Em face do predomínio que a ciência contemporânea possui no âmbito do esclarecimento filosófico e da justificação do conceito do conhecimento e do conceito de verdade, essa pergunta parece ficar sem uma correta legitimação. E no entanto, não se pode escapar a ela, no seu campo científico. O fenômeno da compreensão perpassa não somente tudo que diz respeito ao mundo do ser humano. Tem vitalidade independente também no terreno da ciência e resiste à tentativa de deixar-se ser reinterpretado como um método da ciência. As pesquisas a serem apresentadas vinculam-se a essa resistência que vem se afirmando, no âmbito da moderna ciência, contra a reivindicação universal da metodologia científica. Seu propósito é o de procurar por toda parte a experiência da verdade, que ultrapassa o campo de controle da metodologia científica, e indagar de sua própria legitimação, onde quer que a encontre. É assim que se aproximam as ciências do espírito das formas de experiência que se situam fora da ciência: com a experiência da filosofia, com a experiência da arte e com a experiência da própria história.Todos estes são modos de experiência, nos quais se manifesta uma verdade que não pode ser verificada com os meios metódicos da ciência. VERDADE E MÉTODO Introdução
E evidente que uma tal tese soa estranha aos nossos ouvidos. De um lado, porque no conceito do gosto, e na maior parte dos casos, se desconhece o elemento ideal normativo, e se dá atenção ao rasonnement, relativista-cético sobre a diversidade do gosto. Sobretudo, porém, somos influenciados pelo desempenho moral-filosófico de Kant, que purificou a ética de todos os momentos estéticos e sentimentais. Se fixarmos os olhos no papel que a crítica do juízo de Kant desempenha no âmbito da história das ciências do espírito, teremos de dizer que sua fundamentação transcendental e filosófica da estética foi rica em consequências para ambos os lados e que representa nisso uma época. Representa a ruptura de uma tradição, mas, ao mesmo tempo, o preâmbulo de um novo desenvolvimento. Limitou o conceito do gosto ao campo em que podia reivindicar, como um princípio próprio do juízo, validade autônoma e independente — e, no lado oposto, restringiu com isso o conceito do conhecimento à utilização teórica e prática da razão. A intenção transcendental, que o guiava, encontrou sua realização no restrito fenômeno do julgamento sobre o belo (e o sublime) e desterrou do centro da filosofia o conceito mais universal da experiência do gosto e a atividade do juízo estético no âmbito do direito e dos costumes. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
O conceito da realidade, ao qual Schiller opõe a poesia, já não é mais, certamente, kantiano. Porque Kant parte sempre, como vimos, do belo natural. Mas na medida em que Kant, devido à sua crítica da metafísica dogmática, restringe o conceito do conhecimento inteiramente à possibilidade da “pura ciência da natureza”, tornando assim indiscutivelmente válido o conceito da realidade nominalística, no final das contas o constrangimento ontológico em que veio a se encontrar a estética do século XIX terá de ser atribuído ao próprio Kant. Sob o domínio do preconceito nominalístico só se pode compreender o ser estético de uma forma insuficiente e equívoca. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Eis o que só dificilmente se pode reconhecer quando, com Kant, se mensura a verdade do conhecimento com o conceito do conhecimento da ciência e com o conceito de realidade da ciência da natureza. É necessário entender o conceito da experiência com mais amplidão do que Kant o fez, a fim de que se possa entender também, como experiência, a experiência da obra de arte. Com relação a essa tarefa, podemos nos reportar às admiráveis preleções de Hegel sobre a estética. Nelas, de uma forma extraordinária, o conteúdo de verdade que há em toda experiência da arte é trazido ao reconhecimento e, ao mesmo tempo, transmitido com consciência histórica. Com isso, a estética torna-se uma história das cosmovisões, isto é, uma história da verdade, tal qual se faz visível no espelho da arte. Com isso, confirma-se fundamentalmente a tarefa que formulamos, ou seja, a de justificar na própria experiência da arte o conhecimento da verdade. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
O pensamento mais antigo levou isso em conta, atribuindo à ideia da teleología uma função ontológica universal. Pois quando se pensa em objetivos, as mediações pelas quais algo é agenciado não se mostram casualmente adequadas à consecução de um fim, mas são eleitas e adotadas, desde o princípio, como meios adequados. A subordinação do meio a um fim é, portanto, prévia. A isso chamamos sua “idoneidade”, e é sabido que a ação humana racional é idônea para seus fins não somente nesse sentido, mas inclusive onde não se trata de colocar objetivos nem de escolher meio. Assim ocorre também em todas as relações vitais: Estas somente podem ser pensadas sob a ideia da idoneidade para um fim, ou seja, como a congruência recíproca de todas as partes entre si. Também aqui a relação do todo é mais originária do que as partes. Aliás, na teoria da evolução, o conceito da adaptação só pode ser utilizado com precaução, já que pressupõe, de sua parte, a inadaptação como relação natural, como se os seres tivessem sido postos num mundo a que teriam de se adaptar posteriormente. Tal como neste caso, a adaptação perfaz a própria relação vital, assim também o conceito do conhecimento se determina, sob o domínio da ideia do fim, como a subordinação natural do espírito humano à natureza das coisas. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 3.
A determinação kantiana fundamental do prazer estético, como um gosto isento de todo interesse, não somente se refere ao fato puramente negativo de que o objeto desse gosto não seja nem empregado como útil nem desejado como bom, mas quer dizer também positivamente que o “estar-aí” (“Dasein”) não pode acrescentar nada ao conteúdo estético do prazer, à “pura contemplação”, precisamente porque o ser estético é representar-se. Somente a partir do ponto de vista moral é que se pode encontrar um interesse pela existência (Dasein) do belo, por exemplo, pelo canto do rouxinol, cuja enganosa imitação é para Kant, até certo ponto, uma ofensa moral. A questão seria, naturalmente, até que ponto podemos assumir, como consequência real dessa constituição do ser estético, o fato de que aqui não há porque procurar verdade alguma, já que aqui não se conhece nada. Nas nossas análises estéticas já consideramos a estreiteza do conceito do conhecimento que condiciona, nesse ponto, o questionamento kantiano, e partindo da questão da verdade da arte tínhamos encontrado o caminho para a hermenêutica, na qual encontramos fundidas no uno a arte e a história. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 3.