No parágrafo 7 de Ser e Tempo sob a epígrafe O método fenomenológico de nossa pesquisa, M. Heidegger observa que desembaraçar o ser do ente e explicitá-lo são as tarefas da ontologia. Adverte, entretanto, que o método da ontologia permanece contestável no mais alto grau tanto que não se questiona senão em torno de ontologias tradicionais.
Toma, então, o autor de Ser e Tempo uma posição de afastamento daquelas concepções metafísicas tradicionais que se dão como disciplinas já constituídas. Na verdade, nada se pode construir senão a partir de necessidades inerentes às questões precisas e a partir de um método inspirado pelas exigências das "coisas elas mesmas".
Proclama que o método que vai adotar para desenvolver a sua filosofia será o fenomenológico. A expressão fenomenologia já consubstancia um método.
A fenomenologia se insere numa ontologia da finitude, o homem está desvelando-se e ocultando-se, no acontecer do próprio ser. Ontologia diferente, não há dúvida, das ontologias existentes, não coincidindo com nenhuma disciplina filosófica tradicional, a uma disciplina já constituída.
Razão por que a palavra grega Phainomenon a que se reporta o vocábulo fenômeno deriva ele mesmo do verbo phainestai que quer dizer mostrar-se; fenômeno significa isto que se mostra ou se manifesta. Phainestai, diz Heidegger é o infinitivo de Phaino, por na claridade, na luz, na clareza. Os fenômenos são pois o conjunto disto que pode ser levado à luz, podendo mostrar-se de diversas maneiras, segundo o modo de acesso a ele. O homem é luz natural, revela-se por si próprio, é apofântico, é desvelante no que se revela, o ser revela-se no ente, ou nos entes, ser do ente que os gregos significavam como ta onta [1].
Então, como já vimos, a fenomenologia designa, em primeiro lugar, um conceito real de método. Ela não caracteriza o conteúdo real dos objetos, mas a maneira da qual ela procede.
Fenômeno e logos formam uma só estrutura, pois o logos é isto que retira da obscuridade o ente do qual ele fala. Ora, o que está encoberto no ser surge no ente ou seja no ser do ente.
Assim o ser tem aqui a sua significação puramente apofântica e quer dizer fazer ver alguma coisa como isto ou aquilo.
Repetimos: fenomenologia é fazer vir de si mesmo, aquilo que se manifesta.
Prosseguindo em Heidegger, assinalamos "que a fenomenologia é o modo de acesso a isto que deve vir a ser o tema da ontologia, ela é o método que permite determinar este objeto, legitimando-o. A ontologia não é possível senão como fenomenologia que informa somente sobre a maneira como isto será tratado, porque este conceito fenomenológico visa a ser do ente no seu sentido, isto é, em suas modificações e derivações. Logo, ontologia e fenomenologia não são duas disciplinas diferentes [2].
Ernildo Stein que, entre nós, tem pesquisado com profundidade a filosofia heideggeriana , assinala que a questão do método, isto é, a questão da "escolha do caminho", a questão da conquista e fundamentação de uma segurança fixada pelo próprio homem, passa para o primeiro plano. "Método", diz ele, não deve ser compreendido aqui metodologicamente como método de investigação e pesquisa, mas metafisicamente como caminho para uma determinação essencial da verdade, que pode ser fundamentada exclusivamente pela capacidade do homem. O verdadeiro é apenas o seguro, o certo. Verdade é certitude e para esta permanece decisivo que nela sempre o homem como sujeito esteja certo e seguro de si mesmo. Por isso, para a garantia da verdade como certitude, é necessário, em sentido essencial, o procedimento, o garantir previamente o método que recebe agora um peso metafísico, que é por assim dizer suspenso na essência da subjetividade… método é agora o nome para pô-lo a seguro como objeto para o sujeito. Neste sentido metafísico entende Descartes methodus quando afirma : Necessaria est methodus ad rerum veritatem investigandam [3]. Heidegger traduz : "Necessário (essencialmente necessário) é o método para descobrir as pegadas da verdade (certitude) do ente e para segui-las". Concluí: "Em comparação com o método assim entendido, todo o pensamento medieval é essencialmente destituído de método" [4].
Reportando-se, agora, ao método em Hegel , Stein acentua que Heidegger situa-o dentro do pensamento da subjetividade. Método não é mais, no entanto, simplesmente o instrumento para garantir a verdade como certitude para o sujeito. Em sua conferência que traz o título Hegel e os gregos, Heidegger afirma: "Hegel designa a dialética especulativa também simplesmente o método. Com esta expressão ela não se refere nem a um movimento de representação, nem apenas a uma particular maneira de a Filosofia proceder. O método é o mais íntimo movimento da subjetividade "a alma do ser", o processo de produção através do qual a tessitura da totalidade da realidade do absoluto é efetivada… O primeiro livro de Descartes , Filósofo, através do qual, segundo Hegel , e, como ela, a Ciência Moderna pisou terra firme traz o título Discours de la méthode (1637). O método, prossegue Stein, quer dizer a dialética especulativa, é para Hegel o rasgo fundamental de toda a realidade. O método determina, por isso, enquanto tal movimento, tudo o que aconteceu, isto é, a história [5].
Para Heidegger, diz Stein, o método hegeliano não se orienta apenas na questão da Filosofia. Ele não apenas faz parte da questão como a chave faz parte da fechadura. O método pertence muito antes à questão, porque ele é a questão mesma". Método e questão propriamente dita da Filosofia não apenas se correspondem; eles coincidem e se identificam" [6].
Analisando ainda o pensamento de Hegel , Heidegger observa: "O todo se mostra primeiramente apenas em seu vir-a-ser. Este acontece ao realizar-se a exposição da questão. Na exposição, tema e método tornam-se idênticos. Esta identidade se denomina em Hegel : o pensamento pensado. Com ele a questão propriamente dita da Filosofia chega a sua manifestação. Esta questão é, contudo, historicamente determinada: a subjetividade. Apenas o movimento do pensamento, o método, é a questão por excelência [7].
Em tudo isso, Stein entende que o método não é exterior à questão própria da Filosofia, em Hegel , sobretudo, o método se conjuga com o próprio movimento do pensamento; o método possui caráter totalizador e especulativo. Mas, para Heidegger a questão da filosofia hegeliana encarna a subjetividade e na medida em que esta determina o método, este também é subjetividade é para ela causa do esquecimento do ser. E que o método especulativo-dialético hegeliano embora subjetivo se situa dentro dessa orientação onto-teo-lógica [8].
Neste caso, segundo Stein, "a fenomenologia heideggeriana pretende ser um método que se situa nos antípodas da subjetividade, exigindo para isso o retorno ao fundamento da metafísica, tanto do ponto de vista do portador da história da metafísica, através da analítica existencial quanto sob o ponto de vista da história dá metafísica através de um confronto sistemático crítico com a História da Filosofia. Quer para a analítica, quer para a superação da metafísica, Heidegger aplica o método fenomenológico, fundado num sistema binário : velamento-desvelamento. A aplicação do método fenomenológico a estas duas frentes visa pensar o ser que na medida em que está velado, deve ser conduzido ao desvelamento" [9].
Prossegue, ainda, Stein : "Também o método fenomenológico heideggeriano terá caráter especulativo e totalizador; conduzido pela questão fundamental da Filosofia: a questão do ser, coincidirá com o próprio movimento desta questão, tanto ao servir para explicitação do sentido do ser pela analítica existencial, como para o confronto sistemático-crítico com a história da metafísica ocidental, visando este a superação do pensamento da subjetividade e o desvelamento da história do ser. Se no que diz respeito ao caráter especulativo e totalizador a fenomenologia heideggeriana se aproxima formalmente de Hegel , dele se distancia, contudo, enquanto o método hegeliano se torna dialético. A dialética sempre ronda um pensamento que se apoia num modelo binário como no caso da fenomenologia heideggeriana . A dupla face do ser, o velamento e o desvelamento poderiam facilmente sugerir uma solução dialética. A dialética se insinua constantemente lá onde se nomeiam elementos que se opõem", diz Stein citando Heidegger. [10]
Ocorre, porém, que Heidegger se afasta do método especulativo-dialético de Hegel sobretudo, porque a subjetividade constitui seu estatuto fundamental. Diz Stein que desde o projeto de Ser e Tempo a superação do pensamento da subjetividade é vista como o caminho para o redimensionamento do ser. E o esboço do método fenomenológico recorre a um modelo que o liberte das conotações subjetivas que apresentava em Husserl .