Gadamer (VM): acontecimento

Portanto, esses estudos sobre hermenêutica procuram demonstrar a partir da experiência da arte e da tradição histórica, o fenômeno da hermenêutica em toda a sua envergadura. Importa reconhecer nele uma experiência da verdade, que não terá de ser apenas justificada filosoficamente, mas que é, ela mesma, uma forma de filosofar. A hermenêutica que se vai desenvolver aqui não é, por isso, uma doutrina de métodos das ciências do espírito, mas a tentativa de um acordo sobre o que são na verdade as ciências do espírito, para além de sua autoconsciência metódica, e o que as vincula ao conjunto da nossa experiência do mundo. Se fizermos da compreensão o objeto de nossa reflexão, o objetivo não será uma doutrina artificial da compreensão, como o queria a hermenêutica tradicional da filologia e da teologia. Uma tal doutrina artificial ignoraria que, em face da verdade do que a tradição nos diz, o formalismo do saber artificial faz uma falsa reivindicação de superioridade. Se, a seguir, se passar a comprovar o quanto de acontecimento age em toda compreensão e quão pouco, através da consciência histórica-moderna, se debilitam as tradições em que nos vemos, não se procurará com isso, por exemplo, baixar diretrizes para as ciências ou para a prática da vida, mas sim, corrigir uma falsa concepção sobre o que são. VERDADE E MÉTODO Introdução

Uma reflexão sobre o que é verdade nas ciências do espírito não deve ver-se refletida a partir de uma tradição, cuja vinculação lhe tenha escapado. Por isso, para a sua própria forma de trabalho, terá de apresentar a exigência de adquirir tanta autotransparência histórica quanto lhe for possível. Esforçando-se para entender o universo da compreensão, melhor do que parece possível sob o conceito de conhecimento da ciência moderna, a reflexão terá de procurar também um novo relacionamento com os conceitos que ela mesma utiliza. Terá de se conscientizar de que sua própria compreensão e interpretação não é nenhuma construção a partir de princípios, mas o aperfeiçoamento de um acontecimento que lhe vem de longe. Os conceitos de que se utiliza não poderão, por isso, ser reclamados sem questionamentos; terá, porém, de ser aceito o que lhe for trazido de herança do originário conteúdo significante de seus conceitos. VERDADE E MÉTODO Introdução

Quanto a isso, é, no fundo, uma coisa evidente que, aqui, não foi a matemática determinante, mas os estudos humanísticos. Pois o que poderia significar a nova doutrina do método, do século XVII, para as ciências do espírito? Basta ler o correspondente capítulo da Logique de Port-Royal, que diz respeito às regras da razão aplicáveis a verdades históricas, para reconhecer a carência do que, a partir dessa ideia do método, se poderia produzir nas ciências do espírito. É realmente uma trivialidade o que daí surge, caso isso signifique, p. ex., que se tenha, ao julgar um acontecimento quanto à sua verdade, de levar em consideração as circunstâncias (circonstances) que o acompanham. Os jansenistas queriam, com esse arrazoado, dar uma introdução metódica, para saber até onde os milagres são dignos de fé. Procuravam eles, contra uma crença incontrolável nos milagres, oferecer o espírito do novo método e opinavam que, dessa maneira, iriam legitimar os verdadeiros milagres da tradição bíblica e da tradição eclesiástica. A nova ciência a serviço da antiga igreja — que uma tal relação não prometia durar, só se torna evidente, e pode-se muito bem imaginar o que teria de acontecer, caso as próprias premissas cristãs acabassem sendo questionadas. O ideal metódico da ciência da natureza tinha de, caso viesse a ser aplicado à credibilidade dos testemunhos históricos da tradição bíblica, conduzir a resultados bem diversos e catastróficos para o cristianismo. O caminho que vai da crítica aos milagres, ao estilo dos jansenistas, à crítica histórica da Bíblia, não é muito distante. Neste particular, Spinoza é um bom exemplo. Iremos mostrar, em passagens posteriores, que a aplicação consequente dessa metodologia, como única norma da verdade das ciências do espírito, seria semelhante a uma auto-subsunção de si mesma. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.

No início demos apenas um primeiro passo nessa direção ao procurar corrigir a auto-interpretação da consciência estética e ao renovarmos a indagação com respeito à verdade da arte, a favor da qual a experiência estética representa um testemunho. O que nos importa, portanto, é ver a experiência da arte de tal maneira que venha a ser entendida como experiência. A experiência da arte não deve ser falsificada como um fragmento da formação estética que está na sua posse e, com isso, não deve ter neutralizada sua reivindicação própria. Veremos que nisso reside uma consequência hermenêutica de longo alcance, na medida em que todo encontro com a linguagem da arte é um encontro com um acontecimento não acabado e, ela mesma, uma parte desse acontecimento. É a isso que se tem de pôr em relevo contra a consciência estética e contra a sua neutralização da questão da verdade. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.

O fato de o modo de ser do jogo encontrar-se tão próximo da forma de movimento da natureza, permite, porém, uma importante conclusão metódica. É evidente que não é assim, que os animais também brincam (spielen, em alemão, que significa tanto jogar, como brincar, tocar um instrumento ou representar teatro etc.) e que até se possa dizer, num sentido figurado, que a água e a luz brincam. Ao contrário poderíamos antes dizer do homem que ele também brinca (spielt). Também o seu jogar é um acontecimento da natureza. Também o sentido de seu jogar, justamente por ele ser, e na medida em que é natureza, é um puro representar-se a si mesmo. E assim que, no final, torna-se praticamente sem sentido diferenciar, nesse campo, o uso próprio e o metafórico. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.

Seja como for, a “simultaneidade” convém ao ser da obra de arte. Ela perfaz a natureza do “tomar-parte”. Não é a simultaneidade da consciência estética. Pois essa simultaneidade significa o ser-ao-mesmo-tempo e a igual-validade (Gleich-Gultigkeit) de diversos objetos estáticos da vivência numa consciência. A “simultaneidade”, ao contrário, significa aqui que algo individual, por mais remota que seja sua origem, na sua representação, alcança plena atualidade. A simultaneidade não é, pois, uma forma de acontecimento na consciência, mas uma tarefa para a consciência e um desempenho que será exigido dela. É constituída de maneira a se prender de tal forma à coisa em causa que esta se torna “simultânea”, o que significa, porém, que toda intermediação é subsumida em total atualidade. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.

Nesse sentido, a simultaneidade convém principalmente à [133] ação cúltica, como também à anunciação na pregação. O sentido do tomar-parte é, aqui, a genuína participação no próprio acontecimento salvífico. Ninguém pode duvidar que a diferenciação estética, por exemplo, da “bela” cerimónia ou da “boa pregação”, rente à reivindicação que nos é dirigida, encontra-se fora do lugar. No entanto, eu afirmo que, no fundo, a mesma coisa vale para a experiência da arte. Também aqui a intermediação tem de ser pensada como sendo total. Nem o ser-para-si do artista que cria — por exemplo, sua biografia — nem o ser-para-si do ator que representa uma obra, nem mesmo o ser-para-si do espectador, que acolhe o espetáculo, nenhum deles possui, em face do ser da obra de arte, uma legitimação própria. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.

Diz-se dessas afecções de que trata Aristóteles, que é através delas que o espetáculo teatral proporciona a purificação de paixões desse gênero. Como se sabe, essa tradução é discutível e, sobretudo, o sentido do genitivo. Mas a questão a que se refere Aristóteles parece-me inteiramente independente disto, e seu conhecimento tem de, no final, tornar-se compreensível, [136] porque duas concepções gramaticalmente tão diferentes podem contrapor-se tão tenazmente uma à outra. Parece-me claro que Aristóteles se refere à melancolia trágica que se assenhora do espectador à vista de uma tragédia. A melancolia, porém, é uma espécie de alívio e de solução, em que a dor e o prazer estão misturados de uma forma singular. Como é que, então, Aristóteles pode denominar esse estado de purificação? Qual é a impureza que adere às afecções, ou que são elas próprias, e como é que isso é expulso pela comoção? Parece-me que a resposta encontra-se no seguinte: o ser-assolado pela desolação e pelo calafrio representa uma bifurcação dolorosa. Há nisso uma desunião com o que acontece, um não-querer-ter-por-verdadeiro, que se rebela contra o horrendo acontecimento. No entanto, é justamente este o efeito da catástrofe trágica, isto é, que se dissolve a bifurcação com o que é. Deste modo, produz uma libertação universal do peito confrangido. Não somente nos livramos do desterro em que o que é desolador e espantoso desse destino único nos mantém presos, mas também, conciliados com isso, estamos livres de tudo que nos divide daquilo que é. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.

Mas qual é o objeto propriamente dito dessa afirmação? O que é que ai se está afirmando? Não, certamente, a justiça de uma ordem ética mundial. A mal-afamada teoria trágica da culpa, que para Aristóteles quase não desempenha papel algum, não é um esclarecimento adequado nem mesmo para a tragédia moderna. Pois a tragédia não ocorre onde a culpa e o pecado correspondam uma à outra como que numa medição justa, onde surge uma conta ética de débito, sem nenhum resto. Mesmo na tragédia moderna, não pode nem deve haver completa subjetivação da culpa e do destino. Antes, o excesso de consequências trágicas é algo característico para a natureza do trágico. Apesar de toda a subjetividade do endividamento, continua atuante, mesmo na tragédia moderna, um momento daquela antiga supremacia do destino, tida como igual para todos. Parece que somente Hebel se encontra na fronteira daquilo que ainda podemos chamar de tragédia, tal qual a exatidão com que o ser culpado subjetivo está adequado ao desenvolvimento do acontecimento trágico. Por essa mesma razão, também o pensamento de uma tragédia cristã tem sua própria questionabilidade, já que, à luz da história da salvação divina, as dimensões de felicidade e infelicidade, constitutivas para a ocorrência trágica, não determinam mais o destino humano. Mesmo a engenhosa confrontação que Kierkegaard fez do sofrimento na antiguidade, que é consequente de uma maldição que paira sobre uma estirpe, em contraste com a dor, que despedaça a consciência, desunida consigo mesma e posta em conflito, toca de leve a fronteira do trágico como tal. Sua reformulação do Antígona já não seria mais uma tragédia. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.

Parece que já os padres da patrística grega serviram-se de tais raciocínios neoplatônicos, ao rejeitarem a hostilidade às imagens do Antigo Testamento com relação à cristologia. Na encarnação de Deus, eles viam o reconhecimento fundamental da manifestação visível e obtinham, com isso, uma legitimação das obras de arte. Pode-se ver, sem dúvida, nessa superação da proibição da imagem, o acontecimento decisivo, através do qual tornou-se possível o desenvolvimento das artes plásticas no mundo ocidental cristão. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.

Pode-se demonstrar isso facilmente no caso especial da imagem de re-presentação. Tal qual o soberano, o estadista, o herói se mostra e se apresenta, isso torna-se representação na imagem. O que significa isso? Não será, com certeza, que, através da imagem, o representado ganha uma forma de manifestação nova e mais própria. Antes, é o contrário disso: Porque o soberano, o estadista, o herói tem de se mostrar, apresentar aos seus, porque ele tem de representar, a imagem ganha sua própria realidade. Apesar disso, há aqui um ponto de virada. Ele próprio, quando se mostra, terá de corresponder à expectativa da imagem que lhe é atribuída. Somente porque ele, dessa maneira, tem um ser no mostrar-se, passará ele mesmo a ser representado na imagem. A primeira coisa, portanto, é certamente o representar-se; a segunda é a representação na imagem, que encontra esse representar-se. A re-presentação da imagem é um caso especial da re-presentação como acontecimento público. Mas a segunda retroage também sobre a primeira. O ser daquele que comporta tão substancialmente o mostrar-se, não pertence mais a si mesmo. Não pode, p. ex., evitar de forma alguma de ser representado em imagem — e, dado que essas representações determinam a imagem que se tem dele, ele terá de mostrar-se, finalmente, como sua imagem prescreve. Por mais paradoxal que isso soe: a imagem originária (quadro) somente se torna uma imagem (quadro) a partir da imagem (quadro) — e, contudo, o quadro não é mais do que a manifestação da imagem (quadro) original. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.

Em contrapartida ao modo de pensar da mais recente estética, tínhamos desenvolvido acima o conceito do jogo como o genuino acontecimento da arte. Essa tentativa veio agora a se confirmar no fato de que, também o quadro — e com isso o conjunto da arte não dependente de re-produção — é um acontecimento do ser e, por isso, não pode ser adequadamente entendido como objeto de uma consciência estética, mas, antes, [149] pode ser compreendido em sua estrutura ontológica, a partir de fenômenos como o da re-presentação. O quadro é um acontecimento do ser — nele o ser torna-se um fenômeno sensorial-visível. A originalidade da imagem, portanto, não se limita à função “retratante” do quadro — e, assim, também não ao domínio particular da pintura e das artes plásticas “objetivas”, do qual, por exemplo, a arte da construção ficaria totalmente excluída. A originalidade da imagem é, antes, um momento da essência, que encontra seu fundamento no caráter de representação da arte. A “idealidade” da obra de arte não pode ser determinada através da relação com uma ideia como um ser a ser imitado, reproduzido, senão que, como diz Hegel, como o “aparecer” da própria ideia. A partir do fundamento de uma tal ontologia do quadro, torna-se infundada a primazia do quadro pintado sobre madeira, que faz parte de um acervo de pinturas e que corresponde à consciência estética. O quadro guarda, antes, uma relação indissolúvel com o seu mundo. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.

O que importa reconhecer é que aquilo que chamamos de ocasionalidade não representa, de forma alguma, uma redução da exigência artística e da univocidade artística de tais obras. Pois, o que se apresenta à subjetividade estética como “irrupção do tempo no jogo” e que na era da arte vivencial apareceu como uma redução do significado estético de uma obra. É, na verdade, apenas o reflexo subjetivo daquela relação ontológica que elaboramos acima. Uma obra de arte pertence tão estreitamente àquilo com o qual tem relação, que enriquece o ser daquele outro como que através de um novo acontecimento do ser. No quadro, ser-fixado; na poesia, ser-tratado; ser meta de uma alusão, do ponto de vista do palco, isso tudo não são efemeridades, que permanecem distanciadas do ser, mas representações desse próprio ser. O que dissemos de modo geral acima sobre a valência de ser do quadro inclui também esse momento ocasional. Assim, apresenta-se o momento da ocasionalidade, que vem ao encontro nos fenômenos citados, como um caso de exceção de uma relação geral, que convém ao ser da obra de arte: a fim de experimentar a continuidade da determinação de seu significado a partir da “ocasião” de seu vir à representação. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.

O palco teatral é, por isso, uma instituição política de extraordinária espécie, porque somente na encenação transparece aquilo tudo que há no jogo, a que está aludindo, o que desperta na repercussão. Ninguém sabe com anterioridade qual será o “resultado” e o que, de alguma forma, irá se perder no vazio. Cada encenação é um acontecimento, mas não um acontecimento que venha a se opor ou posicionar-se paralelamente à obra poética, como algo próprio — a própria obra é que acontece no acontecimento da encenação. É da sua natureza ser tão “ocasional” assim, que a ocasião da encenação traz à fala e deixa transparecer o que está nela. O diretor de teatro, que encena a obra literária, demonstra sua capacidade no fato de que sabe aproveitar a oportunidade. Nisso, porém, age também segundo a indicação. A diferenciação estética bem pode mensurar por dentro a música executada, a partir da tonalidade extraída da leitura da partitura — mas ninguém pode duvidar que ouvir música não é ler. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.

As obras em quadro, que são monumentos religiosos ou profanos, dão, por isso, testemunho da valência universal do ser do quadro, com maior nitidez do que o portrait íntimo. Pois é sobre essa valência que repousa a sua função pública. Um monumento contém o que nele está representado, numa atualidade específica, que evidentemente é algo muito diferente do que a atualidade da consciência estética. Não vive apenas da capacidade de expressão autônoma do quadro. Isso é o que ensina já o fato de que, também coisas diferentes dos quadros, p. ex., símbolos ou inscrições, podem assumir a mesma função. A premissa é sempre a reconhecibilidade daquilo que deve ser lembrado através do monumento, e igualmente o seu presente potencial. É assim que as figuras dos deuses, do rei, o monumento, que são apresentados a alguém pressupõem que o Deus, o rei, o herói, ou o acontecimento, a vitória ou o tratado de paz, já possuam uma atualidade determinante para todas as atualidades. O quadro que os representa, nesse caso, não atua diferente de uma inscrição, p. ex., mantêm-nos presentes nesse seu significado geral. Seja como for — quando se trata de uma obra de arte, isso não significa apenas que esse significado pressuposto acrescenta alguma coisa, mas também que pode falar de si próprio e que, com isso, se torna independente do prévio conhecimento que traz em si. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.

Isso pode ser ilustrado num exemplo: Justi denominou com muita propriedade a Rendição de Breda, de Velasquez, “um sacramento militar”. Com isso, quis dizer o seguinte: esse quadro não é um portrait de um grupo e também não, um mero quadro histórico. O que aqui se deixou fixado no quadro não é somente um acontecimento solene como tal. Antes, a festividade dessa cerimônia está tão presente no quadro, porque [155] pertence a ela mesma o caráter de ser pictórica e é realizada como um sacramento. Há entes que necessitam do quadro e dele são dignos e que somente se realizam em sua natureza, quando estão representados no quadro. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.

De todas essas ponderações, justifica-se caracterizar o modo de ser da arte, no seu todo, através do conceito da representação, o qual abarca do mesmo modo jogo como quadro, comunhão como representação. A obra de arte será entendida, com isso, como um acontecimento do ser e desfaz-se sua abstração, na qual a diferenciação estética a coloca. Também o quadro é um acontecimento da representação. Sua relação com o quadro original é tampouco uma redução de sua autonomia de ser, que nós, ao contrário, tendo em vista o quadro, tivemos motivo para falar de um crescimento de seu ser. O emprego de conceitos jurídico-sacrais mostrou-se, a partir daí, como um mandato. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.

Na realidade, o conceito da decoração tem de ser liberado dessa oposição ao conceito da arte vivencial e encontrar seu fundamento na estrutura ontológica da representação, que já elaboramos como modo de ser da obra de arte. Bastará recordar que o adorno, o decorativo são, por seu sentido originário, o belo como tal. Vale a pena reconstruir esse antigo conhecimento. Tudo o que é adorno, e adorna, está determinado pela sua relação com o que ele adorna, com aquilo em que ele é, com aquilo que é seu portador. Não possui um conteúdo estético próprio, o qual somente a posteriori receberia um condicionamento restritivo através da relação para com seu portador. Inclusive Kant, que pode ter alentado essa opinião, leva em conta, na sua conhecida assertiva contra as tatuagens, que um adorno só é tal, quando é conveniente ao portador e lhe cai bem. Forma parte do gosto, não somente que se saiba apreciar que algo é bonito em si, mas também que se saiba o âmbito onde ele pertence e onde não. O adorno não é primeiramente uma coisa para si, que mais tarde se acrescenta a uma outra, mas pertence ao representar-se de seu portador. Do adorno tem-se de dizer também, que pertence à representação; a representação, porém, é um acontecimento ôntico, é re-presentação. Um adorno, um ornamento, uma plástica colocada num local preferencial são re-presentativos no mesmo sentido em que o é, por exemplo, a própria igreja em que foram feitos. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.

O conceito do decorativo torna-se, pois, apropriado para arredondar o nosso questionamento do modo de ser do estético. Mais tarde veremos que a recuperação do velho sentido transcendental do belo é aconselhável também a partir de outro ponto de vista distinto. Seja qual for o caso, o que queremos dizer, sob o termo “representação”, é um momento universal e ontológico da estrutura do estético, um acontecimento ôntico, e não, por exemplo, um acontecimento vivencial que aconteceria no momento da criação artística e que apenas seria repetida pelo ânimo que a recebe em cada caso. Ao final do sentido [165] universal do jogo tínhamos reconhecido o sentido ontológico da representação no fato de que a “re-produção” é o modo de ser originário da própria arte original. Agora está confirmado que também a imagem pictórica e as artes estatuárias no seu todo possuem, ontologicamente falando, o mesmo modo de ser. A presença específica da obra de arte é um vir-à-representação do ser. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.

[244] O processo privado de secularização que levou Dilthey, estudante de teologia, à filosofia coincide com o processo mundial-histórico da génese das ciências modernas. Assim como a investigação moderna da natureza não considera a natureza como um todo compreensível, mas como um acontecimento estranho ao eu, em cujo decurso ela introduz uma luz limitada, mas confiável, e cujo domínio se torna assim possível, da mesma maneira o espírito humano, que procura proteção e certeza, tem de opor à “insondabilidade” da vida, a esse “semblante terrível”, a capacidade da compreensão, formada cientificamente. Esta deve abrir a vida, na sua realidade sócio-histórica, de uma forma tão completa que, apesar da insondabilidade da vida, o saber garanta proteção e certeza. O Aufklärung consuma-se como Aufklärung histórico. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.

Se no afazer do filólogo ainda sobreviveu algo como uma admissão de exemplaridade, que este já não reporta seus textos tão-somente a um destinatário reconstruído, mas também a si mesmo (sem que se dê conta, obviamente). Permite que o exemplar valha como modelo. Cada vez que se aceita um modelo já entra em ação sempre um compreender que não deixa as coisas como estão, mas que já escolheu e se sabe obrigado. Por isso essa referência de si mesmo a um modelo reveste sempre um certo caráter de seguimento. Da mesma forma que o seguimento é mais que uma simples imitação, sua compreensão é também uma forma sempre renovada de encontro, e ela própria tem o caráter de acontecimento, precisamente porque não deixa as coisas como estão, mas encerra a aplicação. Também o filólogo tece sua parte na vasta trama de procedência e tradição que nos sustenta a todos. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.

Mas, se reconhecemos isso, então a melhor maneira de [344] levar a filologia à sua verdadeira dignidade e a uma adequada compreensão de si mesma seria libertando-a da historiografia. Só que isso me parece só meia verdade. Temos de nos questionar, antes, se também a imagem do comportamento histórico, que foi orientadora aqui, não: estaria deformada. Talvez não somente o filólogo, mas também o historiador, deva orientar seu comportamento, menos segundo o ideal metodológico das ciências da natureza, que segundo o modelo que nos oferecem a hermenêutica jurídica e a hermenêutica teológica. Pode ser certo que o tratamento que o historiador confere aos textos seja especificamente diverso da vinculação original do filólogo com seus textos. Pode ser certo também que o historiador procure ir até atrás de seus textos com o fim de obrigá-los a uma conclusão que eles não querem dar e que por si mesmos tampouco poderiam fazê-lo. Se se mede segundo o padrão que apresenta um só texto, as coisas parecem ser efetivamente assim. O historiador se comporta com os seus textos como o juiz de instrução no interrogatório das testemunhas. Entretanto, a mera constatação de fatos que este consegue extrair a partir das atitudes preconcebidas de uma testemunha não esgota a tarefa do historiador; esta só chega ao seu final quando se compreendeu o significado dessas constatações. Com os testemunhos históricos ocorre algo parecido ao que se passa com as declarações das testemunhas num julgamento. O fato de que se use o mesmo não é uma casualidade. Em ambos os casos o testemunho é um meio para estabelecer fatos. Todavia, tampouco estes são o verdadeiro objeto, mas unicamente o material para a verdadeira tarefa: no juiz, encontrar o direito; no historiador, determinar o significado histórico de um acontecimento no conjunto de sua autoconsciência histórica. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.

Pois bem, para Collingwood este é o nervo de todo conhecimento histórico. O método histórico requer a aplicação da lógica de pergunta e resposta à tradição histórica. Os acontecimentos históricos somente são compreendidos quando se reconstrói a pergunta a que, em cada caso, queria responder a atuação histórica das pessoas. Collingwood dá o exemplo da batalha de Trafalgar e do plano de Nelson que lhe subjazia. O exemplo procura mostrar que o curso da batalha torna compreensível o verdadeiro plano de Nelson, porque este teve pleno êxito na sua execução. Pelo contrário, o plano de seu adversário já não seria reconstruível, a partir dos acontecimentos, pela razão inversa, porque fracassou. A compreensão do curso da batalha e a compreensão do plano que Nelson tinha para a sua execução são, por conseguinte, um e o mesmo acontecimento. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.

Na realidade não podemos ocultar que num caso como [377] este a lógica de pergunta e resposta tem de reconstruir duas perguntas distintas que encontrarão também duas respostas distintas: a pergunta pelo sentido no curso de um grande acontecimento, e a pergunta pelo caráter planificado deste curso. Ambas perguntas somente serão uma no caso em que uma planificação humana estivesse realmente à altura do curso dos acontecimentos. Entretanto, este é um pressuposto que não podemos afirmar como princípio metodológico em nossa qualidade de homens que estão na história, e nem face a uma tradição histórica na qual estão em questão homens como nós. A famosa descrição de Tólstoi do conselho de guerra antes da batalha, no qual todas as possibilidades estratégicas são ocultadas com agudeza e profundidade, e todos os planos sopesados, enquanto o próprio comandante, que está sentado ao lado, cochila, mas na noite às vésperas do começo da batalha o comandante faz a ronda pelos postos externos. Neste, o assunto que chamamos de história ganha um melhor acerto. Kutusow está mais perto da autêntica realidade e das forças que a determinam que os estrategistas do conselho. Deste exemplo deve-se extrair a conclusão principiai de que o intérprete da história corre sempre o perigo de hipostasiar o nexo no qual ele reconhece um sentido, como intencionado por homens que realmente atuaram e planejaram. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.

Costumamos dizer que “levamos” uma conversação, mas a verdade é que, quanto mais autêntica é a conversação, menos possibilidade têm os interlocutores de “levá-la” na direção que desejariam. De fato, a conversação autêntica não é nunca aquela que teríamos querido levar. Antes, em geral, seria até mais correto dizer que chegamos a uma conversação, quando não nos enredamos nela. Como uma palavra puxa a outra, como a conversação dá voltas para cá e para lá, encontra seu curso e seu desenlace, tudo isso pode ter talvez alguma espécie de direção, mas nela os dialogantes são menos os que dirigem do que os que são dirigidos. O que “sairá” de uma conversação ninguém pode saber por antecipação. O acordo ou o seu fracasso é como um acontecimento que tem lugar em nós mesmos. Por isso, podemos dizer que algo foi uma boa conversação, ou que os astros nos foram favoráveis. São formas de expressar que a conversação tem seu próprio espírito e que a linguagem que nela discorre leva consigo sua própria verdade, isto é, “revela” ou deixa aparecer algo que desde este momento é. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 1.

Vale a pena que nos detenhamos agora nesse ponto nuclear do pensamento cristão, porque também para ele a encarnação está relacionada, de forma muito estreita, com o problema da palavra. Já desde os padres da Igreja, e obviamente [423] na elaboração sistemática do augustinismo da alta escolástica, a interpretação do mistério da trindade — a tarefa mais importante que se coloca ao pensamento medieval cristão — apoia-se na relação humana de falar e pensar. Com isso a dogmática segue sobretudo o prólogo do Evangelho de João, e por mais que os meios conceituais, com os quais ela procura resolver esse problema teológico, sejam de cunho grego, o pensamento filosófico ganha através deles uma dimensão que estava vedada ao pensamento grego. Quando o verbo se faz carne, e só nesta encarnação se consuma a realidade do espírito, o logos se liberta com isso de sua espiritualidade, que significa simultaneamente sua potencialidade cósmica. A singularidade do acontecimento da redenção leva à introdução da essência histórica no pensamento ocidental e permite também que o fenômeno da linguagem emerja de sua imersão na idealidade do sentido e se ofereça à reflexão filosófica. Pois, diferentemente do logos grego, a palavra é um puro acontecer (verbum proprie dicitur personaliter tantum). VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 2.

Não obstante, mesmo em Tomás não coincidem por completo os conceitos de logos e verbum. É verdade que a palavra não é o acontecimento do pronunciador, essa entrega inapelá-vel do próprio pensamento ao outro. Porém, o caráter ontológico da palavra é também um acontecer. A palavra interior fica referida à possibilidade de se exteriorizar. O conteúdo da coisa, tal como é concebido pelo intelecto, está ordenado para a sua conversão em som (similitudo rei concepta in intellectu et ordinata ad manifestationem vel ad se vel ad alterum). Por consequência, a palavra interior certamente não está referida a uma língua determinada, não são palavras que têm o caráter de pairar à nossa frente, que nos chegam a partir da memória, mas é a conjuntura (Sachverhalt) pensada até o final (forma excogitata). E na medida em que se trata de um pensar até o final, é forçoso reconhecer também nele um momento processual: comporta-se per modo egredientes. Claro que não é manifestação, mas pensar; porém o que se alcança nesse dizer-se-a-si-mesmo é a perfeição do pensar. A palavra interior, na medida em que expressa o pensar, reproduz ao mesmo tempo a finitude da nossa compreensão discursiva. Como a nossa compreensão não está em condições para abarcar num só golpe do pensar tudo o que sabe, não tem outro remédio que trazer para fora, a partir de si mesma, em cada caso, o que pensa, pondo-o diante de si, numa espécie de própria declaração interna. Nesse sentido todo pensar é um dizer-se. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 2.

Pois, de um outro lado, da parte do “objeto”, esse acontecer significa que o conteúdo da tradição entra em jogo e se desenvolve em possibilidades de sentido e ressonância cada vez novas e ampliadas de modo novo, pelo outro receptor. Quando a tradição volta a falar, emerge algo e entra em cena o que antes não era. Qualquer exemplo histórico poderia nos servir para ilustrar isso. Quer a própria tradição seja uma obra de arte, quer proporcione notícias de um grande acontecimento, em qualquer caso, o que se transmite aqui entra de novo na existência, tal como se representa. Quando a Ilíada de Homero ou a campanha de Alexandre até a índia voltam a nos falar numa nova apropriação da tradição, não há um ser em si que se vá revelando cada vez um pouco mais, mas acontece algo como uma verdadeira conversação, daí surgindo alguma coisa que nenhum dos interlocutores abarca por si só. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 3.

Coisa muito diferente é a consciência da história efeitual na qual tem seu cumprimento a experiência hermenêutica. Ela conhece o caráter interminavelmente aberto do acontecimento de sentido, do qual participa. Obviamente, também aqui cada compreensão tem um padrão com o qual se mede e, por conseguinte, um possível término — é o próprio conteúdo da tradição o que proporciona o padrão único e o que vem à fala por si mesmo. Mas não é possível uma consciência — já o destacamos repetidamente, e nisso repousa a historicidade do compreender — , não é possível uma consciência, por infinita que fosse, na qual a “coisa” que é transmitida pudesse aparecer à luz da eternidade. Toda apropriação da tradição é historicamente distinta das outras, e isso não quer dizer que cada uma seja apenas uma acepção distorcida daquela: Cada uma é, antes, a experiência de um “aspecto” da própria coisa. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 3.

Portanto, a compreensão é um jogo, não no sentido de que aquele que compreende se reserve a si mesmo como num jogo e se abstenha de tomar uma posição vinculante frente às pretensões que lhe são colocadas. Pois aqui, não se dá, de modo algum, a liberdade da autopossessão, que é inerente ao poder abster-se assim e é isso o que pretende expressar, a aplicação do conceito do jogo à compreensão. Aquele que compreende já está sempre incluído num acontecimento, em virtude do qual se faz valer o que tem sentido. Está pois justificado que, para o fenômeno hermenêutico, se empregue o mesmo conceito do jogo que para a experiência do belo. Quando compreendemos um texto nos vemos tão atraídos por sua plenitude de sentido como pelo belo. Ele ganha validez e já sempre nos atraiu para si, antes mesmo que alguém caia em si e possa examinar a pretensão de sentido que o acompanha. O que nos vem ao encontro na experiência do belo e na compreensão do sentido da tradição tem realmente algo da verdade do jogo. Na medida em que compreendemos, estamos incluídos num acontecer da verdade e quando queremos saber o que temos que crer, parece-nos que chegamos demasiado tarde. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 3.

É nessas distinções que se pode esclarecer a questão que, num outro contexto, tenho sempre de novo colocado, qual seja, de saber que função desempenha no acontecimento hermenêutico a intenção do autor. Isto aparece claramente no uso cotidiano do discurso, onde não está em questão penetrar na rigidez da escrita. Precisamos compreender o outro; precisamos compreendê-lo, compreender o que ele tinha em mente ao falar. Ele, por assim dizer, não se separou de si próprio, não se fiou nem se expôs, através de um discurso fixado por escrito ou de algum outro modo, a um estranho, que pudesse desvirtuar, querendo ou não, através de mal-entendidos, aquilo que ele deveria compreender. E mais ainda: Ele não se separou do outro, para quem ele está falando e que o está escutando. VERDADE E MÉTODO II Introdução 1.

Até que ponto o outro compreende o que eu quero dizer, demonstra-se pelo modo como ele prossegue a conversa. Com isso, o compreendido passa da indeterminação de sua direção de sentido para uma nova determinação, que permite ser compreendida ou mal-entendida. E isto o que acontece verdadeiramente no diálogo: O que se tem em mente articula-se, à medida que se torna algo [19] comura. A enunciação individual, portanto, está sempre inserida num acontecimento comunicativo, não podendo ser compreendida como algo singular. Por isso, falar de mens auctoris e da palavra “autor” só possui uma função hermenêutica onde não está em questão uma conversa viva, mas apenas exposições fixas. Aí surge a questão: Será que só compreendemos retrocedendo ao autor? E será que, quando retrocedemos, compreendemos suficientemente aquilo que tinha em mente o autor? E o que acontece quando isso não é possível porque nada sabemos sobre ele? VERDADE E MÉTODO II Introdução 1.

O conjunto da tradição, capaz de representar o objeto histórico, não forma um texto no mesmo sentido que é a configuração de texto singular para o filólogo. Será que o conjunto da tradição se oferece ao historiador da mesma maneira que o texto que o filólogo tem diante de si? O texto, e sobretudo o texto literário, é para o filólogo como uma medida fixa, que precede qualquer nova interpretação. O historiador, pelo contrário, deve antes reconstruir seu texto básico, a própria história. Nesse ponto, certamente, não se podem estabelecer linhas divisórias absolutas. Também o historiador, naturalmente, deve compreender primeiro os textos literários e outros com que ele se depara, como o faz o filólogo. Também o filólogo, muitas vezes, deve primeiro reconstruir e fazer uma análise crítica de seus textos, a fim de que se tornem compreensíveis, e na sua compreensão ele precisa admitir a inclusão de informações históricas do mesmo modo que admite todos os outros conhecimentos possíveis de sua ciência. Apesar disso, o ponto de vista da compreensão, a perspectiva do sentido, não é igual nos dois casos. O sentido de um texto refere-se àquilo que ele quer dizer. O sentido de um acontecimento, pelo contrário, é aquilo que se pode extrair da leitura, a partir de textos e outros testemunhos, e quiçá até na reavaliação de sua própria intenção enunciativa. VERDADE E MÉTODO II Introdução 1.

[33] Será que existe realmente essa liberdade da compreensão? Será que nele se revela o nexo infinito do acontecimento como a essência da história? Será que não perguntamos exatamente pela essência da história quando perguntamos pelos limites da autoconsciência histórica? Nietzsche nos precedeu nesse questionamento. Na segunda Consideração intempestiva, ele se pergunta pela utilidade e desvantagem da história para a vida. Esboça aqui uma imagem aterradora da doença histórica que se abateu sobre sua época. Mostra como todos os instintos promotores da vida estão profundamente deteriorados por camsa dessa doença; como todos os padrões e valores vinculantes se perderam, pelo fato de aprendermos a medir com padrões estranhos e arbitrários, pautando-nos sempre em novas tábuas de valores. Mas a crítica de Nietzsche tem também seu lado positivo. Proclama um padrão de medida da vida, que mede o quanto de história uma cultura pode suportar sem sofrer danos. A autoconsciência histórica pode apresentar-se de diversos modos: conservadora, modelar ou pressentindo a decadência. A força plástica, a única capaz de dar vida a uma cultura, deve ser obtida no justo equilíbrio entre estes diversos modos de se fazer história. Ela necessita de um horizonte cercado de mitos, necessita pois de uma delimitação frente ao Iluminismo histórico. Haverá porém um voltar atrás? Ou talvez isso não seja necessário? Será que a fé na infinitude da compreensão da razão histórica é uma ilusão, uma auto-interpretação falsa de nosso ser e de nossa consciência históricos? Esta é a pergunta decisiva. VERDADE E MÉTODO II PRELIMINARES 2.

Surge aqui um segundo aspecto: A significação não se revela no distanciamento do elemento compreensivo como pensava Dilthey, mas pelo fato de nós mesmos estarmos inseridos no nexo de efeitos da história. A compreensão histórica é ela própria, sempre, a experiência de um efeito e o prolongamento de sua efetividade. [35] Seu envolvimento prévio significa sua força histórica de produzir efeitos. Por isso, o que é historicamente significativo torna-se acessível de modo mais originário na plenitude da ação do que no compreender. A existência (Dasein) histórica guarda sempre uma situação, uma perspectiva e um horizonte. É um caso semelhante ao da pintura: A perspectiva, isto é, a ordenação de “proximidade” ou “distância” das coisas inclui um ponto de vista, que precisa ser levado em conta. Assim, entramos numa relação de ser com as coisas e fazemos parte de sua ordenação, à medida que com elas nos alinhamos. Só assim torna-se representável a singularidade de um acontecimento, a plenitude do instante. A pintura pré-perspectivística, pelo contrário, mostra todas as coisas numa eternidade dilatada e pela ótica de um significado transcendente. A verdade histórica, correspondentemente, não é o transparecer de uma ideia, mas o vínculo de uma decisão irrepetível. VERDADE E MÉTODO II PRELIMINARES 2.

Nas ciências do espírito, porém, essa pressão se exerce como que a partir de dentro. Elas até correm o risco de considerar como verdadeiro aquilo que corresponde aos interesses desses poderes. Uma vez que o seu trabalho carrega em si sempre um momento de incerteza, a confirmação dos outros é de especial importância para elas. Estes serão, como sempre, os especialistas, quando forem “autoridades”. Visto, porém, que seu trabalho interessa a todos, a intenção do investigador já busca adequar-se à opinião pública e ir de encontro à repercussão que a própria investigação nela encontra. Assim, por exemplo, o interesse nacional está particularmente presente quando se vai escrever uma história política. É sabido por todos o quanto pode ser diferente o mesmo acontecimento histórico, quando descrito por investigadores de nacionalidades diversas, [42] mesmo sendo sérios. Isso não acontece porque eles calculam os efeitos, mas por causa de uma co-pertença interna que determina previamente seu ponto de vista. Esse processo, porém, pode reverter-se com muita facilidade e levar a pessoa a buscar assumir o ponto de vista favorável à influência do público. VERDADE E MÉTODO II PRELIMINARES 3.

A ingenuidade do que chamamos de historicismo consiste em que, evitando esse tipo de reflexão e confiando em sua metodologia, acaba por esquecer sua própria historicidade. O que cabe reivindicar aqui é a passagem de um pensamento histórico mal compreendido a um pensamento histórico melhor compreendido. Um pensar verdadeiramente histórico deve pensar também sua própria historicidade. Somente assim deixará de perseguir a quimera de um objeto histórico, que é o tema de uma investigação progressiva, mas para aprender a reconhecer no objeto o outro de si próprio e com isso tanto um quanto o outro. O verdadeiro objeto histórico não é um objeto, mas a unidade de um e outro, uma relação que [65] compreende tanto a realidade da história quanto a realidade da compreensão histórica. Uma hermenêutica adequada e correta teria de demonstrar na compreensão essa realidade própria da história. Chamo de “história efeitual” o que corresponde a essa exigência. Compreender é um processo histórico-efeitual, e se poderia demonstrar que é na linguagem própria a toda compreensão que o acontecimento hermenêutico traça seu caminho. VERDADE E MÉTODO II PRELIMINARES 5.

O fato de a auto-interpretação ter alcançado em todos esses âmbitos uma primazia, injustificada do ponto de vista objetivo (sachlich), parece-me ser uma consequência do subjetivismo moderno. Na verdade, não se pode outorgar nenhum privilégio a um poeta na explicação de seus versos, tanto quanto não se pode outorgar privilégios ao homem de estado para a explicação histórica dos acontecimentos em que ele próprio participou com sua ação. O autêntico conceito de autocompreensão, o único aplicável em todos estes casos, não deve ser pensado a partir do modelo da autoconsciência plena, mas a partir da experiência religiosa. Essa já sempre inclui que é só pela graça divina que os descaminhos da autocompreensão humana encontram o rumo para um fim verdadeiro, isto é, para a visão de que em todos os caminhos o homem deve ser conduzido para a salvação. Toda autocompreensão humana está determinada em si pela insatisfação. Isso vale também para a obra e a ação. Por isso, a arte e a história recusam-se, segundo seu próprio ser, a serem interpretadas a partir da subjetividade da [76] consciência. Pertencem àquele universo hermenêutico, caracterizado pelo modo de realização e pela realidade da linguagem, que ultrapassa toda consciência individual. Na linguagem, no caráter próprio que ela imprime em nossa experiência de mundo, encontra-se a mediação entre finito e infinito, adequada a nós, como seres finitos. O que nela se interpreta é sempre uma experiência finita, que, apesar disso, jamais se depara com aquela barreira, onde a única coisa que se poderia fazer ainda seria adivinhar algo infinito que se tem em mente, sem poder dizê-lo. Seu progresso não está limitado, e no entanto não é uma aproximação progressiva a um sentido que se tem em mente. O que perfaz seu sentido é lograr estabelecer a obra, e não o que é que se tem em mente com ela. O que concede sentido à sentença é a palavra acertada, e não o que está escondido na subjetividade do que se tem em mente. É a tradição que abre e delimita nosso horizonte histórico, e não um acontecimento opaco da história que acontece “por si”. VERDADE E MÉTODO II PRELIMINARES 6.

O problema da liberdade parece ser um dos que preenchem perfeitamente a condição prévia de ser um problema filosófico idêntico. A condição prévia de ser um problema filosófico consiste na verdade em ser insolúvel. O problema deve ser de tal modo abrangente e fundamental que volta a se instaurar sempre de novo, uma vez que parece não haver nenhuma “solução” capaz de resolvê-lo totalmente. Já Aristóteles descreveu a essência do problema dialético, afirmando que são as questões grandes e insolúveis que se devem lançar ao adversário numa disputa verbal. A pergunta, porém, é: haverá “o” problema da liberdade? A questão da liberdade será realmente sempre a mesma em todos os tempos? O que dizer daquele mito profundo da República de Platão, segundo o qual a própria alma escolhe, num estado anterior ao nascimento, a sorte para sua vida, de tal modo que se queixa das consequências de sua escolha recebe como resposta: “aitia helemenou, Tens culpa na tua escolha”? Terá o mesmo sentido que o conceito de liberdade que dominou, por exemplo, a filosofia moral estóica, que afirmava com certa resolução que o único caminho para tornar-se independente e, com isso, livre seria não prender seu coração a nada, e não apegar-se a si próprio? Será este o mesmo problema do mito platônico? Será o mesmo problema quando a teologia cristã procura tecer e resolver seu grande enigma entre a liberdade do homem e a providência divina? E será o mesmo quando, na era da ciência da natureza, formulamos a pergunta: Como se deve conceber a possibilidade de liberdade, diante da determinação infalível do acontecimento natural diante do fato de que toda ciência da natureza deve partir do pressuposto de que na natureza não acontecem milagres? O problema do determinismo e do indeterminismo da vontade, formulado a partir dessa situação, será ainda o mesmo problema? VERDADE E MÉTODO II PRELIMINARES 7.

Essas poucas regras gerais da hermenêutica, apresentadas preliminarmente nessas “hermenêuticas”, apoiadas na antiga retórica, por certo não justificam um interesse filosófico por esses escritos. Não obstante a profunda problemática filosófica, que viria a aflorar plenamente só em nosso século, já se reflete na história inicial da hermenêutica protestante. É certo que o princípio luterano da sacra scriptura sui ipsius interpres contém uma clara recusa da tradição dogmática da Igreja Romana. Mas, uma vez que essa frase não quer defender uma teoria ingênua da inspiração e sobretudo que a teologia de Wittenberg, seguindo a tradução da Bíblia do grande intelectual Lutero, lançava mão de um rico aparato filológico e exegético para justificar o próprio trabalho, a problemática de toda interpretação teve de assumir também o mote da sui ipsius interpres. O paradoxo desse princípio era por demais evidente e não houve como evitar que os defensores da tradição magisterial da Igreja católica, o Concílio de Trento e a literatura contra-reformista descobrissem a debilidade teórica do mesmo. Não havia como negar que também a exegese bíblica protestante não trabalhava sem diretrizes dogmáticas, em parte resumidas sistematicamente nos “artigos de fé” e, em parte, sugeridas na escolha dos hei praecipui. A crítica de Richard Simon a Flacius é para nós hoje um documento decisivo para conhecer a problemática hermenêutica da “compreensão prévia”, o que torna patente a existência de implicações ontológicas que só foram explicitadas pela filosofia de nosso século. Por fim e ainda no contexto da recusa à doutrina de inspiração verbal, também a hermenêutica teológica dos primórdios do Iluminismo busca estabelecer regras gerais para a compreensão. Especialmente a crítica histórica da Bíblia encontra então sua primeira legitimação. O tratado teológico-político de Espinosa foi o acontecimento principal. A sua crítica ao conceito de milagre, por exemplo, legitimava-se no postulado da razão de se reconhecer somente o que é racional, isto é, o que é possível. Não era só [97] crítica, continha também uma virada positiva, à medida que exigia uma explicação natural das passagens da Escritura contrárias à razão. Isso acarretou uma virada em direção ao que é histórico, ou seja, uma virada da presumida (e incompreensível) história dos milagres em direção à fé (compreensível) nos milagres. VERDADE E MÉTODO II PRELIMINARES 8.

Em todo trabalho filosófico do conceito encontra-se, portanto, uma dimensão hermenêutica, hoje em dia caracterizada de modo um tanto impreciso, com o termo “história do conceito”. Esse não representa um esforço secundário e nem significa que, em vez de falarmos das coisas, falemos dos meios de entendimento que usamos para isso, mas constitui o elemento crítico no uso de nossos próprios conceitos. Tanto o afã do leigo em exigir definições inequívocas, quanto o fascínio pela univocidade de uma epistemologia unilateral e semântica desconhecem não só o que seja linguagem, mas também o fato de que a linguagem do conceito não pode ser inventada, mudada ao bel-prazer, usada e abandonada. A linguagem do conceito brota, muito ao contrario, do elemento no qual nos movemos como seres pensantes. O que encontramos na forma artificial da terminologia são apenas as cascas endurecidas dessa corrente viva do pensamento e da fala. Também essa se introduz e sustenta pelo acontecimento comunicativo que realizamos ao falar e onde se constrói compreensão e entendimento. Esse parece-me ser o ponto de convergência entre o desenvolvimento da filosofía analítica na Inglaterra e a hermenêutica. Essa correspondência é, porém, limitada. Assim como, no século XIX, Dilthey acusou o empirismo inglês de carência de formação histórica, o postulado crítico da hermenêutica que se baseia na reflexão histórica não consiste tanto em dominar a estrutura lógica dos modos de falar, como é [114] o caso por exemplo do ideal da filosofia “analítica”, mas em apropriar-se dos conteúdos mediados pela linguagem, com todo o sedimento da experiência histórica. VERDADE E MÉTODO II PRELIMINARES 8.

Dá-se, pois, uma certa descontinuidade no acontecer. Conhecemos uma descontinuidade no acontecer ao modo da experiência epocal. Os recursos fenomenológicos permitem mostrar que isso se dá realmente, ou seja, que não se trata somente de uma derivação de nosso interesse cognitivo que ordena e classifica a posteriori algo para poder dominá-lo, mas que designa uma autêntica realidade da própria história. Dá-se uma certa experiência originária de um recorte epocal. As épocas da história diferenciadas pelo historiador enraízam-se em verdadeiras experiências epocais e no fundo devem comprovar-se nelas. É certo que, em suas origens, o conceito de época era simplesmente astronômico e designava uma constelação que servia de base para o cálculo aritmético. Em sentido [137] histórico, a época significa um recorte a partir do qual se computa uma nova época. Mas será isso mera convenção e arbitrariedade? A constelação histórica que caracteriza um recorte epocal não é um parâmetro externo para medir o tempo, mas define o próprio conteúdo temporal, quer dizer, isso que chamamos história. Sempre me impressionou — quiçá por sua fraseologia arcaica — o que Kant escreveu sobre a Revolução Francesa: “Um acontecimento assim não se esquece”. O fato de que um acontecimento não se esquece — é óbvio que a frase somente quer dizer que ninguém pode esquecê-lo — depende evidentemente da importância desse acontecimento. Aconteceu de tal modo que ninguém pode esquecê-lo e por isso a linguagem pode considerar o acontecimento como um ser atuante e dizer: esse acontecimento não se esquece. A linguagem faz aqui uma sugestão. Dá-se algo que permanece na consciência do ser humano, que tantas coisas esquece. Subjaz ali a experiência de uma diferença e de uma descontinuidade, de uma permanência em meio às mudanças incessantes. VERDADE E MÉTODO II COMPLEMENTOS 10.

Quando alguém diz hoje: entramos na era da energia atômica, atomic age, expressa a opinião — e há razões para levá-la a sério — de que tem ocorrido algo tão novo que não será superado facilmente por outra novidade e que, ao contrario, devemos chamar “antigo” ao anterior num sentido qualitativamente especial e unívoco. Assim, a guerra transformou-se para nós em algo qualitativa e fundamentalmente distinto do que era antes desse acontecimento epocal que foi o descobrimento da força atômica. Sucedeu algo que fez com que o antigo se tornasse antigo. O próprio tempo envelheceu de certo modo ante esse acontecimento. E isso não somente no sentido de deixar o passado submerso, inatual e ausente, como um espaço de tempo antigo que se vislumbra por assim dizer como uniforme, mas também o próprio futuro fica afetado pelo significado epocal de um acontecimento epocal. O fato de o acontecer real ser o que se apresenta constitui uma rica experiência fenoménicamente demonstrável. VERDADE E MÉTODO II COMPLEMENTOS 10.

E evidente que nunca podemos saber com certeza se um acontecimento possui realmente uma importância epocal. Apesar de toda a incerteza inerente a todo enunciado de futuro, basta que esse acontecimento e sua influência imediata venham acompanhados da convicção de que fez época. Experiências análogas fazemos também fora das grandes experiências históricas de destino. Vou expor três formas de tais experiências epocais. VERDADE E MÉTODO II COMPLEMENTOS 10.

Volta e meia leio e reflito sobre um pequeno texto do poeta Hölderlin que começa assim: “A pátria em ocaso”. É um estudo teórico para o drama da morte de Empédocles, que Hölderlin, em distintas versões e motivações, interpreta ao final o ocaso do herói como um sacrifício que este oferece ao tempo e como o ato de fundação de um futuro. Neste tratado, escrito em forma tão complicada como só se pode fazer em suábio, pode-se ver que na realidade, cada instante é um instante de transição, quer dizer, um subir e baixar de duas realidades, uma realidade que decai e se dissolve e outra que chega e devêm. Hölderlin caracteriza expressamente esta experiência epocal que eu descrevo como a diferença entre o novo e o velho, contrapondo a dissolução “ideal” com o devir “real” do novo. Inspira-se na intuição da totalidade como unidade do vivente. A vida consiste em que a unidade do organismo se mantém na troca constante de suas substâncias e que a dissolução sempre dá origem a algo novo. No curso das transformações da história humana [141] isso se realiza de forma que o elemento de dissolução somente se percebe em sua verdadeira unidade com a experiência do novo. Hölderlin quer nos dizer que o antigo, ou melhor, um modo de afrontar o antigo, forma parte da realidade do advento do novo. Segundo Hölderlin, isso ocorre na grande forma da tragédia, naquela afirmação trágica que diz sim ao ocaso e mediante a reconciliação trágica faz com que a vida se renove; mas podemos deixar de lado essa interpretação, que não pertence ao âmbito da presente reflexão. Prescindiremos também da palavra trágica e, com ela, da forma em que esse devir ideal do antigo desaparece poeticamente ante a realidade do novo. Basta que nos atenhamos a nossa própria experiência histórica. Também ela implica que o conhecer e a autoconsciência não são uma atualização de algo concluído, mas que alcançam sua possibilidade e sua realização como atualização desde a novidade e em vista do hoje. Mas isso significa que toda essa atualização e todo esse saber são por sua vez um acontecimento, são história. A idealidade do significado histórico não se forma somente mediante a adição de um espírito poético que flutua sobre um mundo histórico perecível e que se dissolve. Mas esse mundo é de tal natureza que não esquece a si próprio, possui e obtém sua própria idealidade justamente com isso, e vão se elaborando novas figuras de vida desde a infinitude criativa do possível. A afirmação trágica, a visão ideal do passado, é também o conhecimento de uma verdade ôntica e permanente. VERDADE E MÉTODO II COMPLEMENTOS 10.

Se prestarmos bem atenção à tendência de individualização, inerente à linguagem viva em sentido próprio, reconheceremos a perfeição dessa tendência na figura poética. E se isso estiver correto, então é preciso questionar se a teoria da substituição realmente convém ao conceito de sentido da expressão de linguagem. A intradutibilidade, caracterizada em última instância pela poesia lírica, uma vez que aí uma língua não se deixa traduzir para outra sem perder sua força de expressão poética, faz fracassar a ideia de substituição, de introdução de uma expressão em lugar de outra. Isso parece ser independente do fenômeno específico de geral independentemente do fenômeno especial de uma linguagem poética altamente individualizada e de importância universal. Parece-me que a possibilidade de substituição se opõe ao momento individualizante inerente ao ato de linguagem. Mesmo quando, no dizer, substituímos uma expressão por outra ou a justapomos a outra, seja por abundância retórica ou para ajustar a expressão, quando o orador não a encontra de imediato, o sentido do discurso se constrói no processo das expressões sucessivas, jamais saindo do acontecimento único dessa fluência. Deixamos esse acontecimento único quando introduzimos no lugar de uma palavra usual uma outra de sentido idêntico. Esse é o ponto onde a semântica supera a si mesma, [178] passando a ser outra coisa. A semântica é uma teoria de signos, sobretudo de signos de linguagem. Signos são, porém, meios. Os signos são usados aleatoriamente e deixados de lado como qualquer outro meio empregado na atividade humana. A expressão “ele domina os meios” significa: “ele emprega-os corretamente com vistas a um fim”. Também dizemos que devemos dominar uma língua, se quisermos nos comunicar nessa língua. Mas o verdadeiro falar é mais que a escolha dos meios para alcançar determinados objetivos de comunicação. A língua que dominamos é onde vivemos, isto é, onde o que queremos comunicar só pode ser “conhecido” na forma da linguagem. O fato de “escolhermos” as palavras é uma ilusão ou um efeito da linguagem criado quando o dizer sofre uma inibição. O dizer “livre” flui na entrega abnegada à questão evocada através da linguagem. Isso também vale para a compreensão de discursos fixados em textos escritos, pois também os textos, quando compreendidos, são reinseridos no movimento de significação do discurso. VERDADE E MÉTODO II COMPLEMENTOS 13.

Não precisamos, pois, demonstrar a tese de que todo entendimento é um problema de linguagem e de que o sucesso ou fracasso no entendimento só se obtém no elemento da condição de linguagem. Todos os fenômenos do entendimento, da compreensão e da incompreensão, que formam o objeto da assim chamada hermenêutica, representam um fenômeno de linguagem. Mas a tese que pretendo discutir dá um passo ainda mais radical. A tese afirma que não apenas o processo do entendimento entre os seres humanos, mas também o próprio processo da compreensão representa um acontecimento de linguagem mesmo quando se volta para algum aspecto fora do âmbito da linguagem ou escuta a voz apagada da letra escrita. Trata-se de um acontecimento de linguagem semelhante àquele diálogo interno da alma consigo mesma, que para Platão caracterizava a essência do pensamento. VERDADE E MÉTODO II COMPLEMENTOS 14.

Cabe então perguntar se essa relação entre o conformismo natural da sociedade e as forças críticas que o desfazem não se modificou qualitativamente numa civilização técnica e altamente industrializada. Sempre houve mudanças imperceptíveis no uso e na vida da linguagem. Modismos e gírias sempre surgem e desaparecem. Observando-se as mudanças ocorridas na linguagem é possível retratar épocas muito críticas, em seu processo de decadência. Foi o que mostrou Tucídides, na famosa narrativa das consequências da peste na cidade sitiada de Atenas. Mas nas circunstâncias atuais, é bem possível que se trate de algo qualitativamente novo e diverso, algo que ainda não se deu. Refiro-me ao que se chama de versão oficial. Parece uma realidade criada apenas pela civilização técnica. O que chamamos de versão oficial já não significa mais o regulamento espontâneo do mestre escolar ou dos órgãos de opinião pública, mas um instrumento político conscientemente manejado. Com os recursos de um sistema de comunicação cujo controle é centralizado, é possível sugerir conteúdos e situações, impondo versões oficiais por vias técnicas. Um exemplo de nossa atualidade onde nos deparamos com um movimento de linguagem em transformação foi a denominação da outra metade da Alemanha como DDR. Sabemos que essa denominação foi proibida por décadas pela versão oficial da burocracia e a sugestão de chamá-la de Mitteldeutschland possuía uma conotação acentuadamente política que não deve ser esquecida. Nesse caso, devemos deixar de lado todas as questões de conteúdo e considerar apenas o acontecimento como tal. A forma técnica em que hoje se forma a opinião confere à versão oficial estabelecida por uma central de controle uma influência que desfigura de forma particular o conformismo natural da sociedade. Um dos problemas da atualidade é harmonizar a política de formação de opinião, submetida a um controle centralizado, com as exigências racionais de co-determinar a vida da sociedade a partir de uma visão livre e de um juízo crítico. VERDADE E MÉTODO II COMPLEMENTOS 14.

Se concebermos o fenômeno da linguagem não a partir do enunciado isolado, mas a partir da totalidade de nosso comportamento no mundo, o qual é por sua vez também uma vida em diálogo, poderemos compreender melhor por que o fenômeno da linguagem é tão enigmático, atrativo e fugidio. O dizer é a ação de auto-esquecimento mais radical que podemos realizar como seres racionais. Todo mundo já fez a experiência de estar conversando e de repente estacar, sentindo que as palavras fogem no momento em que nelas se fixa a atenção. Isso pode ser ilustrado por um pequeno acontecimento que vivenciei com minha filha pequena: Ela tinha que escrever a palavra “morango” e perguntou como se escreve. Quando lhe disse como fazer, ela observou: “Engraçado, quando a escuto desse modo, já não consigo mais compreender a palavra. É só quando a esqueço que estou de novo nela”. Estar na palavra de modo a não estar diante dela como se estivesse diante de um objeto é por natureza o modo fundamental de todo comportamento na linguagem. A linguagem tem uma força de proteção e ocultamento de si mesma. O que acontece na linguagem é protegido contra o ataque da reflexão, mantendo-se resguardado no inconsciente. Quando percebemos essa essência ocultadora e protetora da linguagem, vemo-nos obrigados a ultrapassar as dimensões da lógica enunciativa e alcançar horizontes mais amplos. Dentro da unidade vital da linguagem, a linguagem da ciência é apenas um momento integrado. O que mais ocorre são as palavras que encontramos na linguagem filosófica, religiosa e poética. Nelas todas, a palavra é algo bem diferente do que o comércio com o mundo promovido pelas estruturas de auto-esquecimento. Somente aqui estamos em casa. E como ter um fiador do que se diz. Isso aparece claramente sobretudo no uso poético da linguagem. VERDADE E MÉTODO II COMPLEMENTOS 14.

A consciência da história dos efeitos realiza-se no elemento da linguagem. Podemos aprender dos pesquisadores pensantes que a linguagem, em sua vida e acontecer, não pode ser concebida como um mero fenômeno em transformação. O que atua nela é uma teleología como fator interno. Isso significa que as palavras que se formam, os recursos de expressão que figuram numa língua para se poder dizer determinadas coisas, não se fixam ao acaso, pelo simples fato de não desaparecerem. Significa, antes, que assim se constrói uma determinada articulação de mundo, um processo que atua como se fosse dirigido e que podemos sempre de novo observar na criança que está aprendendo a falar. Para isso, reporto-me a uma passagem de Aristóteles que gostaria de explicitar mais detalhadamente, uma vez que ela descreve de modo genial o ato da formação da linguagem, a partir de certa perspectiva. Trata-se do que Aristóteles chama de Epagoge, isto é, a formação do universal. Como se estabelece o universal? Na filosofia diz-se: “Ao conceito universal”; mas nesse sentido também as palavras são evidentemente o universal. Como se dá que elas sejam “palavras”, isto é, que tenham um significado universal? Encontramos ali a primeira [229] apercepção de um ser dotado de sentidos, mergulhado num mar de estímulos flutuantes, e um dia finalmente começa a conhecer algo. É claro que isso não significa dizer que antes estivesse cego. Quando dizemos “conhecer”, referimo-nos ao ato de “reconhecer”, e isso significa distinguir alguma coisa como a mesma na torrente de imagens passageiras. Isso que se distingue é fixado. Mas como? Quando é que uma criança conhece sua mãe pela primeira vez? Quando a vê pela primeira vez? Não. Quando então? Como se dá isso? Podemos afirmar que isso é um acontecimento único, onde se dá um primeiro conhecimento que arranca a criança das trevas da ignorância? Parece-me que não é exatamente assim. Aristóteles descreveu esse processo de maneira maravilhosa. Ele afirma que esse fenômeno é o mesmo que ocorre com um exército em fuga, tomado pela angústia do pânico. Nessa situação, por fim, um soldado começa a deter-se e sondar se o inimigo está realmente tão próximo. O exército não se detém pelo fato de um soldado se deter. Então detém-se um segundo soldado. O exército não se detém pelo fato de dois soldados se deterem. Mas quando se detém realmente um exército? De repente, ele se detém. De repente, volta a obedecer ao comando. No modo de Aristóteles descrever essa cena, encontramos um fino chiste de linguagem. Comando, em grego, significa Arché, isto é, principium. Quando é que o princípio se dá como princípio? Por que poder? Essa é na realidade a questão pelo estabelecimento do universal. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 17.

Mas o que faz a reflexão hermenêutica quando é efetiva? Qual a relação da reflexão histórico-efeitual com a tradição da qual ela se torna consciente? Minha tese é de que — e penso que ela seja a consequência necessária do reconhecimento de nosso condicionamento histórico-efeitual e de nossa finitude — a hermenêutica nos ensina a perceber o dogmatismo presente na contradição entre a tradição viva e “natural” e a apropriação reflexiva da mesma. Ai esconde-se um objetivismo dogmático que deforma também o conceito de reflexão. O sujeito que reflete, mesmo nas ciências da compreensão, não consegue evadir-se do contexto histórico-efeitual de sua situação hermenêutica, visto que sua compreensão sempre está implicada nesse acontecer. O historiador, mesmo aquele da chamada ciência crítica, está tão longe de desfazer-se das tradições vivas, por exemplo das tradições nacionais, que, enquanto historiador nacional, acaba ao contrário formando-as e conformando-as pela sua atuação. E o mais importante: quanto mais conscientemente reflete sobre seu condicionamento hermenêutico tanto mais atua. Droysen, que desmascarou a “objetividade eunuca” dos historiadores em sua ingenuidade hermenêutica, atuou decisivamente em favor de uma consciência nacional da cultura burguesa do século XIX — em todo caso, teve muito mais influência do que a consciência épica de Ranke, que buscava educar para uma apoliteia estatal. A compreensão é, ela mesma, um acontecimento. Só um historicismo ingênuo e irrefletido poderia considerar as ciências histórico-hermenêuticas como algo absolutamente novo, [241] capaz de eliminar o poder da tradição. Através do aspecto da estruturação da linguagem, como um fenômeno capaz de sustentar toda compreensão, procurei demonstrar inequivocamente a mediação constante pela qual sobrevive a tradição social. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 18.

Pois bem, essa filosofia neokantiana dos valores constituía uma base muito frágil. Muito mais influente seria o legado romântico do espírito alemão, o legado de Hegel e de Schleiermacher, administrado especialmente pelo trabalho de Dilthey em torno a uma fundamentação hermenêutica das ciências do espírito. O pensamento de Dilthey teve um horizonte mais amplo do que o da teoria do conhecimento do neokantismo, uma vez que assumiu toda a herança de Hegel: a teoria do espírito objetivo. Segundo essa teoria, o espírito não ganha corpo apenas na subjetividade de sua realização atual, mas também na objetivação de instituições, sistemas de ação e sistemas de vida como a economia, o direito e a sociedade, e assim, enquanto “cultura”, convertem-se em objeto de possível compreensão. A tentativa diltheyana de renovar a hermenêutica de Schleiermacher, demonstrando, por assim dizer, como fundamento das humaniora o ponto de identidade entre o que compreende e o compreensível, foi condenada ao fracasso porque a história apresenta um estranhamento e uma heterogeneidade demasiado profundos para que possam ser considerados tão confiadamente a partir da perspectiva de sua compreensibilidade. Um sintoma característico de ausência da “facticidade” do acontecer no pensamento de Dilthey é este ter considerado a autobiografia, portanto, o caso em que alguém expõe uma trajetória de vida, vivenciando-a retrospectivamente, como modelo de compreensão histórica. Na verdade, uma autobiografia é mais uma história das ilusões privadas do que a compreensão do acontecimento histórico real. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 23.

Há sem dúvida numerosas formas de conduta comunicativa pela linguagem que não se deixam submeter a essa finalidade. Trata-se de textos, na medida em que podem ser considerados tais ao aparecerem desligados de seus destinatários, por exemplo, em composições literárias. Mas, no próprio acontecimento comunicativo, eles opõem resistência a sua textualização. Vou destinguir três formas dessa linguagem para destacar, em seu pano de fundo, aquele que de modo eminente se torna acessível à textualização, ou melhor, o que realiza sua verdadeira vocação na figura textual. Essas três formas são os antitextos, os pseudotextos e os pré-textos. Chamo de antitextos àquelas formas de falar que resistem à textualização, porque nelas a situação de realização do diálogo é dominante. Delas faz parte qualquer tipo de chiste. O fato de não levarmos algo a sério, esperando realmente que seja compreendido como brincadeira, é um fenômeno que tem seu lugar no processo da comunicação e é ali que encontra sua sinalização: pode ser no tom de voz, no gesto que o acompanha ou na situação social etc. Mas não é possível, evidentemente, reproduzir essa expressão jocosa momentânea. É o que podemos ver também em outra forma clássica de entendimento recíproco: a ironia. O uso da ironia pressupõe um consenso comum prévio, que é seu pressuposto social. Quem diz o contrário do que pensa, mas está certo de que os outros sabem o que quer dizer, faz uso de uma situação de consenso funcional. A possibilidade de fixar por escrito essa “desfiguração”, que não é uma desfiguração, depende do grau de consenso comunicativo prévio e do acordo realmente existente. Conhecemos, por exemplo, o uso da ironia na antiga sociedade aristocrática, que inclusive passou diretamente para a forma escrita. O uso das citações clássicas, em geral degradando-as em sentido pejorativo, pertence a esse mesmo contexto. Isso serve também para a busca de uma solidariedade social, nesse caso, o controle superior dos pressupostos educativos, um interesse de classe e sua ratificação. Mas se as circunstâncias dessas condições de consenso não são tão claras, a passagem para a forma escrita torna-se problemática. O uso [348] da ironia representa, muitas vezes, uma tarefa hermenêutica extremamente árdua, e não é fácil de justificar a suposição de que se trata de ironia. Diz-se não sem razão que o tomar algo em sentido irônico não é mais que um ato de desespero do intérprete. No trato humano, ao contrário, há uma clara ruptura do consenso quando não se compreende a presença da ironia. Para que seja possível o chiste ou a ironia, é necessário um consenso básico. Por isso, quando alguém traduz seu modo irônico de expressar-se numa formulação inequívoca, isso dificulta grandemente o restabelecimento do entendimento entre as pessoas. Mesmo que isso seja possível, esse sentido unívoco da expressão assim obtido dista muito do sentido comunicativo do discurso irônico. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 24.

Todas as considerações que fizemos até o presente destinam-se a mostrar que a relação entre texto e interpretação muda radicalmente quando se trata dos denominados “textos literários”. No que se seguiu, nos casos em que se dava uma motivação para a interpretação e onde no processo comunicativo se constituía algo como um texto, tanto a interpretação quanto o texto propriamente dito estavam inseridos no acontecimento do entendimento. Isso correspondia ao sentido literal da palavra interpres, que designa a pessoa que faz a intermediação na fala. Esta é a função originária do intérprete que faz a mediação entre os interlocutores de diferentes idiomas e com seu discurso mediador une os que estão separados. Se nesse caso a mediação serve para superar a barreira do idioma estrangeiro, também quando aparecem obstáculos na compreensão da mesma língua se faz necessária essa mesma mediação. Nesse último caso estabelece-se a identidade do enunciado na medida em que se remonta à compreensão, ou seja, na medida em que é tratada como texto. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 24.

Em Heidegger repetiu-se uma irrupção parecida, e até mais vigorosa, do impulso originário da linguagem na esfera do pensamento. O que contribuiu muito para isso foi seu recurso consciente à originalidade da linguagem filosófica grega. Assim, em virtude da força intuitiva de suas raízes plantadas no mundo da vida, a “linguagem” retomou toda sua virulência e penetrou decisivamente no sutil artifício descritivo da fenomenologia husserliana. Era [362] inevitável que a própria linguagem se convertesse em objeto de sua auto-compreensão filosófica. Quando já em 1920, como eu mesmo posso testemunhar, partindo de uma cátedra alemã, um jovem pensador — Heidegger — começou a meditar sobre o significado de “mundear” (es weltet), isso representou uma brecha aberta na linguagem escolar da metafísica, que se pautava por uma linguagem sólida, mas inteiramente distanciada de suas origens. Esse fato representou ao mesmo tempo um acontecimento no âmbito da linguagem e a conquista de uma compreensão mais profunda da própria linguagem. A atenção que a tradição do idealismo alemão dedicou ao fenômeno da linguagem, desde Humboldt, os irmãos Grimm, Schleiermacher, Schlegel e por último Dilthey, e que deu um claro impulso à nova ciência da linguagem, sobretudo à linguagem comparada, permaneceu no âmbito da filosofia da identidade. A identidade do subjetivo e o objetivo, de pensamento e ser, de natureza e espírito se manteve até a filosofia das formas simbólicas inclusive, entre as quais destaca-se a linguagem. Como o ponto extremo desse fenômeno, encontramos a obra sintética da dialética hegeliana, que através de todas as contradições e diferenciações imagináveis, buscava restabelecer a identidade e elevar a originária ideia aristotélica do noesis noeseos a sua perfeição mais apurada. Foi assim que o parágrafo final da Enciclopédia de ciências filosóficas de Hegel o formulou, de um modo um tanto insolente. Como se a longa história do espírito tivesse dirigido todo seu esforço a uma única meta: tantae molis erat se ipsam cognoscere mentem, conclui Hegel evocando um verso de Virgílio. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 25.

Eu disse certa vez que “o sentido é sentido de direção”. E muitas vezes Heidegger utilizou-se de um arcaísmo ortográfico escrevendo a palavra Sein (ser) como Seyn para sublinhar seu caráter verbal. De modo parecido, deve-se ver minha tentativa de eliminar a herança da ontologia da substância, partindo da conversação e da linguagem comum, linguagem buscada e formada na conversação. Nessa linguagem o elemento determinante é a lógica de [370] pergunta e resposta. Ela abre uma dimensão de entendimento que transcende as expressões fixadas pela linguagem e, portanto, a síntese global no sentido da autocompreensão monológica da dialética. De certo, a dialética idealista não nega sua origem da estrutura fundamental especulativa da linguagem, como demonstrei na terceira parte de Verdade e método I. Mas, quando subordina a dialética a um conceito de ciência e de método, Hegel encobre na verdade sua procedência, sua origem na linguagem. A hermenêutica filosófica tem em mente assim a referência à unidade-dual especulativa que se desenrola entre o dito e o não dito, que na verdade precede a tensão dialética da contradição e sua superação num novo enunciado. Creio que a tentativa de converter em supersujeito o papel que eu reconheci na tradição, a saber, formular perguntas e projetar respostas, buscando reduzir, com isso, a experiência hermenêutica a uma parole vide, como fazem Manfred Frank e Forget, não passa de um erro grosseiro. Isso não encontra base alguma em Verdade e método. Em Verdade e método, tradição e diálogo não representam nenhum sujeito coletivo. Trata-se simplesmente de um coletivo para designar cada vez um texto concreto (no sentido mais amplo de texto, incluindo uma obra de pintura, um edifício e até mesmo um acontecimento natural). O diálogo socrático de cunho platônico é sem dúvida um gênero muito especial de conversação, conduzida por um interlocutor e seguida pelo outro, queira ou não. Mas ele serve de modelo para qualquer diálogo, porque nele não se refutam as palavras mas a alma do outro. O diálogo socrático não é nenhum jogo esotérico de disfarces para ocultar um saber mais fundamental. É a verdadeira realização da anamnesis, da recordação pensante, a única recordação possível para a alma decaída na finitude do corpóreo e que se realiza como conversação. O sentido da unidade especulativa que se realiza na virtualidade da palavra é justamente o fato de essa não ser uma palavra única nem um enunciado construído, mas ultrapassar tudo que é passível de ser enunciado. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 25.

Mas o que deve ser perguntado é se podemos usar esse conceito de estilo também como categoria histórica. A transposição do conceito de estilo cunhado pela história da arte para a história geral pressupõe que não tenhamos em mente os acontecimentos históricos em seu significado próprio, mas em sua pertença a um conjunto de formas de expressão que caracterizam sua época. O significado histórico de um acontecimento, porém, não precisa coincidir com seu valor cognitivo enquanto fenômeno de expressão, e seria errôneo crer ter esgotado sua compreensão por tê-lo compreendido como fenômeno de expressão. Se quiséssemos estender realmente o conceito de estilo à história geral, como foi discutido sobretudo por Erich Rothacker, esperando com isso adquirir um conhecimento histórico, seríamos obrigados a admitir que a própria história obedece a um logos interior. Isso pode ser válido para quem busca linhas evolutivas singulares. No entanto, uma tal divisão da história não seria uma história real, mas uma construção típico-ideal, válida apenas do ponto de vista descritivo, como já o mostrou Max Weber em sua crítica aos organicistas. Tanto uma consideração histórico-estilística do acontecer quanto uma consideração científico-artística, que pensa somente nos moldes histórico-estilísticos, não pode fazer justiça à determinação decisiva de que nela acontecem coisas, e não só que se desenvolvam processos compreensivos. Aqui batemos de frente com o limite da história do espírito. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS EXCURSO I

Assim, parece-me que Carl Schmitt decai para um falso historicismo ao interpretar politicamente, por exemplo, o fato de a culpabilidade da rainha ficar em aberto, vendo nisso um tabu. Na verdade, faz parte da realidade de um jogo deixar sempre uma infinidade de indeterminações pairando ao redor de seu tema. Um drama em que tudo é motivado, de ponta a ponta, tilinta como uma máquina. Seria uma realidade falsa, onde o acontecimento parece ser igual a uma conta. Torna-se um jogo real, antes, quando permite que o espectador compreenda não tudo, mas pelo menos um pouco mais do que costuma compreender nas atitudes ativa e passiva de seu dia-a-dia. Quanto mais coisas ficarem em aberto, mais livre será a compreensão, isto é, a transposição do que é mostrado no jogo para o próprio mundo e por certo também para o próprio mundo das experiências políticas. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS EXCURSO II

Se na atitude de deixar em aberto vemos intenções políticas, como faz Carl Schmitt quando fala do tabu da rainha, então, passamos ao largo do real significado do jogo, ou seja, o colocar-se em jogo testando e experimentando possibilidades. O desenrolar-se do jogo não está empatriado num mundo fechado da aparência estética. Realiza-se como uma constante investida e posicionamento no tempo. A pluralidade produtiva que constitui a essência da obra de arte é uma outra expressão para a determinação da essência do jogo, a saber, o de tornar-se cada vez um evento novo. Nesse sentido fundamental, a compreensão das ciências do espírito concorda plenamente com a experiência imediata da obra de arte. A própria compreensão produzida pela ciência permite o desenvolvimento da dimensão de sentido da tradição e consiste, ela própria, na experimentação e comprovação dessa dimensão de sentido. É justamente !81] por isso que também ela se constitui em acontecimento, como foi mostrado no decorrer desta investigação. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS EXCURSO II

Como demonstrou E. Wolf, a Repraesentatio, no sentido de “representação” no palco — o que na Idade Média só podia referir-se aos autos religiosos — , já pode ser encontrada nos séculos XIII e XIV. É por isso que representatio não significa, por exemplo, encenação, mas, até no século XVII adentro, se refere à presença representada do próprio divino, que acontece no jogo litúrgico. Ocorre, portanto, também aqui, o mesmo que se dá no conceito canônico-jurídico, a saber, a reformulação da palavra latina clássica é promovida pela nova compreensão teológica do culto e da Igreja. A aplicação da palavra ao próprio jogo (representação) — em vez de aplicá-la ao que nele se representa — é um acontecimento absolutamente secundário, que pressupõe a desvinculação do teatro de sua função litúrgica. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS EXCURSO VI

O ponto central da teoria sistemática do conhecimento histórico é, sem dúvida, a doutrina da reprodução da experiência do passado (Re-enactment). Com ela, situa-se no front daqueles que lutam contra “o que se pode chamar de interpretação positivista, ou melhor, mal-interpretação positivista do conceito de história” (239). A verdadeira tarefa dos historiadores seria “penetrar no pensamento dos que sustentam a história, cujas ações eles investigam”. É difícil traduzir para o alemão e determinar corretamente o que Collingwood tem em mente aqui com o termo “pensar”. O conceito de “ato” tem, em alemão, referências bem distintas das que o autor inglês tem em mente. A reprodução do pensamento das pessoas que atuam (ou também dos pensadores) não significa, em Collingwood, propriamente os reais atos psíquicos dos mesmos, mas seus pensamentos, isto é, o que, enquanto o mesmo, pode ser novamente pensado, em se voltando a pensar. O conceito do pensar deve abarcar também o que se chama de espírito comum (o que o tradutor chama, numa infeliz formulação, de “Gemeinschaftsgeist” “espírito de comunidade”) de uma corporação ou de uma época (230). Mas é curioso como a vivacidade desse “pensar”, quando por exemplo Collingwood considera a biografia como anti-histórica por não estar fundamentada no “pensar”, mas num acontecimento da natureza. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 27.

Na minha opinião, foi isso que marcou a orientação do debate hermenêutico mais recente. A própria fé nessa história deve ser compreendida como um acontecimento histórico, como um apelo [406] da palavra de Deus. Isso vale já para a relação do Antigo com o Novo Testamento. Também pode ser compreendido (segundo Hofmann, por exemplo) como a relação existente entre a profecia e sua realização, de modo que a própria profecia que fracassa historicamente só pode ser determinada em seu sentido a partir de sua realização. A compreensão histórica das profecias vétero-testamentárias não prejudica em nada o sentido do anúncio que elas recebem a partir do Novo Testamento. Ao contrário, o acontecimento salvífico anunciado no Novo Testamento só pode ser compreendido como um acontecimento verdadeiro quando sua profecia não é uma mera “reprodução do fato futuro”. É importante salientar sobretudo que o conceito de autocompreensão da fé, o conceito fundamental da teologia bultmanniana, possui um sentido histórico (e não idealístico). VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 27.

A atual discussão hermenêutica que se apoia em Bultmann parece querer superá-lo apenas numa certa direção. Se para Bultmann o apelo do anúncio cristão se dirige ao homem, no sentido de que deve renunciar à vontade de dispor de si mesmo, a própria convocação desse apelo é de certo modo uma experiência privada que o homem faz enquanto dispõe de si mesmo. Nesse sentido, Bultmann interpretou o conceito heideggeriano da inautenticidade da pre-sença de uma maneira eminentemente teológica. Em Heidegger, porém, a inautenticidade não está ligada à autenticidade no mesmo sentido em que a decadência é tão própria à existência humana quanto a “decisibilidade”, e que o pecado (a falta de fé) lhe é tão próprio quanto a fé. Em Heidegger, a origem comum de autenticidade e inautenticidade ultrapassa o ponto de partida baseado na autocompreensão. É a primeira forma sob a qual, no pensamento de Heidegger, o próprio ser veio à fala em sua polaridade de desvelamento e velamento. Assim como Bultmann se apoia na analítica existencial da pre-sença, de Heidegger, para explicitar a existência escatológica do homem entre fé e falta de fé, pode-se também tomar esta dimensão da questão do ser a partir do ponto de vista teológico, na medida em que se traz para a “linguagem da fé” o significado central que possui a linguagem nesse acontecimento do ser. Essa dimensão aparece melhor explicitada no Heidegger tardio. Já na discussão hermenêutica feita por Ott, marcada por um tom altamente especulativo, encontramos uma crítica dirigida a Bultmann, muito próxima à Carta sobre o humanismo de Heidegger. Corresponde à sua própria tese positiva, p. 107: “A linguagem, na qual ‘vem à fala’ a realidade, na qual e com a qual se realiza a reflexão sobre a existência humana, essa linguagem acompanha a existência em todas as épocas de seu acontecer”. Creio que também as ideias hermenêuticas do teólogo Fuchs e Ebeling têm sua origem no Heidegger tardio, na medida em que priorizam decisivamente o conceito da linguagem. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 27.

O artigo intitulado Übersetzung und Verkundigung (Tradução e anúncio) esclarece melhor em que sentido essa doutrina hermenêutica busca ultrapassar a interpretação existencial proposta por Bultmann. Sua orientação básica é o princípio hermenêutico da tradução. Esse princípio é indiscutível: “A tradução deve criar o mesmo espaço que queria criar um texto quando o espírito se pronunciou nele” (409). Mas, frente ao texto — e esta é uma consequência audaz e inevitável — , a palavra tem a primazia, pois é acontecimento da linguagem. Isso deve deixar claro que a relação entre palavra e pensamento não é no sentido de que a palavra expressa só alcança o pensamento a posteriori. A palavra é como um raio certeiro. A seguinte afirmação de Ebeling vem de encontro a isso: “Na realização da pregação, o problema hermenêutico experimenta sua densidade mais extrema”. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 27.

Nesse sentido, a dimensão da teoria da ciência foi radicalmente ultrapassada. Nessa teoria, desde Dilthey até Betti o pensamento idealista foi utilizado em função da hermenêutica. Schleiermacher já havia destacado a conexão interna existente entre falar, compreender e interpretar, dissolvendo a vinculação tradicional do tema hermenêutico a “manifestações vitais fixadas por escrito” (Dilthey). Com isso, restituiu o caráter hermenêutico ao diálogo vivo. Mas também no estreitamento epistemológico que hermenêutica voltou a sofrer no século XIX não se puderam esconder as dificuldades que se opunham a uma teoria geral da interpretação inspirada no idealismo. O fato de a hermenêutica jurídica, que reivindica uma função legislativa, dever conectar-se à área da metodologia hermenêutica das ciências do espírito tornava-se tão obscuro como o sentido reprodutivo da interpretação que desempenha papel tão importante no teatro e na música. Ambos indicam para além da problemática inerente à teoria da ciência. Isso vale também para a teologia. Pois, mesmo que a hermenêutica teológica não lance mão de nenhuma outra fonte de inspiração ou de revelação para o ato de compreensão da Sagrada Escritura, o acontecimento querigmático da interpretação da Bíblia, como se dá na pregação ou no cuidado pastoral individual, enquanto fenômeno hermenêutico, não pode ser simplesmente desqualificado nem reduzido à problemática científica da teologia. Desse modo, foi preciso interrogar qual a necessidade de se abordar a unidade do problema hermenêutico num âmbito que ultrapassa a teoria da ciência e apreender o fenômeno da compreensão e da interpretação em um sentido mais originário. Mas então deveríamos ultrapassar também a ampliação universal da hermenêutica feita por Schleiermacher e sua fundamentação na unidade do pensamento e da fala. Isso porque deveríamos englobar também a hermenêutica jurídica, que antes estava estreitamente ligada à hermenêutica teológica, porque ambas incluíam “interpretação” e aplicação, isto é, o emprego de algo normativo ao caso particular. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 28.

Isso coincidiu com a guinada empreendida pela crítica anglo-saxã da linguagem, que partia de uma reflexão sobre o ideal de uma linguagem lógica artificial, plenamente unívoca. No lugar do [429] cálculo lógico degradado em simples disciplina técnica auxiliar e da axiomatização da linguagem, apareceu a análise da linguagem realmente falada (ordinary language). De princípio, a intenção da crítica à metafísica permaneceu intocada, mas vinha associada à expectativa positiva de que a nova orientação rumo à linguagem viva, falada, não apenas ensinava a desmascarar problemas aparentes, como a resolvê-los. Essa guinada teve ampla repercussão, sobretudo com a publicação da obra póstuma de Wittgenstein Investigações filosóficas (1953). Esse escrito continha uma crítica expressa aos próprios pressupostos nominalistas presentes em seu Tractatus (1921) e à orientação da Escola de Viena, sobretudo de Carnap. A ideia de uma normatização da linguagem presidida pelo ideal da univocidade foi substituída pela teoria dos jogos de linguagem. Cada jogo de linguagem é uma unidade funcional que representa como tal uma forma de vida. A filosofia continua sendo crítica da metafísica e da linguagem, mas sob a base de um acontecimento hermenêutico levado a cabo por uma historicidade interna interior. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 28.

Tampouco a fundamentação do conceito de consciência em uma rigorosa fenomenologia da temporalidade, como a que persegue Husserl no esforço de toda sua vida, transcende esse conceito grego de presença. Daí, o problema da linguagem não alcançar no pensamento da tradição o lugar central que hoje lhe outorgamos. Nem Hegel nem Husserl abordaram expressamente esse problema, e mesmo as fundamentações modernas do conhecimento com os recursos da semântica e de uma semiótica universal não conferem o lugar central que deve ser atribuído ao acontecimento da linguagem como tal. O debate hermenêutico moderno colocou o fenômeno do diálogo no centro das discussões, porque a linguagem só se dá, se forma, se amplia e atua no diálogo. Em todo caso, o fenômeno da compreensão sustenta-se no caráter de linguagem desse processo, sem implicar por isso a unilateralidade da teoria psicológica da interpretação de Schleiermacher. A dimensão hermenêutica permanece caracterizada, antes, justamente pelo caráter escrito de todo fenômeno de linguagem. Se há um modelo que pode ilustrar realmente as tensões presentes na compreensão, esse é o modelo da tradução. Na tradução apropria-se o estranho enquanto tal, o que não significa deixá-lo estar como estranho nem incorporá-lo na própria língua pela mera reprodução de seu caráter estranho. Nela fundem-se, antes, os horizontes do passado e do presente num constante movimento, como o que constitui a essência da compreensão. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 28.

Tornamo-nos mais ou menos cegos para essa tarefa por causa da ciência moderna e sua generalização filosófica. No Fédon de Platão, Sócrates coloca a exigência de compreender a estrutura cósmica e o acontecimento natural do mesmo modo que ele compreende o motivo por que está encarcerado e não aceitou a oferta de fuga, a saber, porque considerou bom para ele aceitar inclusive uma sentença injusta. Compreender a natureza como Sócrates se compreende a si mesmo aqui é uma exigência que a física aristotélica realizou a seu modo. Mas essa exigência não é compatível com o que representa a ciência desde o século XVII e com o que possibilitaram a ciência da natureza e do domínio da natureza sustentado por aquela. É exatamente essa a razão por que a hermenêutica e suas consequências metodológicas aprenderam muito menos da teoria da ciência moderna do que de outras tradições mais antigas que convém recordar. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 30.

Para ver que a obra poética se constitui num corretivo do ideal da definição objetiva e da hybris dos conceitos, não precisei seguir o pensamento de Heidegger quando, armado com os poemas de Hölderlin, enfrentou Hegel e interpretou a obra de arte como um acontecimento originário da verdade. Pude constatar isso com meus primeiros ensaios no campo do pensamento. Isso sempre deu o que pensar a minha própria orientação hermenêutica. A tentativa hermenêutica de analisar a linguagem partindo do diálogo — uma tentativa ineludível para um discípulo permanente de Platão — significa em última instância a superabilidade de qualquer fixação mediante o avanço do diálogo. Assim, a fixação terminológica, adequada no campo construtivo da ciência moderna e de seu objetivo de permitir a todos o acesso ao saber, torna-se suspeita na esfera dinâmica do pensamento filosófico. Os grandes pensadores gregos preservaram a mobilidade de sua própria linguagem inclusive nas ocasiões em que lançaram mão dessa fixação conceitual, a saber, na análise temática. Existe, no entanto, uma escolástica antiga, medieval, moderna e novíssima. Ela acompanha a filosofia como sua sombra. Isso significa que se pode avaliar a qualidade de um pensamento pela sua capacidade de quebrar as fossilizações existentes na linguagem filosófica tradicional. O ensaio programático de Hegel, manejado por seu método dialético, teve no fundo muitos antecedentes. Mesmo um pensador tão cerimonioso como Kant, que jamais deixou de lado o latim escolástico, encontrou sua “própria” linguagem, evitando neologismos, é verdade, mas extraindo numerosos significados novos dos conceitos tradicionais. Também o alto status de Husserl se determina frente ao neokantismo de sua época e da anterior pela força intuitiva de seu intelecto, que soube fundir as expressões tradicionais com a flexibilidade descritiva de seu vocabulário. Heidegger amparou-se precisamente no exemplo de Platão e de Aristóteles para justificar a novidade de sua criação de linguagem, e seus seguidores têm sido muito mais numerosos do que se poderia esperar diante das primeiras reações de assombro e escândalo. A filosofia, diferentemente da ciência e [507] da práxis da vida, defronta-se com uma dificuldade toda própria. A linguagem que falamos não foi feita para as finalidades do filosofar. A filosofia vê-se acometida de uma carência constitutiva de linguagem, e essa carência se faz sentir ainda mais quando o filósofo decide pensar com ousadia. Costuma ser característico do diletante o afã em “formar” conceitos arbitrários e “defini-los” com muita avidez. O filósofo reanima a força intuitiva da linguagem, e as ousadias e violências de linguagem podem ser pertinentes, quando ele consegue fazer com que penetrem na linguagem dos que pensam e seguem com ele. Isso significa, quando essa linguagem dinamiza, estende, ilumina unicamente o horizonte do entendimento. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 30.