possibilidade que lhe pertence. Será por acaso que a questão do ser da natureza visa as “condições de sua possibilidade”? Em que se funda esse questionamento? Nele não pode faltar a questão: por que o ente, destituído do caráter de presença (Dasein), é compreendido em seu ser quando se abre nas condições de sua possibilidade? Kant pressupõe algo assim, talvez com razão. Mas essa pressuposição não pode mais permanecer sem verificar seu direito. STMS: §31

Por que o compreender, em todas as dimensões essenciais do que nele se pode abrir, sempre conduz as possibilidades? Porque, em si mesmo, compreender possui a estrutura existencial que chamamos de projeto. O compreender projeta o ser da presença (Dasein) para o seu em virtude de e isso de maneira tão originária como para a significância, entendida como mundanidade de seu mundo. O caráter projetivo do compreender constitui o ser-no-mundo no tocante a ABERTURA do seu pre (das Da), enquanto pre (das Da) de um poder-ser. O projeto é a constituição ontológico-existencial do espaço de articulação do poder-ser fático. E, na condição de lançada, a presença (Dasein) se lança no modo de ser do projeto. O projetar-se nada tem a ver com um possível relacionamento frente a um plano previamente concebido, segundo o qual a presença (Dasein) instalaria o seu ser. Ao contrário, como presença (Dasein), ela já sempre se projetou e só é em se projetando. Na medida em que é, a presença (Dasein) já se compreendeu e sempre se compreenderá a partir de possibilidades. O caráter projetivo do compreender diz, ademais, que a perspectiva em virtude da qual ele se projeta apreende as possibilidades mesmo que não o faça tematicamente. Essa apreensão retira do que é projetado justamente o seu caráter de possibilidade, arrastando-o para um teor dado e referido, ao passo que, no projetar, o projeto lança previamente para si mesmo a possibilidade como possibilidade e assim a deixa ser. Enquanto projeto, compreender é o modo de ser da presença (Dasein) em que a presença (Dasein) é as suas possibilidades enquanto possibilidades. STMS: §31

O projeto sempre diz respeito a toda a ABERTURA de ser-no-mundo; como poder-ser, o próprio compreender possui possibilidades prelineadas pelo âmbito do que nele é passível de se abrir essencialmente. O compreender pode colocar-se primariamente na ABERTURA de mundo, ou seja, a presença (Dasein) pode, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, compreender-se a partir de seu mundo. Ou ainda, o compreender lança-se primariamente para o em virtude de, isto é, a presença (Dasein) existe como ela mesma {CH: mas não como sujeito, indivíduo ou pessoa}. Brotando de seu si mesmo em sentido próprio, o compreender é próprio ou impróprio. “Im”-próprio não significa que a presença (Dasein) rompa consigo mesma e “só” compreenda o mundo. Mundo pertence ao seu ser-si-mesmo como ser-no-mundo. Por isso, o compreender propriamente é o compreender impropriamente podem ser autênticos ou inautênticos. Enquanto um poder-ser, o compreender está inteiramente impregnado de possibilidade. O translado para uma dessas possibilidades fundamentais da compreensão não deixa de lado as demais. A transferência inerente ao compreender é uma modificação existencial do projeto como um todo porque o compreender sempre diz respeito a toda a ABERTURA da presença (Dasein) como ser-no-mundo. No compreender de mundo, o ser-em também é sempre compreendido. Compreender de existência como tal é sempre compreender mundo. STMS: §31

Em seu caráter existencial de projeto, compreender constitui o que chamamos de visão da presença (Dasein). A visão que, junto com a ABERTURA do pre (das Da), se dá existencialmente e, de modo igualmente originário, a presença (Dasein), nos modos básicos de seu ser já caracterizados, a saber, a circunvisão da ocupação, a consideração da preocupação, a visão de ser em virtude da qual a presença (Dasein) é sempre como ela é. Chamamos de transparência (Durchsichtigkeit) a visão que se refere primeira e totalmente à existência. Escolhemos esse termo para designar o “conhecimento de si mesmo”, bem entendendo-se que não se trata de um exame perceptivo e nem tampouco da inspeção de si mesmo como um ponto, mas de uma captação compreensiva de toda a ABERTURA do ser-no-mundo através dos momentos essenciais de sua constituição. O ente que existe tem a visão de “si” somente à medida que ele se faz, de modo igualmente originário, transparente em seu ser junto ao mundo, em seu ser-com os outros, enquanto momentos constitutivos de sua existência. STMS: §31

Deve-se proteger o termo “visão” de mal-entendidos. Ele corresponde a iluminação, que caracterizamos como a ABERTURA do pre (das Da). “Ver” significa não só não perceber com os olhos do corpo como também não apreender, de modo puro e com os olhos do espírito, algo simplesmente dado em seu ser simplesmente dado. Para o significado existencial de visão, a única coisa a ser levada em conta é a particularidade do ver em que o ente a ele acessível se deixa encontrar descoberto em si mesmo. E o que todo “sentido” realiza em seu setor genuíno de descoberta. A tradição da filosofia, porém, orienta-se, desde o princípio, primariamente pelo “ver” enquanto modo de acesso para o ente e para o ser. A fim de manter um nexo com a tradição, pode-se formalizar a visão e o ver de modo tão amplo a ponto de se conquistar um termo universal capaz de caracterizar como acesso todo acesso ao ser. STMS: §31

A ABERTURA do pre (das Da) da presença (Dasein) no compreender é ela mesma um modo do poder-ser da presença (Dasein). A ABERTURA do ser em geral {CH: como ela está aí e o que significa ser?} consiste na projeção do ser da presença (Dasein) para o em virtude de e para a significância (mundo). No projetar de possibilidades já se antecipou uma compreensão de ser. Ser é compreendido {CH: não significa, porém, que o ser “seja” por graça do projeto} no projeto e não concebido ontologicamente. O ente que possui o modo de ser do projeto essencial de ser-no-mundo tem a compreensão de ser como um constitutivo de seu ser. O que anteriormente foi suposto de forma dogmática recebe agora sua demonstração a partir da constituição de ser em que a presença (Dasein) como um compreender é o seu pre (das Da). Dentro dos limites dessa investigação, só se poderá alcançar um esclarecimento satisfatório do sentido existencial dessa compreensão de ser com base na interpretação temporânea de ser. STMS: §31

Enquanto existenciais, a disposição é o compreender caracterizam a ABERTURA originária de ser-no-mundo. No modo de ser do humor, a presença (Dasein) “vê” possibilidades a partir das quais ela é. Na ABERTURA projetiva dessas possibilidades, ela já está sempre afinada pelo humor. O projeto do poder-ser mais próprio está entregue ao fato de ser lançado no pre (das Da) da presença (Dasein). Mas não será que, com a explicação da constituição existencial do ser do pre (das Da), no sentido do projeto projetado, o ser da presença (Dasein) se torna ainda mais enigmático? Com efeito. Devemos primeiro deixar despontar todo o enigma desse ser, quer para fracassar com autenticidade na tentativa de “resolvê-lo”, quer para recolocar de modo novo a questão do ser-no-mundo que se lançou em projetos. STMS: §31

É preciso elaborar concretamente esses existenciais, a fim de se dispor de uma visualização inicial e suficiente, do ponto de vista fenomenal, do modo de ser cotidiano do compreender disposto, isto é, de toda a ABERTURA do pre (das Da). STMS: §31

Se, porém, todo e qualquer perceber de um instrumento à mão já é compreender e interpretar, e assim permite, na circunvisão, o encontro de algo como algo, não será que isso significa que primeiro se faz a experiência de algo simplesmente dado para depois apreendê-lo como porta ou como casa? Isso seria um mal-entendido a respeito da função específica de ABERTURA da interpretação. Ela não lança, por assim dizer, um “significado” sobre a nudez de algo simplesmente dado, nem cola sobre ele um valor. O que acontece é que, no que vem ao encontro dentro do mundo como tal, o compreender de mundo já abriu uma conjuntura que a interpretação expõe. STMS: §32

No projetar-se do compreender, o ente se abre em sua possibilidade. O caráter de possibilidade sempre corresponde ao modo de ser de um ente compreendido. O ente intramundano em geral é projetado para o mundo, ou seja, para um todo de significância em cujas remissões referenciais a ocupação se consolida previamente como ser-no-mundo. Se junto com o ser da presença (Dasein) o ente intramundano também se descobre, isto é, chega a uma compreensão, dizemos que ele tem sentido. Rigorosamente, porém, o que é compreendido não é o sentido, mas o ente e o ser. Sentido é aquilo em que se sustenta a compreensibilidade de alguma coisa. Chamamos de sentido aquilo que pode articular-se na ABERTURA compreensiva. STMS: §32

O conceito de sentido abrange o aparelhamento formal daquilo que pertence necessariamente ao que é articulado pela interpretação que compreende. Sentido é a perspectiva na qual se estrutura o projeto pela posição prévia, visão prévia e concepção prévia. É a partir dela que algo se torna compreensível como algo. Como compreender e interpretação constituem existencialmente o ser do pre (das Da), o sentido deve ser concebido como o aparelhamento existencial-formal da ABERTURA pertencente ao compreender. Sentido é um existencial da presença (Dasein) e não uma propriedade colada sobre o ente, que se acha por “detrás” dele ou que paira não se sabe onde, numa espécie de “reino intermediário”. A presença (Dasein) só “tem” sentido na medida em que a ABERTURA do ser-no-mundo pode ser “preenchida” por um ente que nela se pode descobrir. Somente a presença (Dasein) pode ser com sentido ou sem sentido. Isso significa: o seu próprio ser e o ente que se lhe abre podem ser apropriados na compreensão ou recusados na incompreensão. STMS: §32

Enquanto ABERTURA do pre (das Da), o compreender sempre diz respeito a todo o ser-no-mundo. Em todo compreender de mundo, a existência também esta compreendida e vice-versa. Toda interpretação, ademais, move-se na estrutura prévia já caracterizada. Toda interpretação que se coloca no movimento de compreender já deve ter compreendido o que se quer interpretar. Esse fato foi sempre observado na interpretação filológica, embora apenas nos setores dos modos derivados de compreensão e interpretação. A interpretação filológica pertence ao âmbito do conhecimento científico. Esse conhecimento exige o rigor de uma demonstração fundamentada. A prova científica não deve pressupor aquilo que ela há de fundamentar. Se, porém, a interpretação já sempre se movimenta no já compreendido e dele se deve alimentar, como poderá produzir resultados científicos sem se mover num círculo, sobretudo se a compreensão pressuposta se articula no conhecimento comum de homem e mundo? Segundo as regras mais elementares da lógica, no entanto, o circulo e um circulus vitiosus. Com isso, porém, o ofício da interpretação histórica se acha a priori banido do campo de todo conhecimento rigoroso. Enquanto não se abolir do compreender esse círculo, a historiografia deve satisfazer-se com possibilidades menos rigorosas de conhecimentos. Permite-se-lhe que preencha, de certo modo, essa falta mediante o “significado espiritual” de seus “objetos”. Segundo a opinião dos próprios historiadores, o ideal seria que se pudesse evitar o circulo na esperança de se criar, pela primeira vez, uma historiografia tão independente do ponto de vista do observador como se presume que seja o conhecimento da natureza. STMS: §32

Disposição e compreender são os existenciais fundamentais que constituem o ser do pre (das Da), ou seja, a ABERTURA do ser-no-mundo. O compreender guarda em si a possibilidade de interpretação, isto é, de uma apropriação do que se compreende. Sendo disposição e compreender igualmente originários, a disposição se mantém numa certa compreensão. Corresponde-lhe também uma certa possibilidade de interpretação. O enunciado tornou visível um derivado extremo da interpretação. O esclarecimento do terceiro significado de enunciado como comunicação (declaração) levou ao conceito de dizer e pronunciar, até aqui propositadamente desconsiderado. Que somente agora se tematize a linguagem, isso deve indicar que este fenômeno se radica na constituição existencial da ABERTURA da presença (Dasein). O fundamento ontológico-existencial da linguagem é a fala. Embora tenhamos excluído esse fenômeno de uma análise temática, dele nos servimos constantemente nas interpretações feitas até aqui da disposição, do compreender, da interpretação e do enunciado. STMS: §34

Do ponto de vista existencial, a fala é igualmente originária à disposição e ao compreender. A compreensibilidade já está sempre articulada, antes mesmo de qualquer interpretação apropriadora. A fala é a articulação da compreensibilidade. Por isso, a fala se acha à base de toda interpretação e enunciado. Chamamos de sentido o que pode ser articulado na interpretação e, por conseguinte, mais originariamente ainda já na fala. Chamamos de totalidade significativa aquilo que, como tal, se estrutura na articulação da fala. Esta pode desmembrar-se em significações. Enquanto aquilo que se articula nas possibilidades de articulação, todas as significações sempre têm sentido. Uma vez que, enquanto articulação da compreensibilidade do pre (das Da), a fala é um existencial originário da ABERTURA, constituído primordialmente pelo ser-no-mundo, ela também deve possuir, em sua essência, um modo de ser especificamente mundano. A compreensibilidade do ser-no-mundo, trabalhada por uma disposição, pronuncia-se como fala. A totalidade significativa da compreensibilidade vem à palavra. Dos significados brotam palavras. As palavras, porém, não são coisas dotadas de significados. STMS: §34

A linguagem é o pronunciamento da fala. Como um ente intramundano, essa totalidade de palavras em que e como tal a fala possui seu próprio ser “mundano” pode ser encontrada à maneira de algo à mão. Nesse caso, a linguagem pode ser despedaçada em coisas-palavras simplesmente dadas. Existencialmente, a fala é linguagem porque aquele ente, cuja ABERTURA se articula em significações, possui {CH: para a linguagem, estar-lançado é essencial} o modo de ser-no-mundo, de ser lançado e remetido a um “mundo”. STMS: §34

A fala é constitutiva da existência da presença (Dasein), uma vez que perfaz a constituição existencial de sua ABERTURA. A escuta e o silêncio pertencem à linguagem falada como possibilidades intrínsecas. Somente nestes fenômenos é que se torna inteiramente nítida a função constitutiva da fala para a existencialidade da existência. De início, trata-se de elaborar a estrutura da fala como tal. STMS: §34

A fala é a articulação “significativa” da compreensibilidade do ser-no-mundo, a que pertence o ser-com, e que já sempre se mantém num determinado modo de convivência ocupacional. Essa convivência está sempre falando, tanto ao dizer sim quanto ao dizer não, tanto provocando quanto avisando, tanto pronunciando, recuperando ou intercedendo, e ainda “emitindo enunciados” ou fazendo “discursos”. Falar é falar sobre… Aquilo sobre que se fala não possui necessariamente, nem mesmo na maior parte das vezes, o caráter de tema de um enunciado que estabelece determinações. Também uma ordem é exercício de uma fala sobre; o desejo também possui aquilo sobre que deseja. O interceder não se acha desprovido de algo sobre que. A fala possui necessariamente esta estrutura, já que constitui também a ABERTURA do ser-no-mundo e sua própria estrutura é pré-moldada por essa constituição fundamental da presença (Dasein). O referencial da fala é sempre “endereçado” dentro de determinados limites e numa determinada perspectiva. Toda fala tem algo sobre que fala (Geredetes) que, como tal, constitui propriamente o dito dos desejos, das perguntas, dos pronunciamentos. Nele, a fala se comunica. STMS: §34

Toda fala sobre alguma coisa comunica através daquilo sobre que fala e sempre possui o caráter de pronunciar-se. Na fala, a presença (Dasein) se pronuncia. Entretanto, isso não ocorre porque a presença (Dasein) se acharia, de início, encapsulada num “interior” que se opõe a um exterior, mas porque, como ser-no-mundo, ao compreender, ela já se acha “fora”. O que se pronuncia é justamente o estar fora {CH: o pre (das Da); estar exposto como posição aberta}, isto é, o modo cada vez diferente da disposição (ou do humor) que, como se indicou, alcança toda a ABERTURA do ser-em. O índice linguístico próprio da fala em que se anuncia o ser-em da disposição está no tom, na modulação, no ritmo da fala, “no modo de dizer”. A comunicação das possibilidades existenciais da disposição, ou seja, da ABERTURA da existência, pode tornar-se a meta explícita da fala “poética”. STMS: §34

O nexo da fala com o compreender e a sua compreensibilidade torna-se claro a partir de uma possibilidade existencial inerente à própria fala, que é a escuta. Não dizemos por acaso que não “compreendemos” quando não escutamos “bem”. A escuta é constitutiva da fala. E, assim como a articulação verbal está fundada na fala, assim também a percepção acústica funda-se na escuta. Escutar é o estar aberto existencial da presença (Dasein) enquanto ser-com os outros. Enquanto escuta da voz do amigo que toda presença (Dasein) traz consigo, o escutar constitui até mesmo a ABERTURA primordial e própria da presença (Dasein) para o seu poder-ser mais próprio. A presença (Dasein) escuta porque compreende. Como ser-no-mundo articulado em compreensões com os outros, a presença (Dasein) obedece na escuta à coexistência e a si própria como “pertencente” a essa obediência. O escutar recíproco de um e outro, onde se forma e elabora o ser-com, possui os modos possíveis de seguir, acompanhar e os modos privativos de não ouvir, resistir, fazer frente a, defender-se. STMS: §34

Uma outra possibilidade constitutiva da fala, o silêncio, possui o mesmo fundamento existencial. Quem silencia na fala da convivência pode “dar a entender” com maior propriedade, isto significa, pode elaborar a compreensão por oposição àquele que não perde a palavra. Falar muito sobre alguma coisa não assegura em nada uma compreensão maior. Ao contrário, as falas prolixas encobrem e emprestam ao que se compreendeu uma clareza aparente, ou seja, a incompreensão da trivialidade. Silenciar, no entanto, não significa ficar mudo. Ao contrário, o mudo é a tendência “para dizer”. O mudo não apenas não provou que pode silenciar, como lhe falta até a possibilidade de prová-lo. E, como o mudo, aquele que, por natureza, fala pouco, também ainda não mostra que silencia e pode silenciar. Quem nunca diz nada também não pode silenciar num dado momento. Silenciar em sentido próprio só é possível numa fala autêntica. Para poder silenciar, a presença (Dasein) deve ter algo a dizer {CH: e o a ser dito? (O ser)}, isto é, deve dispor de uma ABERTURA própria e rica de si mesma. Pois só então o estar em silêncio se revela e, assim, abafa a “falação”. Como modo de fala, o estar em silêncio articula tão originariamente a compreensibilidade da presença (Dasein) que dele provém o verdadeiro poder escutar e a convivência transparente. STMS: §34

Porque a fala é constitutiva do ser do pre (das Da), isto é, da disposição e do compreender, a presença (Dasein) significa então: como ser-no-mundo, a presença (Dasein) se pronunciou como ser-em uma fala. A presença (Dasein) possui linguagem. Terá sido mero acaso que os gregos depositaram a sua existência cotidiana predominantemente no espaço aberto pela fala convivial, guardando ao mesmo tempo olhos para ver, tanto na interpretação filosófica como na pré-filosófica da presença (Dasein), a essência do homem determinada como zoon logon echon {CH: o homem como o que “colhe”, recolhendo-se no ser-vigente na ABERTURA dos entes (mas estes em segundo plano)}? A interpretação posterior dessa caracterização do homem, no sentido de animal rationale, “animal racional”, não é, com efeito, “falsa”, mas encobre o solo fenomenal que deu origem a essa definição da presença (Dasein). O homem mostra-se como um ente que é na fala. Isso não significa que a possibilidade de articulação verbal seja apenas própria do homem, e sim que o homem se realiza no modo de descoberta de mundo e da própria presença (Dasein). Os gregos não dispunham de uma palavra própria para linguagem porque entendiam esse fenômeno “sobretudo” como fala. Por outro lado, porque na reflexão filosófica o logos foi visualizado, sobretudo como enunciado, a elaboração das estruturas básicas das formas e dos integrantes da fala se deu de acordo com este logos. A gramática buscou seus fundamentos na “lógica” deste logos. Esta, por sua vez, se funda na ontologia do simplesmente dado. O acervo das “categorias semânticas”, herdado pela linguística posterior e ainda hoje decisivo em seus princípios, orienta-se pela fala entendida como enunciado. Tomando, porém, esse fenômeno em toda a originariedade fundamental e em todo o alcance de um existencial, será necessário transpor a linguística para fundamentos mais originários do ponto de vista ontológico. A tarefa de libertar a gramática da lógica necessita de uma compreensão preliminar e positiva da estrutura a priori da fala como existencial. Essa tarefa não pode ser cumprida subsidiariamente através de correções e complementações do que foi legado pela tradição. Nesse propósito, devem-se questionar as formas fundamentais em que se funda a possibilidade semântica de articulação do que é susceptível de compreensão e não apenas dos entes intramundanos conhecidos teoricamente e expressos em proposições. A semântica não se constitui por si mesma de uma comparação ampla do maior número possível de línguas e das línguas mais distantes entre si. Também não basta assumir o horizonte filosófico em que W.v. Humboldt problematizou a linguagem. A semântica tem suas raízes na ontologia da presença (Dasein). O seu florescimento ou fenecimento está atrelado ao destino da presença (Dasein). STMS: §34

Remontando às estruturas existenciais que compõem a ABERTURA do ser-no-mundo, a interpretação, de certo modo, perdeu de vista a cotidianidade da presença (Dasein). A análise deve reconquistar mais uma vez o horizonte fenomenal, estabelecido para seu tema. Levanta-se então a pergunta: Quais são os caracteres existenciais da ABERTURA do ser-no-mundo quando o ser-no-mundo cotidiano se detém no modo de ser do impessoal? Será que esse modo de ser possui uma disposição própria e específica, uma compreensão, uma fala e uma interpretação especiais? A resposta a essas perguntas torna-se tanto mais urgente quanto mais se recorda que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, a presença (Dasein) sucumbe ao impessoal e por ele se deixa dominar. Como ser-lançado-no-mundo, não será que a presença (Dasein) foi jogada de saída no caráter público do impessoal? E que mais significa esse ser público do que a ABERTURA específica do impessoal? STMS: §34

Deve evidenciar-se, numa primeira aproximação, a ABERTURA do impessoal, isto significa, o modo de ser cotidiano da fala, da visão e da interpretação em determinados fenômenos. Com relação a esses fenômenos, não será supérfluo observar que a interpretação tem um propósito puramente ontológico e se mantém muito distante de qualquer crítica moralizante da presença (Dasein) cotidiana e de qualquer aspiração a uma “filosofia da cultura”. STMS: §34

A fala que pertence à constituição de ser essencial da presença (Dasein) também perfaz a sua ABERTURA. Ela traz a possibilidade de se tornar falação e, com isso, de manter o ser-no-mundo não tanto numa compreensão estruturada, mas de trancar e encobrir os entes intramundanos. Para isso, porém, não necessita da intenção de enganar. A falação não tem o modo de ser em que apresenta conscientemente algo como algo. O que é sem solo ou fundamento já lhe basta para transformar a ABERTURA em fechamento. Pois o que foi dito já foi sempre compreendido como algo “que diz”, ou seja, que descobre. A falação é, pois, por si mesma, um fechamento, devido à sua própria abstenção de retornar à base e ao fundamento do referencial. STMS: §35

Obstruindo da maneira descrita, a falação constitui o modo de ser da compreensão desenraizada de presença (Dasein). Ela não se apresenta como estado simplesmente dado de algo simplesmente dado, mas, existencialmente sem raízes, ela mesma é no modo de um contínuo desenraizamento. Do ponto de vista ontológico, isso significa: como ser-no-mundo, a presença (Dasein) que se mantém na falação cortou suas remissões ontológicas primordiais, originárias e legítimas com o mundo, com a co-presença (Dasein) e com o próprio ser-em. Ela se mantém oscilante e, desse modo, sempre é e está junto ao “mundo”, com os outros e consigo mesma. Somente um ente cuja ABERTURA é constituída pela fala compreensiva e sintonizada numa disposição, ou seja, que tenha o seu pre (das Da), que é e está “no-mundo”, nessa constituição ontológica, é que também traz a possibilidade ontológica de um tal desenraizamento. Mais do que um não-ser, esse desenraizamento perfaz sua “realidade” mais cotidiana e mais persistente. STMS: §35

Durante a análise da compreensão e da ABERTURA do pre (das Da), fez-se referência ao lumen naturale. Denominou-se também a ABERTURA do ser-em de clareira da presença (Dasein). É somente nessa clareira que se torna possível qualquer visão. A visão foi concebida na perspectiva do modo fundamental de ABERTURA própria à presença (Dasein), ou seja, do compreender no sentido de uma apropriação genuína dos entes com os quais a presença (Dasein) pode relacionar-se e assumir uma atitude segundo suas possibilidades de ser essenciais. STMS: §36

A falação também rege os caminhos da curiosidade. É ela que diz o que se deve ter lido e visto. Esse estar em toda parte e em parte alguma da curiosidade entrega-se à responsabilidade da falação. Esses dois modos de ser cotidianos da fala e da visão não se acham simplesmente um ao lado do outro em sua tendência de desenraizamento, mas um modo de ser arrasta o outro consigo. A curiosidade, que nada perde, e a falação, que tudo compreende, dão à presença (Dasein), que assim existe, a garantia de “uma vida cheia de vida”, pretensamente autêntica. Com esta pretensão, porém, mostra-se um terceiro fenômeno característico da ABERTURA da presença (Dasein) cotidiana. STMS: §36

A ambiguidade da interpretação pública proporciona as falas adiantadas e os pressentimentos curiosos com relação ao que propriamente acontece, carimbando assim as realizações e as ações com o selo de retardatário e insignificante. Desse modo, no impessoal, o compreender da presença (Dasein) não vê a si mesmo em seus projetos, no tocante às possibilidades ontológicas autênticas. A presença (Dasein) é e está sempre “por aí” de modo ambíguo, ou seja, por aí na ABERTURA pública da convivência, onde a falação mais intensa e a curiosidade mais aguda controlam o “negócio”, onde cotidianamente tudo e, no fundo, nada acontece. STMS: §37

Esse modo de ser da ABERTURA do ser-no-mundo também domina inteiramente a convivência como tal. Numa primeira aproximação, o outro “está por aí” pelo que se ouviu impessoalmente dele, pelo que se sabe e se fala a seu respeito. A falação logo se insinua dentre as formas de convivência originária. Todo mundo presta primeiro atenção em como o outro se comporta, no que ele irá dizer. A convivência no impessoal não é, de forma alguma, uma justaposição acabada e indiferente, mas um prestar atenção uns nos outros, ambíguo e tenso. Trata-se de um escutar uns aos outros secretamente. Sob a máscara do ser um para o outro atua o ser um contra o outro. STMS: §37

A falação, a curiosidade e a ambiguidade caracterizam o modo em que a presença (Dasein) realiza cotidianamente o seu “pre (das Da)”, a ABERTURA de ser-no-mundo. Como determinações existenciais, essas características não são algo simplesmente dado na presença (Dasein), constituindo também o seu ser. Nelas e em seu nexo ontológico, desvela-se um modo fundamental de ser da cotidianidade que denominamos com o termo decadência da presença (Dasein). STMS: §38

Tornando-se desse modo tentação, a interpretação pública mantém a presença (Dasein) presa em sua decadência. A falação e a ambiguidade, o já ter visto tudo e já ter compreendido tudo, perfazem a pretensão de que a ABERTURA da presença (Dasein), assim disponível e dominante, seria capaz de lhe assegurar a certeza, a autenticidade e a plenitude de todas as possibilidades de seu ser. A certeza de si mesmo e a decisão do impessoal espalham uma suficiência crescente no tocante à compreensão própria e disposta. A pretensão do impessoal, de nutrir e dirigir toda “vida” autêntica, tranquiliza a presença (Dasein), assegurando que tudo “está em ordem” e que todas as portas estão abertas. O ser-no-mundo da decadência é, em si mesmo, tanto tentador como tranquilizante. STMS: §38

A questão que orienta este capítulo buscava o ser do pre (das Da). O tema era a constituição ontológica da ABERTURA, inerente à essência da presença (Dasein). O modo de ser da ABERTURA forma-se na disposição, no compreender e na fala. O modo de ser cotidiano da ABERTURA caracteriza-se pela falação, curiosidade e ambiguidade. STMS: §38

Pertence à estrutura ontológica da presença (Dasein) uma compreensão de ser. É sendo que a presença (Dasein) está aberta para si mesma em seu ser. A disposição e o compreender constituem o modo de ser dessa ABERTURA. Existiria, pois, uma disposição compreensiva na presença (Dasein) em que ela estaria aberta para si mesma de modo privilegiado? STMS: §39

A analítica existencial da presença (Dasein) há de resguardar uma clareza de princípio sobre sua função ontológica fundamental. Por isso, a fim de cumprir a tarefa preliminar de explicitação do ser da presença (Dasein), ela deve buscar uma das possibilidades de ABERTURA mais abrangentes e mais originárias dentro da própria presença (Dasein). O modo de ABERTURA em que a presença (Dasein) é colocada diante de si mesma deve ser tal que, nele, a presença (Dasein) se faça, de certo modo, acessível de maneira simplificada. Com o que nela se abre deve vir à luz, de forma elementar, a totalidade estrutural do ser que se procura. STMS: §39

Todo ente é independente de experiência, conhecimento e apreensão através do que ele se abre, descobre e determina. O ser, no entanto, apenas “é” no compreender {CH: mas esse compreender como escuta. Isso, no entanto, nunca significa que “ser” seja apenas “subjetivo” e sim ser (como ser dos entes) como diferença “na” presença (Dasein) enquanto ela é um projetar-se (do projeto)} dos entes a cujo ser pertence a uma compreensão de ser. O ser, portanto, pode não ser concebido, embora jamais seja inteiramente incompreendido. Na problemática ontológica, ser e verdade foram, desde a antiguidade, correlacionados, embora suas razões originárias permaneçam talvez encobertas. Nisso se comprova o nexo necessário entre ser e compreensão {CH: portanto: ser e presença (Dasein)}. A fim de se preparar de modo suficiente a questão do ser, é preciso, por conseguinte, esclarecer ontologicamente o fenômeno da verdade. De imediato, esse esclarecimento se faz com base no que se obteve através da interpretação precedente dos fenômenos de ABERTURA e descoberta, interpretação e enunciado. STMS: §39

Desse modo, a conclusão da análise fundamental preparatória da presença (Dasein) possui como tema: a disposição fundamental da angústia como ABERTURA privilegiada da presença (Dasein) (§4

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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