GA38: “Nós”

Borges-Duarte

Apesar disso nós perguntavamos: “quem somos nós mesmos?”. Assim, evitámos a equiparação de eu e do si mesmo. Nós temos aí ainda a vantagem de que a pergunta – quem somos nós mesmos? – é actual, ao contrário da época do liberalismo, o tempo do eu. Supõe-se que agora seja o tempo do nós. Isto pode ser correcto e, porém, é insignificante, ambíguo e superficial, pois nós podemos ser uns seres quaisquer, que se juntaram por quaisquer razões duvidosas. “Nós” -assim fala também uma qualquer multidão anônima. “Nós!” – assim grita também uma massa revolucionária, vangloria-se também o clube de bowling. “Nós!” – deste modo um bando de ladrões combina um encontro. O nós por si só não é suficiente. Tal como o eu pode diminuir e fechar o verdadeiro si mesmo, de modo igualmente certo pode também um nós destruir o si mesmo, massificar, incitar e até empurrar para o crime.

Com a exclamação “nós!” podemos falhar o nosso si mesmo do mesmo modo que numa glorificação do eu. Inversamente, podemos encontrar o nosso ser si mesmo tão certamente no caminho do eu como no caminho do vós, do nós, pois em todos aqueles importa o ser si mesmo, a determinação do si mesmo. Isso quer dizer: o nós, junto do qual agora nos detemos com a pergunta “quem somos nós mesmos?”, o nós, também no sentido de uma genuína comunidade, não tem simplesmente e mcondicional-mente a primazia e isso vale também para comunidade. Há coisas essenciais e decisivas para uma comunidade e precisamente estas coisas não surgem na comunidade, mas sim na força contida e na solidão de um indivíduo. Pensa-se que depende da comunidade. Pensa-se que, se dez ou trinta pessoas novatas e ignorantes se juntam dias a fio e tagarelam, então nascerá uma comunidade ou uma genuína relação. Esta ilusão de acampamento [Lagerwahn] 1 é manifestação oposta a todo o acampamento [Lager].

Nem o nós em relação ao eu, nem inversamente o eu em relação ao nós têm, sem mais, uma primazia – enquanto neste caso a tarefa não estiver compreendida e não for colocada para os homens sábios. O futuro aperfeiçoamento colocar-nos-á ainda diante de tarefas não habituais e forçar-nos-á a encontrar a autêntica fronteira interna de uma comunidade. Há coisas que são decisivas para um acampamento, mas o essencial não surge num acampamento nem a partir de um acampamento, mas antecipadamente.

Deste modo, o nós tem uma plenitude de mistérios em si, que nós só dificilmente esgotamos e que acima de tudo não conseguimos compreender, quando tomamos o nós como um simples plural. Por conseguinte, quando nós colocamos a pergunta pela essência do homem na forma do quem e quando colocamos a pergunta pelo quem na forma do nós, então ainda nada está decidido sobre a autodeterminação do si mesmo. (GA38IBD:102-103)

Gregory & Unna

We asked nevertheless, “Who are we ourselves?” With this, wc avoided the equation of I and self. At the same time, we have, in addition, the advantage that the question of who we ourselves are is timely, as distinguished from the time of liberalism, the I-time. Now is We-time. That might be right, and yet it is trivial, [it] is ambiguous and on the surface, for we can indeed be any beings [who have] come together because of any dubious reasons. “We!” – in this manner, also any nameless crowd speaks. “We!” – in this manner cries also the revolting mass, also the bowling team brags. “We!” – in this manner also a band of robbers arranges to meet. The We alone will not do. Just as the I can constrain and close off the actual self, just as surely can also a We disperse the self-being, turn into herds, incite and even drive to crime.

With the cry “We!” we can miss our self in the same way as in a glorification of the I. Conversely, we can, however, also just as properly find our self-being by way of the I as by way of the [plural] You and We; for all that, it is a matter of the self-being, of the determination of the self. That means: The We, at which we now stop with the question “Who are we ourselves?” the We, also in the sense of genuine community, does not have the preeminence simply and unconditionally, and that also in relation to the community. There are things that are essential and decisive for a community, and precisely these things do not arise in the community, but in the disciplined strength and solitude of an individual. One believes [that] the community is responsible for it; one believes [that] if ten or thirty unprepared and ignorant people squat together and babble day after day, then a community or a genuine relation results. This camp delusion is the counter-appearance of any camp.

Neither does the We take precedence before the I, nor, conversely, the I before the We without further ado – as long as in this case the task is not grasped and posed for wise human beings. The future develop ment will still place us before unusual tasks and compel us to find the genuine inner limit of a community. There are things that are decisive for a camp, but precisely that which is essential does not grow in the camp and out of the camp, but beforehand.

Thus, the We has a fullness of mysteries in itself, which we can exhaust only with difficulty and which we cannot at all grasp, if we take the We only as plurality. If, therefore, we pose the question concerning the essence of the human being in the form of the Who and the Who-question further in the form of the We, then nothing is decided yet about the self-determination of the self.

We ask again: “Who are we ourselves?” – Whither has the question brought us? (GA38GU:45-46)

  1. No período do nacional-socialismo eram realizados acampamentos para jovens, que se reuniam para marchar, cantar e receber endoutrinação nazi.[]