É verdade que o próprio Dilthey sempre levou em consideração essa objeção e procurou uma solução para a questão pelo modo como é possível a objetividade, dentro da relatividade, e como pode-se pensar a relação do finito com o absoluto. A tarefa é expor como se ampliaram esses conceitos de valor, relativos à época, a algo absoluto”. Em Dilthey, porém, será vã a procura de uma resposta real a esse problema do relativismo, e isto não porque ele jamais tenha encontrado a resposta certa, mas porque essa não era sua própria e verdadeira pergunta. Antes, no desenvolvimento da auto-reflexão histórica que o levava de relatividade a relatividade, ele se soube sempre no caminho rumo ao absoluto. Nesse sentido, Ernst Troeltsch resumiu perfeitamente o trabalho de toda a vida de Dilthey na formulação: da relatividade à totalidade. A fórmula que Dilthey emprega para isso diz o seguinte: “Ser conscientemente um ser condicionado” — uma fórmula que se dirige abertamente contra a pretensão da FILOSOFIA DA REFLEXÃO, pretensão de deixar para trás todas as barreiras da finitude, ascendendo para o absoluto e para o infinito do espírito, para a consumação e a verdade da autoconsciência. No entanto, sua incansável reflexão sobre a objeção do “relativismo” mostra que ele não pôde manter realmente a consequência de sua investida da filosofia da vida contra a FILOSOFIA DA REFLEXÃO do idealismo. Não fosse assim, ele teria de reconhecer, na objeção do relativismo, o “intelectualismo”, a que seu próprio ponto de partida da imanência do saber na vida pretendia minar pela base. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.
2.3.1. O limite da FILOSOFIA DA REFLEXÃO VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.
Não podemos tomar esta questão suficientemente a sério, se pensarmos a concepção histórica do mundo e seu desenvolvimento desde Schleiermacher até Dilthey. O fenômeno é sempre o mesmo. A exigência da hermenêutica somente parece se satisfazer na infinitude do saber, da mediação pensante da totalidade da tradição com o presente. Esta se apresenta baseada no ideal de um Aufklärung total, da ruptura definitiva dos limites de nosso horizonte histórico, da subsunção da finitude própria na infinitude do saber, em uma palavra, na onipresença do espírito que sabe historicamente. Não tem maior importância que no século XIX o historicismo não tenha reconhecido expressamente esta consequência. Em última instância o historicismo só encontra sua legitimação na posição de Hegel, ainda que os historiadores, animados pelo pathos da experiência, tenham preferido apelar a Schleiermacher e a Wilhelm von Humboldt. Mas nem um nem outro pensaram realmente até o final sua própria posição. Por muito que acentuassem a individualidade, a barreira da estranheza que a nossa compreensão tem que superar, a compreensão só alcança, em definitivo, sua perfeição, e a ideia da individualidade só encontra sua fundamentação, numa consciência infinita. É a inclusão panteísta de toda individualidade no absoluto o que torna possível o milagre da compreensão. Assim, também aqui o ser e o saber se interpretam [348] mutuamente no absoluto. Nem o kantismo de Schleiermacher nem o de Humboldt representam, pois, uma afirmação autônoma e sistemática face à perfeição especulativa do idealismo na dialética absoluta de Hegel. A crítica à FILOSOFIA DA REFLEXÃO, pela mesma forma que alcança a Hegel, alcança a eles também. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.
Assim, teremos de nos perguntar se a nossa própria tentativa de uma hermenêutica histórica pode ser também alvo desta mesma crítica ou se conseguimos nos manter livres da pretensão metafísica da FILOSOFIA DA REFLEXÃO e justificar a legitimidade da experiência hermenêutica, concordando com a poderosa crítica histórica dos neo-hegelianos contra Hegel. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.
Mas será necessário, antes de tudo, tornar consciente em primeiro lugar a força de imposição da FILOSOFIA DA REFLEXÃO e admitir que os críticos de Hegel tampouco foram capazes de romper o círculo mágico dessa reflexão. Somente estaremos em condições de liberar o problema da hermenêutica histórica das consequências híbridas do idealismo especulativo, se não nos contentarmos apenas com uma repulsa irracional a ele, mas soubermos reter a verdade do pensamento hegeliano. O que nos importa neste momento é pensar a consciência da história efeitual de maneira que na consciência do efeito a imediatez e superioridade da obra volte a se dissolver numa simples realidade reflexiva; e com isso, pensar uma realidade capaz de pôr limites à onipotência da reflexão. Este era justamente o ponto contra o qual se dirigia a crítica a Hegel e no qual, na verdade, o princípio da FILOSOFIA DA REFLEXÃO continuou afirmando sua superioridade face a todos os seus críticos. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.
A polêmica contra o pensador absoluto carece, ela própria, de posição. O ponto arquimédio capaz de mover a filosofia hegeliana nunca poderá ser encontrado na reflexão. O que perfaz a qualidade formal da FILOSOFIA DA REFLEXÃO é o fato de que não pode haver nenhuma posição que não esteja já implicada no movimento reflexivo da consciência que vem a ser ela mesma. Os apelos à imediatez — seja os da natureza corporal, os do tu e suas pretensões, os da facticidade impenetrável do acaso histórico ou os da realidade das relações de produção — já sempre refutam-se sozinhos, na medida em que não são um comportamento imediato, mas um fazer reflexivo. A crítica da esquerda hegeliana contra uma simples reconciliação somente na ideia, a qual ficaria devendo a transformação real do mundo, ou toda a teoria da conversão da filosofia em política, acaba [350] equivalendo, sobre a base da filosofia, a um cancelamento de si mesma. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.
E assim, surge a questão de se saber até que ponto a superioridade dialética da FILOSOFIA DA REFLEXÃO corresponde a uma verdade pautada na coisa ou até que ponto gera tão-somente uma aparência formal. Pois a argumentação da FILOSOFIA DA REFLEXÃO não pode acabar ocultando que a crítica contra o pensamento especulativo, que é exercida do ponto de vista da limitada consciência humana, contém algo de verdade. Isso se mostra muito particularmente nas formas epigônicas do idealismo, por exemplo, na crítica neokantiana da filosofia da vida e da filosofia existencial. Em 1920, Heinrich Rickert, argumentando fundamentalmente a “filosofia da vida”, não conseguiu alcançar o efeito de Nietzsche e de Dilthey, que então começava a exercer sua grande influência. Mesmo que se mostre claramente a contraditoriedade interna de qualquer relativismo, as coisas não deixam de ser como as descreve Heidegger: todas essas argumentações triunfais têm sempre algo de uma tentativa de ataque de surpresa. Por mais convincentes que pareçam, passam ao largo face ao verdadeiro núcleo das coisas. Servindo-se delas se tem razão, e, no entanto, não expressam nenhuma evidência superior, que fosse fecunda. É uma argumentação irrefutável que a tese do ceticismo ou do relativismo pretende ser verdade e, por conseguinte, se auto-suprime. Mas, o que se consegue com isso? O argumento da reflexão, que alcança esse fácil triunfo, ricocheteia contra aquele que o emprega, na medida em que torna suspeito o valor de verdade da reflexão. O que se alcança através dessa argumentação não é a realidade do ceticismo ou de um relativismo capaz de dissolver qualquer verdade, mas a pretensão de verdade do argumentar formal em geral. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.
Retenhamos, pois, que a vinculação linguística da nossa experiência do mundo não significa nenhum perspectivismo excludente; quando conseguimos superar os preconceitos e barreiras da nossa experiência anterior do mundo, introduzindo-nos em mundos linguísticos estranhos, isso não quer dizer, de modo algum, que abandonemos ou neguemos nosso próprio mundo. Como viajantes, sempre voltamos para casa com novas experiências. Como perambulantes, que jamais irão voltar para casa, também não poderemos esquecer totalmente. Mesmo que consigamos, na qualidade de instruídos na história, obter verdadeira clareza sobre o condicionamento histórico de todo pensamento humano sobre o mundo, e, por conseguinte, também sobre o nosso próprio caráter condicionado, tampouco assim conseguiremos assumir uma posição incondicionada. Em particular, não refuta o pressuposto desse condicionamento básico o fato de que esse pressuposto pretenda ser total e incondicionalmente verdadeiro, e, portanto, não se possa aplicar a si mesmo sem entrar em contradição. A consciência do condicionamento não o cancela de modo algum. É um dos preconceitos da FILOSOFIA DA REFLEXÃO o fato de considerar como uma relação entre frases, aquilo que realmente não está no mesmo nível lógico. Por isso, o argumento da reflexão encontra-se, aqui, fora do lugar. Não se trata de relações de juízos que devam ser mantidos livres de toda contradição, mas de relações vitais. A estruturação linguística da nossa experiência do mundo está em condições de abarcar as relações vitais mais diversas. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 3.
De há muito, reconheço-me como defensor daquela infinitude “má” que me mantém numa proximidade tensa com Hegel. Em todo caso, o capítulo de Verdade e método I que trata dos limites da FILOSOFIA DA REFLEXÃO, passando para a análise do conceito de experiência, procura deixar isso claro. Aqui chego a arrolar contra o próprio Hegel o conceito de “FILOSOFIA DA REFLEXÃO” utilizado polemicamente por ele e a ver em seu método dialético um compromisso impróprio com a ideia de ciência da modernidade. Se esse método assume na auto-reflexão do pensamento a reflexão exterior da experiência progressiva, isso não passa de uma reconciliação que ocorre apenas no pensamento. VERDADE E METODO II Introdução 1.