McNeill (TL:86-87) – proairesis: decisão ou declinação?

tradução

O que é notável não é apenas o fato de a linguagem que se tornaria a de (Ser e Tempo) estar sendo usada para traduzir a Ética a Nicômaco de Aristóteles, mas também que um certo deslocamento do pensamento de Aristóteles parece estar em andamento. Pois o que a tradução de Heidegger enfatiza, apreendendo o sentido temporal da pro-airesis, é que a proairesis não é tanto um ato real de decisão ou escolha, mas um sendo direcionado a algo, à maneira do desejo deliberativo, de modo que aquilo que nós somos direcionados para já é aí em adiantamento (im vorhinein): ter uma meta aí à maneira de antecipação (vorweghaben), de tal modo que essa antecipação orientada-para-o-futuro de algo já aí abre a possibilidade do momento presente em uma consideração particular, em uma orientação particular: “À proairesis pertence uma orientação em direção ao (Augenblick28) integral – a proairesis não é um chamado ato; é a possibilidade autêntica de sendo no Augenblick”. A interpretação de Heidegger aqui enfatiza toda a possibilidade: a virtude ética, como um hexis proairetike, é o tendo disposicional de uma possibilidade do presente. “A proairesis é sempre direcionada para algo possível, de fato em direção a algo determinado que é possível, e que somos capazes de empreender e executar agora neste momento.” Proairesis está concernida com algo que é possível para nós; conduz ou guia-nos em direção ao eschaton, em direção ao ponto em que uma ação engaja.

É importante sublinhar que [Entschlossensein e sich entschließen528], que Heidegger usa aqui para indicar aquilo em que nossa proairesis abre, carrega não tanto o sentido de decisão voluntariosa, resolutividade ou resolução no sentido moderno de um ato subjetivo, como o de abertura de si mesmo a algo que será decisivo nele mesmo. Isto é sugerido pela maneira como Heidegger descreve como a direcionalidade de nossa proairesis é decisiva para nosso próprio Ser, para nosso êthos, de uma maneira que a opinião não é. Apenas ter uma opinião (doxa) sobre algo não afeta, por si só, nossos êthos; ela “não afeta a estância do próprio ser do ente humano em relação aos outros. Por outro lado, a maneira e o caminho pelos quais me abro [mich entschließe], isso a que me abro, que fica dentro de uma proairesis, é decisivo (entscheidend ) para meu ser, para a maneira e o jeito no qual sou, para meus êthos.”

Original

What is notable (here) is not only that the language that would become that of (Being and Time) is being used to translate Aristotle’s Nicomachean Ethics, but also that a certain displacement of Aristotle’s thought appears to be underway. For what Heidegger’s translation emphasizes, seizing on the temporal sense of pro-airesis,1 is that proairesis is not so much an actual act of decision or choice, but a being directed toward something, in the manner of deliberative desire, such that what we are directed toward is there in advance (im vorhinein): having a goal there in the manner of anticipation (vorweghaben), such that this future-oriented anticipation of something already there opens up the possibility of the present moment in a particular regard, in a particular orientation: “To proairesis there belongs an orientation toward the entire (Augenblick28) — proairesis is not a so-called act; it is the authentic possibility of being in the Augenblick” (145). Heidegger’s interpretation here emphasizes possibility throughout: ethical virtue, as a hexis proairetike, is the dispositional having of a possibility of the present. “Proairesis is always directed toward something possible, indeed toward something determinate that is possible, and that we are able to undertake and carry out now at this moment.” Proairesis is concerned with something that is possible for us; it leads or guides us toward the eschaton, toward the point at which an action engages.2

It is important to underline that [Entschlossensein and sich entschließen528], which Heidegger uses here to indicate that onto which our proairesis opens, carry not so much the sense of willful decision, resoluteness, or resolve in the modern sense of a subjective act, as that of opening oneself to something that will in itself be decisive. This is suggested by the way in which Heidegger describes how the directionality of our proairesis is decisive for our (87) very Being, for our êthos, in a way that opinion is not. Merely having an opinion (doxa) about something does not, in and of itself, affect our êthos; it “does not affect the stance of the human being’s very Being toward others. By contrast, the manner and way in which I open myself [mich entschließe], that to which I open myself, which stands within a proairesis, is decisive (entscheidend) for my Being, for the manner and way in which I am, for my êthos.”3 (p. 86-87)

[Excerto traduzido de MCNEILL, William. The Time of Life. Heidegger and Êthos. New York: State University of New York Press, 2006, p. 86-87]
  1. Aristotle himself notes that the term proairesis implies something chosen “before” something else (pro heteron aireton: 1112 a17; cf. Eudemian Ethics, 1226 b7-8). It is not clear, however, that he understands this “before” (pro) as having a distinctly temporal sense; if anything, he seems, rather, to conceive it in terms of preference.[]
  2. GA 18, 146. Cf. the similar formulation at GA 19, 157-58.[]
  3. GA 18, 147. In the Sophist course, Heidegger uses the term Entschlossenheit to render the Greek boule, a term that means resolve following upon deliberation. See GA 19, 150, and our comments in The Glance of the Eye, 41, for further details.[]