(MP1945)
O gesto linguístico, como todos os outros, desenha ele mesmo o seu sentido. Primeiramente essa ideia surpreende, mas somos obrigados a chegar a ela se queremos compreender a origem da linguagem, problema sempre urgente embora psicólogos e linguistas concordem em recusá-lo em nome do saber positivo. Primeiramente parece impossível dar às palavras, assim como aos gestos, uma significação imanente, porque o gesto se limita a indicar uma certa relação entre o homem e o mundo sensível, porque esse mundo é dado ao espectador pela percepção natural, e porque assim o objeto intencional é oferecido à testemunha ao mesmo tempo em que o próprio gesto. A gesticulação verbal, ao contrário, visa uma paisagem mental que em primeiro lugar não está dada a todos e que ela tem por função justamente comunicar. Mas, aqui, o que a natureza não dá a cultura o fornece. As significações disponíveis, quer dizer, os atos de expressão anteriores, estabelecem entre os sujeitos falantes um mundo comum ao qual a fala atual e nova se refere, assim como o gesto ao mundo sensível. E o sentido da fala é apenas o modo pelo qual ela maneja esse mundo linguístico, ou pelo qual ela modula nesse teclado de significações adquiridas. Eu o apreendo em um ato indiviso, tão breve quanto um grito. É verdade que o problema só foi deslocado: essas próprias significações disponíveis, como elas se constituíram? Uma vez formada a linguagem, concebe-se que a fala possa, como um gesto, significar sobre o fundo mental comum. Mas as formas sintáticas e as do vocabulário, que aqui são pressupostas, trazem em si mesmas seu sentido? Vê-se muito bem o que há de comum ao gesto e ao seu sentido, por exemplo à expressão das emoções e às próprias emoções: o sorriso, o rosto distendido, a alegria dos gestos contêm realmente o ritmo de ação, o modo de ser no mundo que são o próprio júbilo. Ao contrário, o elo entre o signo verbal e sua significação não é inteiramente fortuito, como o mostra suficientemente a existência de várias línguas? E a comunicação dos elementos da linguagem entre “o primeiro homem que tenha falado” e o segundo não foi necessariamente de um tipo inteiramente diferente daquele da comunicação por gestos? É isso que se exprime ordinariamente dizendo que o gesto ou a mímica emocional são “signos naturais”, a fala um “signo convencional”. Mas as convenções são um modo tardio de relação entre os homens, elas supõem uma comunicação prévia, e é preciso recolocar a linguagem nessa corrente comunicativa. Se só consideramos o sentido conceitual e terminal das palavras, é verdade que a forma verbal — à exceção das desinências — parece arbitrária. Não seria mais assim se levássemos em conta o sentido emocional da palavra, aquilo que mais acima chamamos de seu sentido gestual, que é essencial por exemplo na poesia. Acharíamos agora que as palavras, as vogais, os fonemas são tantas maneiras de cantar o mundo, e que eles são destinados a representar objetos, não como o acreditava a teoria ingênua das onomatopeias, em razão de uma semelhança objetiva, mas porque eles extraem e, no sentido próprio da palavra, exprimem sua essência emocional. Se pudéssemos retirar de um vocabulário aquilo que é devido às leis mecânicas da fonética, às contaminações das línguas estrangeiras, à racionalização dos gramáticos, à imitação da língua por si mesma, descobriríamos sem dúvida, na origem de cada língua, um sistema de expressão muito reduzido, mas tal, por exemplo, que não seria arbitrário chamar de luz a luz se chamamos de noite a noite. A predominância das vogais em uma língua, das consoantes em outra, os sistemas de construção e de sintaxe não representariam tantas convenções arbitrárias para exprimir o mesmo pensamento, mas várias maneiras, para o corpo humano, de celebrar o mundo e finalmente de vivê-lo. Daí proviria o fato de que o sentido pleno de uma língua nunca é traduzível em uma outra. Podemos falar várias línguas, mas uma delas permanece sempre aquela na qual vivemos. Para assimilar completamente uma língua, seria preciso assumir o mundo que ela exprime, e nunca pertencemos a dois mundos ao mesmo tempo. Se existe um pensamento universal, nós o obtemos retomando o esforço de expressão e de comunicação tal como ele foi tentado por uma língua, assumindo todos os equívocos, todos os deslizamentos de sentido dos quais é feita uma tradição linguística, e que mensuram exatamente sua potência de expressão. Um algoritmo convencional — que aliás só tem sentido reportado à linguagem — exprimirá sempre a Natureza sem o homem. Portanto, rigorosamente, não existem signos convencionais, simples notação de um pensamento puro e claro para si mesmo, só existem falas nas quais se contrai a história de toda uma língua, e que realizam a comunicação sem nenhuma garantia, no meio de incríveis acasos linguísticos. Se nos parece sempre que a linguagem é mais transparente do que a música, é porque na maior parte do tempo permanecemos na linguagem constituída, damo-nos significações disponíveis e, em nossas definições, limitamo-nos, como o dicionário, a indicar equivalências entre elas. O sentido de uma frase parece-nos do começo ao fim inteligível, separável dessa própria frase e definido em um mundo inteligível, porque supomos dadas todas as participações que ela deve à história da língua e que contribuem para determinar seu sentido. Na música, ao contrário, nenhum vocabulário é pressuposto, o sentido aparece ligado à presença empírica dos sons, e é por isso que a música nos parece muda. Mas na realidade, como o dissemos, a clareza da linguagem se estabelece sobre um fundo obscuro, e, se levarmos a investigação suficientemente longe, veremos finalmente que a própria linguagem só diz a si mesma ou que seu sentido não é separável dela. Seria preciso então procurar os primeiros esboços da linguagem na gesticulação emocional pela qual o homem sobrepõe, ao mundo dado, o mundo segundo o homem. Aqui não há nada de semelhante às célebres concepções naturalistas que reduzem o signo artificial ao signo natural e tentam reduzir a linguagem à expressão das emoções. O signo artificial não se reduz ao signo natural porque não há signo natural no homem e, aproximando a linguagem das expressões emocionais, não se compromete aquilo que ela tem de específico, se é verdade que já a emoção, enquanto variação de nosso ser no mundo, é contingente em relação aos dispositivos mecânicos contidos em nosso corpo, e manifesta aquele mesmo poder de ordenar os estímulos e as situações que está no seu auge no plano da linguagem. Só poderíamos falar de “signos naturais” se, a “estados de consciência” dados, a organização anatômica de nosso corpo fizesse corresponder gestos definidos. Ora, de fato a mímica da cólera ou a do amor não são as mesmas para um japonês e para um ocidental. Mais precisamente, a diferença das mímicas esconde uma diferença das próprias emoções. Não é apenas o gesto que é contingente em relação à organização corporal, é a própria maneira de acolher a situação e de vivê-la. O japonês encolerizado sorri, o ocidental enrubesce e bate o pé, ou então empalidece e fala com uma voz sibilante. Não basta que dois sujeitos conscientes tenham os mesmos órgãos e o mesmo sistema nervoso para que em ambos as mesmas emoções se representem pelos mesmos signos. O que importa é a maneira pela qual eles fazem uso de seu corpo, é a enformação simultânea de seu corpo e de seu mundo na emoção. O equipamento psicofisiológico deixa abertas múltiplas possibilidades e aqui não há mais, como no domínio dos instintos, uma natureza humana dada de uma vez por todas. O uso que um homem fará de seu corpo é transcendente em relação a esse corpo enquanto ser simplesmente biológico. Gritar na cólera ou abraçar no amor não é mais natural ou menos convencional do que chamar uma mesa de mesa. Os sentimentos e as condutas passionais são inventados, assim como as palavras. Mesmo aqueles sentimentos que, como a paternidade, parecem inscritos no corpo humano são, na realidade, instituições. É impossível sobrepor, no homem, uma primeira camada de comportamentos que chamaríamos de “naturais” e um mundo cultural ou espiritual fabricado. No homem, tudo é natural e tudo é fabricado, como se quiser, no sentido em que não há uma só palavra, uma só conduta que não deva algo ao ser simplesmente biológico — e que ao mesmo tempo não se furte à simplicidade da vida animal, não desvie as condutas vitais de sua direção, por uma espécie de regulagem e por um gênio do equívoco que poderiam servir para definir o homem. A simples presença de um ser vivo já transforma o mundo físico, faz surgir aqui “alimentos”, ali um “esconderijo”, dá aos estímulos um sentido que eles não tinham. Com mais razão ainda a presença de um homem no mundo animal. Os comportamentos criam significações que são transcendentes em relação ao dispositivo anatômico, e todavia imanentes ao comportamento enquanto tal, já que este se ensina e se compreende. Não se pode fazer economia desta potência irracional que cria significações e que as comunica. A fala é apenas um caso particular dela.