A epifania do rosto

(Levinas1988)

Recordem-se os pontos relativos à significação. O facto primeiro da significação produz-se no rosto. Não que o rosto receba uma significação [239] em relação a qualquer coisa. O rosto significa por si próprio, a sua significação precede a Sinngebung, um comportamento significativo surge já à sua luz, espalha a luz onde se vê a luz. Não temos de o explicar porque, a partir dele, toda a explicação se inicia. Por outras palavras, a sociedade com Outrem, que marca o fim do absurdo zumbido do há, não se constitui como a obra de um Eu que empresta um sentido. É preciso já ser para outrem — existir e não apenas actuar — para que o fenómeno do sentido, correlativo da intenção de um pensamento, possa surgir. Ser-para-outrem não deve sugerir uma qualquer finalidade e não implica a posição prévia ou a valorização de um qualquer valor. Ser para outrem é ser bom. O conceito de Outrem não tem por certo nenhum conteúdo novo em relação ao conceito de eu; mas ser-para-outrem não é uma relação entre conceitos cuja compreensão coincidiria, nem a concepção de um conceito para um eu, mas a minha bondade. O facto de, existindo para outrem, eu existir de outro modo que ao existir para mim, é a própria moralidade. Ela implica por todos os lados o meu conhecimento de Outrem por uma valorização de outrem, para além desse conhecimento primeiro. A transcendência como tal é «consciência moral». A consciência moral completa a metafísica, se é que a metafísica consiste em transcender. Em tudo o que fica dito, tentámos expor a epifania do rosto como a origem da exterioridade. O fenómeno primeiro da significação coincide com a exterioridade. A exterioridade é a própria significância. E só o rosto é exterior na sua moralidade. O rosto nessa epifania não resplandece como uma forma que reveste um conteúdo, como uma imagem, mas como a nudez do princípio por detrás do qual já não há nada. O rosto morto torna-se forma, máscara mortuária, mostra-se em vez de deixar ver, mas precisamente assim já não aparece como rosto.

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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