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LDMH: Sorge - Cura - Souci
terça-feira 18 de abril de 2017
A filosofia moderna é, de Descartes a Husserl , tão centrada sobre o sujeito, o ego, que uma démarche que, como aquela de Heidegger, não toma a consciência como ponto de partida não poderia senão agitar e desconcertar, até parecer incompreensível (Sartre a diz até mesmo não recebível). Em que o "souci" (Sorge) é e não é a consciência, eis aí um dos pontos verdadeiramente sutis desta démarche. No entanto a palavra ela mesma é particularmente simples e é preciso sublinhar sua simplicidade. Pertence à língua corrente, a esta língua cotidiana que não se deve perder de vista. Sua tradução não impõe a princípio um problema assim como do latim cura. O contrassenso a afastar é que Heidegger jamais quis dizer que o Dasein estaria permanentemente e por definição atormentado, "atolado de ocupações" mesmo se o termo, tal qual empregado por ele, é suscetível de um amplo leque de nuances […]. É preciso retirar a dramaticidade deste termo. A língua alemã recorre todo tempo a esta palavra assim como ao verbo sorgen. Por exemplo, de uma pessoa que se ocupa de seu parente idoso, que vigia sobre ele e garante que nada lhe falte, o sustentando em tudo.
Enquanto Dasein, ele aí pensa. O Dasein não é o "Pensador" de Rodin. Existir, é aí pensar. "Aí pensar", tal é a estrutura do Dasein à qual Heidegger dá o nome de cura (souci) para dela fazer um existencial de primeiro nível.
Toda consciência, diz Husserl , é consciência de algo. Aluno de Husserl , Heidegger não o ignora evidentemente e ele bem assimilou o que queria dizer Husserl mas propriamente percebeu no que diz aqui Husserl um possível eco da palavra de Platão , aquela que diz: "Todo logos é logos de algo" (Sofista 262; SZ p. 159). Falar, é falar de algo. Esta maneira de "saltar" de Husserl a Platão — de "helenizar Husserl ", se assim se pode dizer —, é totalmente Heidegger e é assim que ele evita, contorna e subverte a "consciência" tal qual ela pôde ser, aí incluindo em Husserl , o fundamento da egologia dos modernos. O que é primeiro para o Dasein não é o cogito, é que ele — aí — pensa. Ele pensa na morte, certo, mas ele pensa também em fazer sua declaração de impostos, em regar as plantas, em casar, etc. E aqui Heidegger se atém em desvendar, precisar e se possível radicalizar o que Husserl vislumbrou sob este nome de intencionalidade da consciência em lhe dando uma amplitude ontológica existencial. (escrito a partir das páginas 1241-1242 de LDMH )
Ao falar o existencial cura Heidegger não se refere à ocupações do Dasein, mas ao Dasein onde a cura habita e revela a humanidade, cuja humanidade tem a face da cura. Assim como afirma Heidegger ao longo do capítulo VI de Ser e Tempo , a cura é o ser do Dasein.
Ver online : SORGE