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Kant und das Problem der Metaphysik [GA3]

GA3 – as quatro questões de Kant

§ 38. A pergunta sobre a essência do homem e o resultado autêntico da fundamentação kantiana

terça-feira 18 de agosto de 2020, por Cardoso de Castro

Excerto de HEIDEGGER, Martin. Kant   e o problema da metafísica. Tr. Alexandre Franco de Sá (Universidade de Coimbra) e Marco Antônio Casanova   (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Rio de Janeiro: Via Verita, 2019, p. 217-219

Kant y el problema de la metafísica (epub)

Só poderemos colocar esta quarta pergunta [o que é o homem?] como ela quer ser colocada, se a elaborarmos como pergunta a partir da compreensão que agora se adquiriu do resultado da fundamentação, renunciando a uma resposta demasiado apressada.

Trata-se de perguntar: porque se podem “referir” à quarta as três perguntas (1. Que posso saber?, 2. Que devo fazer?, 3. Que me é permitido esperar?)? Por que “se poderia… enquadrar contar tudo isto na antropologia”? Que é que estas três perguntas têm em comum, em que perspectiva estão de tal modo unidas que podem ser reconduzidas para esta única quarta pergunta? Como tem de perguntar esta quarta pergunta ela mesma, para que possa acolher e transportar em si unitariamente aquelas três?

O mais intrínseco interesse   da razão humana une em si as mencionadas três perguntas. Está aí em questão um poder, um dever-ser e um ter permissão da razão humana.

Onde um poder se torna questionável e se quer circunscrever nas suas possibilidades, ele mesmo está já num não-poder. Um ser omnipotente não precisa perguntar: o que posso, isto é, o que não posso? Ele não apenas não precisa perguntar dessa maneira, mas ele não pode, segundo a sua essência, colocar esta pergunta em geral. Contudo, este não-poder não é nenhuma falha, mas a intocabilidade por qualquer falha e qualquer “não”. No entanto, quem pergunta “que posso?” testemunha, com isso, uma finitude. Aquilo que é completamente movido, no seu mais íntimo interesse, por esta pergunta manifesta uma finitude no mais íntimo da sua essência.

Onde um dever-ser é questionável, o ser questionante oscila entre “sim” e “não”, é inquietado por aquilo que não deve. Um ser que, desde o fundo, está interessado num dever-ser, sabe-se num ainda-não-ter-cumprido, de tal modo que se lhe torna questionável o que ele em geral deve. Este ainda-não de um cumprir que ainda está ele mesmo indeterminado dá testemunho de que um ser cujo mais íntimo interesse esteja num dever-ser é, no fundo, finito.

Onde um ter permissão se torna questionável, emerge aquilo que é consentido ou que é negado ao questionante. Pergunta-se por aquilo que pode e não pode ser colocado na esperança. Contudo, todo o esperar manifesta uma privação. E se esta falta desperta no mais íntimo interesse da razão humana, então esta atesta-se como uma razão essencialmente finita.

Só que a razão humana não trai apenas a finitude nestas perguntas, mas o seu mais íntimo interesse incide sobre a própria finitude. Trata-se, para ela, não de eliminar o poder, o dever-ser e o ter permissão, ou seja, não de dissolver a finitude, mas, pelo contrário, de precisamente se tornar certo dessa finitude e de se manter nela.

A finitude não está, portanto, simplesmente associada à razão humana pura, mas a sua finitude é finitização, isto é, “cuidado” pelo poder-ser-finito.

Daqui resulta o seguinte: a razão humana não é apenas finita porque coloca as mencionadas três perguntas, mas, pelo contrário, ela coloca estas perguntas porque é finita; e de tal modo finita que, no seu ser-razão, se trata dessa finitude ela mesma. E porque estas três perguntas interrogam esta única, a finitude, que “se deixam referir” à quarta: que é o homem?

Contudo, estas três perguntas não apenas se deixam referir à quarta, mas não são outra coisa em si, em geral, do que esta pergunta, isto é, elas têm de ser referidas, segundo a sua essência, a esta pergunta. Mas esta referência só é essencialmente necessária se esta quarta pergunta tiver abandonado a universalidade e indeterminação com que primeiro é dada, sendo trazida àquela inequivocidade, de acordo com a qual se pergunta nela sobre a finitude no homem.

Enquanto tal pergunta, ela não apenas está corretamente colocada depois das três primeiras, mas transforma-se na primeira que dispensa a partir de si as três restantes.

Mas, com este resultado, apesar de toda a determinação da pergunta sobre o homem, e precisamente por ela, o problema desta pergunta é primeiro que tudo intensificado. Torna-se questionável que pergunta sobre o homem esta pergunta é, se ela, em geral, ainda pode ser uma pergunta antropológica. Só agora se esclarece o resultado da fundamentação kantiana com uma intensidade que nela se torna visível uma possibilidade mais originária da repetição.

A fundamentação da metafísica funda-se na pergunta sobre a finitude no homem, de tal modo que só agora essa finitude se pode tornar problema. A fundamentação da metafísica é “dissolução” (analítica) do nosso conhecimento, isto é, do conhecimento finito nos seus elementos. Kant   chama-lhe um “estudo da nossa natureza interior”. Mas esse estudo não é apenas um perguntar sobre o homem ocasional e desorientado, mas “mesmo para o filósofo um dever”, contanto que a problemática a partir da qual é essencialmente conduzido seja concebida de um modo suficientemente originário e abrangente, problematizando-se a partir daí a “natureza interna” “do nosso” si-mesmo enquanto finitude no homem.


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