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Beneval de Oliveira: A Questão do Método na Filosofia Heideggeriana segundo Ernildo Stein

Introdução

quarta-feira 6 de outubro de 2021

Resenha da obra de Ernildo Stein  : ‘A questão do método na Filosofia. Um estudo do modelo Heideggeriano’

No parágrafo 7 de Ser e Tempo   sob a epígrafe O método fenomenológico de nossa pesquisa, M. Heidegger observa que desembaraçar o ser do ente e explicitá-lo são as tarefas da ontologia. Adverte, entretanto, que o método da ontologia permanece contestável no mais alto grau tanto que não se questiona senão em torno de ontologias tradicionais.

Toma, então, o autor de Ser e Tempo   uma posição de afastamento daquelas concepções metafísicas tradicionais que se dão como disciplinas já constituídas. Na verdade, nada se pode construir senão a partir de necessidades inerentes às questões precisas e a partir de um método inspirado pelas exigências das "coisas elas mesmas".

Proclama que o método que vai adotar para desenvolver a sua filosofia será o fenomenológico. A expressão fenomenologia já consubstancia um método.

A fenomenologia se insere numa ontologia da finitude, o homem está desvelando-se e ocultando-se, no acontecer do próprio ser. Ontologia diferente, não há dúvida, das ontologias existentes, não coincidindo com nenhuma disciplina filosófica tradicional, a uma disciplina já constituída.

Razão por que a palavra grega Phainomenon a que se reporta o vocábulo fenômeno deriva ele mesmo do verbo phainestai que quer dizer mostrar-se; fenômeno significa isto que se mostra ou se manifesta. Phainestai, diz Heidegger é o infinitivo de Phaino, por na claridade, na luz, na clareza. Os fenômenos são pois o conjunto disto que pode ser levado à luz, podendo mostrar-se de diversas maneiras, segundo o modo de acesso a ele. O homem é luz natural, revela-se por si próprio, é apofântico, é desvelante no que se revela, o ser revela-se no ente, ou nos entes, ser do ente que os gregos significavam como ta onta [1].

Então, como já vimos, a fenomenologia designa, em primeiro lugar, um conceito real de método. Ela não caracteriza o conteúdo real dos objetos, mas a maneira da qual ela procede.

Fenômeno e logos formam uma só estrutura, pois o logos é isto que retira da obscuridade o ente do qual ele fala. Ora, o que está encoberto no ser surge no ente ou seja no ser do ente.

Assim o ser tem aqui a sua significação puramente apofântica e quer dizer fazer ver alguma coisa como isto ou aquilo.

Repetimos: fenomenologia é fazer vir de si mesmo, aquilo que se manifesta.

Prosseguindo em Heidegger, assinalamos "que a fenomenologia é o modo de acesso a isto que deve vir a ser o tema da ontologia, ela é o método que permite determinar este objeto, legitimando-o. A ontologia não é possível senão como fenomenologia que informa somente sobre a maneira como isto será tratado, porque este conceito fenomenológico visa a ser do ente no seu sentido, isto é, em suas modificações e derivações. Logo, ontologia e fenomenologia não são duas disciplinas diferentes [2].

Ernildo Stein   que, entre nós, tem pesquisado com profundidade a filosofia heideggeriana  , assinala que a questão do método, isto é, a questão da "escolha do caminho", a questão da conquista e fundamentação de uma segurança fixada pelo próprio homem, passa para o primeiro plano. "Método", diz ele, não deve ser compreendido aqui metodologicamente como método de investigação e pesquisa, mas metafisicamente como caminho para uma determinação essencial da verdade, que pode ser fundamentada exclusivamente pela capacidade do homem. O verdadeiro é apenas o seguro, o certo. Verdade é certitude e para esta permanece decisivo que nela sempre o homem como sujeito esteja certo e seguro de si mesmo. Por isso, para a garantia da verdade como certitude, é necessário, em sentido essencial, o procedimento, o garantir previamente o método que recebe agora um peso metafísico, que é por assim dizer suspenso na essência da subjetividade… método é agora o nome para pô-lo a seguro como objeto para o sujeito. Neste sentido metafísico entende Descartes   methodus quando afirma : Necessaria est methodus ad rerum veritatem investigandam [3]. Heidegger traduz : "Necessário (essencialmente necessário) é o método para descobrir as pegadas da verdade (certitude) do ente e para segui-las". Concluí: "Em comparação com o método assim entendido, todo o pensamento medieval é essencialmente destituído de método" [4].

Reportando-se, agora, ao método em Hegel  , Stein acentua que Heidegger situa-o dentro do pensamento da subjetividade. Método não é mais, no entanto, simplesmente o instrumento para garantir a verdade como certitude para o sujeito. Em sua conferência que traz o título Hegel   e os gregos, Heidegger afirma: "Hegel   designa a dialética especulativa também simplesmente o método. Com esta expressão ela não se refere nem a um movimento de representação, nem apenas a uma particular maneira de a Filosofia proceder. O método é o mais íntimo movimento da subjetividade "a alma do ser", o processo de produção através do qual a tessitura da totalidade da realidade do absoluto é efetivada… O primeiro livro de Descartes  , Filósofo, através do qual, segundo Hegel  , e, como ela, a Ciência Moderna pisou terra firme traz o título Discours de la méthode (1637). O método, prossegue Stein, quer dizer a dialética especulativa, é para Hegel   o rasgo fundamental de toda a realidade. O método determina, por isso, enquanto tal movimento, tudo o que aconteceu, isto é, a história [5].

Para Heidegger, diz Stein, o método hegeliano não se orienta apenas na questão da Filosofia. Ele não apenas faz parte da questão como a chave faz parte da fechadura. O método pertence muito antes à questão, porque ele é a questão mesma". Método e questão propriamente dita da Filosofia não apenas se correspondem; eles coincidem e se identificam" [6].

Analisando ainda o pensamento de Hegel  , Heidegger observa: "O todo se mostra primeiramente apenas em seu vir-a-ser. Este acontece ao realizar-se a exposição da questão. Na exposição, tema e método tornam-se idênticos. Esta identidade se denomina em Hegel  : o pensamento pensado. Com ele a questão propriamente dita da Filosofia chega a sua manifestação. Esta questão é, contudo, historicamente determinada: a subjetividade. Apenas o movimento do pensamento, o método, é a questão por excelência [7].

Em tudo isso, Stein entende que o método não é exterior à questão própria da Filosofia, em Hegel  , sobretudo, o método se conjuga com o próprio movimento do pensamento; o método possui caráter totalizador e especulativo. Mas, para Heidegger a questão da filosofia hegeliana encarna a subjetividade e na medida em que esta determina o método, este também é subjetividade é para ela causa do esquecimento do ser. E que o método especulativo-dialético hegeliano embora subjetivo se situa dentro dessa orientação onto-teo-lógica [8].

Neste caso, segundo Stein, "a fenomenologia heideggeriana   pretende ser um método que se situa nos antípodas da subjetividade, exigindo para isso o retorno ao fundamento da metafísica, tanto do ponto de vista do portador da história da metafísica, através da analítica existencial quanto sob o ponto de vista da história dá metafísica através de um confronto sistemático crítico com a História da Filosofia. Quer para a analítica, quer para a superação da metafísica, Heidegger aplica o método fenomenológico, fundado num sistema binário : velamento-desvelamento. A aplicação do método fenomenológico a estas duas frentes visa pensar o ser que na medida em que está velado, deve ser conduzido ao desvelamento" [9].

Prossegue, ainda, Stein : "Também o método fenomenológico heideggeriano terá caráter especulativo e totalizador; conduzido pela questão fundamental da Filosofia: a questão do ser, coincidirá com o próprio movimento desta questão, tanto ao servir para explicitação do sentido do ser pela analítica existencial, como para o confronto sistemático-crítico com a história da metafísica ocidental, visando este a superação do pensamento da subjetividade e o desvelamento da história do ser. Se no que diz respeito ao caráter especulativo e totalizador a fenomenologia heideggeriana   se aproxima formalmente de Hegel  , dele se distancia, contudo, enquanto o método hegeliano se torna dialético. A dialética sempre ronda um pensamento que se apoia num modelo binário como no caso da fenomenologia heideggeriana  . A dupla face do ser, o velamento e o desvelamento poderiam facilmente sugerir uma solução dialética. A dialética se insinua constantemente lá onde se nomeiam elementos que se opõem", diz Stein citando Heidegger. [10]

Ocorre, porém, que Heidegger se afasta do método especulativo-dialético de Hegel   sobretudo, porque a subjetividade constitui seu estatuto fundamental. Diz Stein que desde o projeto de Ser e Tempo   a superação do pensamento da subjetividade é vista como o caminho para o redimensionamento do ser. E o esboço do método fenomenológico recorre a um modelo que o liberte das conotações subjetivas que apresentava em Husserl  .


BIBLIOGRAFIA

HEIDEGGER, Martin - L’être et le Temps - Paris - Gallimard - 1964. Estudo da primeira obra de Martin Heidegger em que são expostos os princípios básicos da sua filosofia do Sentido do Ser. Tradução do alemão por Rudolph Böhms e Alphonse de Waelhens. 327 pp.

HUSSERL, Edmund - Méditations Cartésiennes - Paris - Libraire Philosophique J. Vrin. 1969. Traduzido do alemão por Afile.- Gabrielle Peiffer e M. Emmanuel Levinas - 136 pp.

HUSSERL, Edmund - Ideas - General Introduction to pure phenomenology London - 1969 - Traslated by W. R. Boyce Gibson - George Allen Unwin. 466 pp.

LÉVINAS, Emmanuel - Paris - En découvrant l’existence avec Husserl et Heidegger - Librairie Philosophique J. Vrin. 237 pp.

LÉVINAS, Emmanuel - Théorie de l’intuition dans la phénomenologie de Husserl - 1970, Paris - J. Vrin. 234 pp.

RICOEUR, Paul - O Conflito das Interpretações. 1978 - Imago - Rio de Janeiro. Traduzido do francês por Hilton Japiassu. 419 pp.

STEIN, Ermildo - A questão do método na Filosofia. Um estudo do modelo Heideggeriano, 1973. Livraria Duas Cidades, São Paulo. 170 pp.

STEIN, Ermildo - Em busca de uma Ontologia da Finitude, 1969 - Revista Brasileira de Filosofia, São Paulo.


[1NA: HEIDEGGER, Martin - L’Être et le temps, p. 45.

[2NA: Ibid, p. 36.

[3NA: STEIN, Ernildo - A questão do método na filosofia. Um estudo do modelo Heideggeriano, p. 20.

[4NA: Ibid. p. 20.

[5NA: Ibid, p. 21

[6NA: Ibid, p. 21

[7NA: Ibid, p. 22

[8NA: Ibid, p. 22

[9NA: Ibid. p. 23

[10NA: Ibid, p. 23