Cem anos depois, ouve-se novamente o chamado “à questão mesma”, no tratado de Husserl, A Filosofia como Ciência Rigorosa, publicado no primeiro volume da revista Logos, no ano de 1910/11 (p. 289 ss.). Novamente o chamado tem sentido defensivo. Mas aqui tem-se em mira outra direção que em Hegel. O chamado procura precaver contra a psicologia naturalística que pretendia ser o autêntico método para a exploração da consciência. Pois este método encontra já, de antemão, o acesso aos fenômenos da consciência intencional. O chamado “à questão mesma” dirige-se, ao mesmo tempo, contra o historicismo que se perde nos debates sobre os pontos de vista da filosofia e na divisão dos tipos de visão de mundo filosóficos. A isto se refere Husserl grifando a frase: “Não é das filosofias que deve partir o impulso para a pesquisa, mas das questões e dos problemas” (op. cit., p. 340).
E qual é a questão da pesquisa filosófica? É para Husserl como para Hegel, de acordo com a mesma tradição, a subjetividade da consciência. As Meditações Cartesianas não foram para Husserl apenas o tema das conferências de Paris de fevereiro de 1929, mas, em seu espírito, acompanharam, desde os anos posteriores às Investigações Lógicas, o caminho apaixonado de suas pesquisas filosóficas até o fim da vida. O chamado “à questão mesma” visa, tanto em seu sentido negativo como positivo, à garantia e elaboração do método, tem em vista o modo de proceder da Filosofia através do qual primeiramente a questão mesma chega a tornar-se um dado comprovável. Para Husserl, “o princípio de todos os princípios” não é em primeiro lugar algo referente ao conteúdo, mas aquilo que se relaciona com o método. Em sua obra publicada em 1973, Idéias para uma Fenomenologia Pura, Husserl dedicou à determinação “do princípio de todos os princípios” um parágrafo próprio (24). Neste princípio, diz Husserl, “nenhuma teoria imaginável pode induzir-nos em erro”.
“O princípio de todos os princípios” é assim enunciado:
“Toda intuição que originariamente dá (é) uma fonte de direito para o conhecimento; tudo que se nos oferece originariamente na ‘Intuição’ (por assim dizer em sua realidade viva) (deve) ser simplesmente recebido como aquilo que se dd, porém, também somente no interior dos limites nos quais se dá…”
“O princípio de todos os princípios” contém a tese do primado do método. Este princípio decide qual a única questão que pode satisfazer ao método. “O princípio de todos os princípios” exige como questão da Filosofia a subjetividade absoluta. A redução transcendental a esta subjetividade dá e garante a possibilidade de fundar na subjetividade e através dela a objetividade de todos os objetos (o ser deste ente) em sua estrutura e consistência, isto é, em sua constituição. Desta maneira a subjetividade transcendental mostra-se como “o único ente absoluto” (Lógica Formal e Transcendental, 1929, p. 240). O caráter de ser deste ente absoluto, isto é, o caráter da questão mais própria da Filosofia, vale, também, ao mesmo tempo para a redução transcendental, como o método “da ciência universal” da constituição do ser do ente. O método se orienta não apenas na questão da Filosofia. Não faz apenas parte da questão como a chave da fechadura. Seu lugar é dentro da própria questão, porque é a “questão mesma”. Se se perguntar: de onde recebe então “o princípio de todos os princípios” seu direito inalienável, a resposta deveria ser a seguinte: recebe-o da subjetividade transcendental que já é pressuposta como a questão da Filosofia. [MHeidegger 100]