Assim, os termos «técnica», «língua», «tradição», tal como os escutamos, falam-nos, [9] não nos deixam indiferentes. Tanto como saber se neles nos fala aquilo que hoje é, isto é, aquilo que nos tocará amanhã e que já ontem nos atingia. Também tentaremos no presente por nossa conta e risco indicar a direcção de uma meditação. Em que é que existe aqui um risco? Na medida em que meditar significa despertar o sentido para o inútil. Num mundo para o qual não vale senão o imediatamente útil e que não procura mais que o crescimento das necessidades e do consumo, uma referência ao inútil fala sem dúvida, num primeiro momento, no vazio. Um sociólogo americano reconhecido, David Riesman, em A multidão solitária 1, verifica que na sociedade industrial moderna o potencial de consumo deve, para assegurar o seu fundo (Bestand), tomar a dianteira sobre o potencial de tratamento das matérias-primas e sobre o potencial de trabalho. Contudo, as necessidades definem-se a partir daquilo que é tido por imediatamente útil. Que deve e que pode ainda o inútil face à preponderância do utilizável? Inútil, de maneira que nada de imediatamente prático pode ser feito, tal é o sentido das coisas. É por [10] isso que a meditação que se aproxima do inútil não projecta qualquer utilização prática, e portanto o sentido das coisas é que se afigura como mais necessário. Porque se o sentido faltasse, o próprio útil ficaria desprovido de significação e por conseguinte não seria útil. Em lugar de discutir esta questão em si própria e de lhe responder, escutemos um texto retirado dos escritos do velho pensador chinês Tchouang-Tseu 2, um discípulo de Lao-Tseu:
A árvore inútil
«Houi-Tseu dirigiu-se a Tchouang-Tseu e disse: “Eu tenho uma grande árvore. As pessoas chamam-lhe a árvore dos deuses. O seu tronco é tão nodoso e disforme que não se pode cortar a direito. Os seus ramos são tão torcidos e tortos que se não podem trabalhar com peso e medida. Está à beira do caminho, mas nenhum marceneiro a olha. Assim são as vossas palavras, senhor, e todos se afastam de vós ao mesmo tempo.”
Tchouang-Tseu respondeu: “Nunca [11] haveis visto uma marta que se põe à espreita com o corpo encolhido e que espera que qualquer coisa aconteça? Ela vai e vem correndo sobre as traves e não se impede de dar saltos elevados até que um belo dia cai numa armadilha onde perece por um laço. E depois há também o yak. É grande como uma nuvem de tempestade; eleva-se no seu poder. Mas não pode apanhar os ratos. Da mesma maneira vós tendes uma grande árvore e lamentais que não sirva para nada. Porque não a plantais numa terra deserta ou num campo vazio? Aí poderíeis passear na sua proximidade ou dormir à vontade sobre os seus ramos sem nada fazer. O machado e a machadinha não lhe reservam um fim prematuro e ninguém lhe pode fazer mal.
Como é bom que nos preocupemos com uma coisa que não tem utilidade!”»
Dois textos semelhantes encontram-se numa outra passagem de Tchouang-Tseu, com algumas modificações.
Eles ajudam a compreender que não é necessário preocupar-se com o inútil. O intangível e o durável assim também são pela sua inutilidade. Também é cometer um contra-senso aplicar ao inútil a medida da [12] utilidade. O inútil tem a sua grandeza própria e o seu poder determinante na sua maneira de ser: com ele nada se pode fazer. É desta maneira que é inútil o sentido das coisas.
Se arriscarmos deste modo uma meditação sobre os elementos e sobre a conjuntura que nomeiam as palavras «técnica», «língua», «tradição», uma tal tentativa não contribui em nada no imediato para um tipo de reflexão que procure estabelecer uma organização prática do ensino neste curso pedagógico. No entanto, pode ser que a perspectiva do inútil abra um horizonte que determine constantemente e em todos os lugares o conjunto das reflexões sobre a prática pedagógica, mesmo que tal não seja o nosso centro de atenção.