Ocidente

Pelo contrário, o início contém sempre a plenitude não-descerrada do ameaçador, e isso quer dizer, do combate com o protector. A arte enquanto ditado poético é instituição no terceiro sentido (o da instigação do combate da verdade), é instituição como início. Sempre que o ente no seu todo, enquanto ente ele mesmo, requer a fundamentação na abertura, a arte chega à sua essência enquanto instituição. Foi no mundo grego que ela aconteceu pela primeira vez no OCIDENTE. Aquilo a que daí para diante se veio a chamar ‘ser’ foi posto em obra de forma paradigmática. O ente assim tornado originariamente patente no seu todo foi depois transformado em ente no sentido do criado por Deus. Isso aconteceu na Idade Média. Este ente foi de novo transformado no começo e no curso da modernidade. O ente tornou-se em objecto susceptível de ser dominado e decifrado por meio do cálculo. De cada vez, irrompeu um mundo novo e essencial. De cada vez, a abertura do ente teve de ser estabelecida no ente ele mesmo mediante a fixação da verdade na figura. De cada vez, aconteceu o não-estar-encoberto do ente. Este põe-se em obra, e é a arte que consuma esse ‘pôr’. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: A ORIGEM DA OBRA DE ARTE]

Nas Lições sobre estética de Hegel, a meditação mais abrangente, porque pensada a partir da metafísica, que o OCIDENTE possui acerca da essência da arte, encontram-se as proposições: “A arte já não vale para nós como o modo supremo de a verdade proporcionar a si [mesma] existência” (WW. X, 1, pág. 134). “Podemos até esperar que a arte continue sempre a elevar-se e se torne cada vez mais perfeita, mas a sua forma deixou de ser a necessidade suprema do Espírito” (ibidem, pág. 135).“Em todos estes respeitos, a arte é e continua a ser para nós, em conformidade com o aspecto da sua determinação suprema, algo do passado” (X, 1, pág. 16). [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: A ORIGEM DA OBRA DE ARTE]

Não sabemos que possibilidades o destino da história ocidental reserva para o nosso povo e para o OCIDENTE. A configuração e instituição exteriores destas possibilidades também não é o que à partida é preciso. O importante é apenas que os que aprendem aprendam conjuntamente a pensar e, ao mesmo tempo, aprendendo conjuntamente a seu modo, permaneçam a caminho e estejam lá no instante certo. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: A palavra de Nietzsche “Deus morreu”]

Poder-se-ia supor que o dito “Deus morreu” enuncia uma opinião do ateu Nietzsche e que é, consequentemente, apenas uma tomada de posição pessoal, e por isso unilateral e, assim, também facilmente refutável através da indicação de que hoje, por toda a parte, muitos homens procuram as casas de Deus, e ultrapassam as aflições a partir de uma confiança em Deus determinada de um modo cristão. Mas permanece a questão de saber se o mencionado dito de Nietzsche é apenas uma visão extravagante de um pensador de quem se afirma, com razão, que afinal acabou por enlouquecer. Permanece por perguntar se Nietzsche não enuncia antes aqui aquilo que já sempre fora tacitamente dito no interior da história do OCIDENTE metafisicamente determinada. Antes de qualquer tomada de posição precipitada, temos, à partida, de tentar pensar o dito “Deus morreu” tal como é entendido. Daí que façamos bem ao pôr de parte todo o opinar precipitado que logo se antecipa neste dito tão terrível. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: A palavra de Nietzsche “Deus morreu”]

O niilismo é antes, pensado na sua essência, o movimento fundamental da história do OCIDENTE. Ele mostra uma tal profundidade que o seu desenrolar-se apenas pode ter por consequência catástrofes mundiais. O niilismo é o movimento histórico-mundial dos povos da Terra que entraram no âmbito de poder da modernidade. Daí que ele não seja só um fenômeno da era presente, nem sequer só o produto do século XIX, no qual desperta certamente um olhar mais agudo para o niilismo e também o nome se torna usual. O niilismo tão-pouco é apenas o produto de nações singulares cujos pensadores e escritores falam propriamente do niilismo. Aqueles que se presumem livres dele empreendem talvez do modo mais fundamental o seu desenrolar-se. É inerente à inquietude deste mais inquietante de todos os hóspedes que a sua proveniência própria não possa ser mencionada. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: A palavra de Nietzsche “Deus morreu”]

Mas se quiséssemos compreender apenas textualmente a determinação da essência do niilismo por Nietzsche, de que ele é o tornar-se sem valor dos valores supremos, então dar-se-ia aquela concepção da essência do niilismo – que se tornou entretanto corrente, e cujo carácter corrente é já apoiado pela designação niilismo – de que a desvalorização dos valores supremos significa manifestamente a decadência [Verfall]. Só que para Nietzsche o niilismo não é de modo nenhum apenas uma manifestação de decadência, mas é, enquanto processo fundamental da história ocidental, ao mesmo tempo e antes de mais, a legalidade desta história. Daí também que Nietzsche, nas suas considerações sobre o niilismo, se prenda menos a retratar historiograficamente o decurso do acontecimento da desvalorização dos valores supremos e, finalmente, a calcular a partir daí o declínio do OCIDENTE, mas pense o niilismo como a “lógica intrínseca” da história ocidental. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: A palavra de Nietzsche “Deus morreu”]

Na verdade, o jovem Nietzsche consegue estabelecer, a seu modo, uma relação viva com a personalidade dos filósofos pré-platónicos, mas as suas interpretações dos textos são convencionais, senão mesmo superficiais. O único pensador do OCIDENTE que experimentou, pensando-a, a história do pensar foi Hegel. Porém, é precisamente ele quem não diz nada sobre o Dito de Anaximandro. Além disso, também Hegel partilha a convicção dominante a respeito do carácter clássico da filosofia platônica e aristotélica. Até acontece que só ele fundamenta a opinião de que os pensadores iniciais são pré-platónicos e pré-socráticos – nomeadamente ao compreendê-los como pré-aristotélicos. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Por volta de 530 d. C., o neo-platónico Simplício escreveu um extenso comentário à Física de Aristóteles. Neste comentário, Simplício incluiu o texto do Dito de Anaximandro e, com isso, conservou-o para o OCIDENTE. Retirou o Dito das Physikon Doxai de Teofrasto. Desde o tempo em que Anaximandro disse este Dito – não sabemos onde, nem como, nem a quem – até ao momento em que Simplício o registou no seu comentário, passou mais de um milênio. Desde o momento deste registo até aos dias de hoje, passou, de novo, um milênio e meio. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Pode o Dito de Anaximandro dizer-nos ainda alguma coisa, a uma distância cronológico-historiográfica de dois mil e quinhentos anos? Com que autoridade é suposto que ele fale? Apenas com a de ser o mais antigo? O que é da Antiguidade e o antigo não têm, só por si, qualquer peso. Além disso, o Dito é, na verdade, o mais antigo de entre os transmitidos – todavia, não sabemos se é também, segundo a sua índole, o Dito mais inicial do pensar ocidental. Podemos presumi-lo, se começarmos por pensar a essência do OCIDENTE apenas a partir daquilo de que o Dito inicial fala. [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Será que até estamos na véspera da transformação mais terrível de toda a terra e do tempo do espaço histórico de que ela está dependente? Estamos na iminência de um poente anterior a uma noite que trará uma outra madrugada? Será que estamos, agora mesmo, a caminho de emigrar para a terra histórica deste poente da terra? Será que só agora irrompe a “terra do poente” [o OCIDENTE]? Será que só esta “terra do poente”, ultrapassando OCIDENTE e Oriente, e através do que é europeu, se torna a localidade da história futura, destinada de modo mais inicial? Será que nós, os de hoje, já somos da “terra do poente”, num sentido que só surge através da nossa passagem a uma noite do mundo? Para que nos servem todas as filosofias da história, apenas historiograficamente calculadas, se, com a sinopse dos materiais historiograficamente aduzidos, elas não fazem mais do que cegar, se elas esclarecem a história sem nunca pensarem nos fundamentos das suas razões explicativas a partir da essência da história e esta a partir do ser ele próprio? Somos nós os rebentos tardios que somos? Mas será que, ao mesmo tempo, somos também os que precedem a madrugada de uma idade do mundo totalmente diferente, que tenha deixado para trás aquelas que são as nossas actuais representações historiográficas da história? [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]

Nietzsche – com base em cuja filosofia, compreendida de forma demasiadamente grosseira, Spengler calcula o declínio do OCIDENTE, no sentido da história do mundo ocidental – escreve, no seu escrito O Viandante e a sua Sombra, publicado em 1880 (Afor. 125): “É possível uma condição elevada da humanidade onde a Europa dos povos seja um esquecimento obscuro, mas onde a Europa sobreviva em trinta livros muito velhos, nunca envelhecidos…” (WW.Bd. III). [tr. Borges-Duarte et alii; GA5: O dito de Anaximandro]