O apelo de Schleiermacher ao sentimento vivo contra o frio racionalismo do Aufklärung, a proclamação de Schiller a favor da liberdade estética contra o mecanismo da sociedade, a oposição de Hegel da vida (mais tarde: do espírito) contra a “positividade”, foram o tom antecipador de um protesto contra a moderna sociedade industrial que, no início do nosso século, fizeram ascender as palavras de ordem vivência e vivenciar a um tom quase religioso. O levante do movimento da juventude contra a formação burguesa e suas formas de vida encontrava-se sob esse signo. A influência de Friedrich Nietzsche e de Henri Bergson atuou nessa direção. Mas também um “movimento espiritual” como o que envolveu Stefan George e, não por último, a fineza sismográfica, com a qual o filosofar de Georg Simmel reagiu a esses processos, testemunham a mesma coisa. E assim que a filosofia de vida dos nossos dias se vincula aos seus antecessores românticos. A rejeição à mecanização da vida na existência de massa da atualidade acentua a palavra ainda hoje com uma tal auto-evidência que mantém totalmente encobertas suas implicações conceituais. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Finalmente isso acaba tendo influência também no desenvolvimento da estética filosófica, que, até, assume o conceito de símbolo no sentido universal de Goethe, mas do ponto de vista oposto, à realidade e à arte, isto é, pensando no “ponto de vista da arte” e da religião estética instruída do século XIX. Característico para isso é o posterior F.Th. Wischer, o qual, quanto mais se libera de Hegel, tanto mais amplia o conceito de símbolo de Hegel e vê no símbolo um dos desempenhos básicos da subjetividade. O “obscuro simbolismo da índole” empresta alma e significado ao, em si, inanimado (da natureza ou do fenômeno evidente aos sentidos). Como a consciência estética sabe-se livre — em face do mítico-religioso — o simbolismo, que empresta a todos, também é “livre”. Por mais que uma indeterminação ambígua continue sendo adequada ao símbolo, já não mais pode ser caracterizada através de sua relação privativa para com o conceito. Passa a ter, antes, sua própria positividade como uma criação do espírito humano. É a completa concordância do fenômeno com a idéia, que — de acordo com Schelling — é pensada no conceito de símbolo, enquanto a não-concordância é reservada à alegoria ou à consciência mítica. Ainda em Cassirer encontramos, num sentido semelhante, o simbolismo estético, em face do simbolismo mítico, caracterizado pelo fato de que no símbolo estético a tensão da imagem e do significado é compensada pelo equilíbrio — um último eco do conceito classicista da “religião artística”. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
As passagens citadas soam não somente a Fichte, mas, até nas palavras, ao próprio Hegel. Sua crítica à “positividade”, o conceito da auto-alienação, a determinação do espírito como conhecimento de si mesmo no ser diverso, tudo isso pode ser facilmente deduzido dessa frase de Dilthey, e nos leva a indagar pela real diferença que a concepção histórica do mundo asseverava ante o idealismo, e que Dilthey procurou legitimar epistemologicamente. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.
Reside na natureza das coisas que, tendo em vista a tarefa que se nos propõe, o idealismo especulativo oferece melhores possibilidades do que Schleiermacher e a hermenêutica que a ele se vincula. É que no idealismo especulativo o conceito do dado, da positividade, tinha sido submetido a uma profunda crítica — e justamente a ela é que Dilthey havia atentado apelar para a sua filosofía da vida. Ele escreve: “Através de que designa Fichte o início de algo novo? Pelo fato de que parte da contemplação intelectual do eu, porém concebendo-o não [247] como uma substância, um ser, um dado, mas exatamente através dessa contemplação, isto é, desse difícil aprofundamento do eu em si próprio, o concebe como vida, atividade, energia, e por conseqüência, mostra nele a realização de conceitos energéticos como oposição etc”. Da mesma forma, Dilthey acabou reconhecendo no conceito hegeliano do espírito a vitalidade de um genuíno conceito histórico. Nessa mesma direção atuam alguns de seus contemporâneos, como já destacamos na análise do conceito da vivência: Nietzsche, Bergson, este já um tardio seguidor da crítica romântica contra a forma de pensar da mecânica, e Georg Simmel. Mas foi somente Heidegger que tornou consciente, de uma maneira geral, a radical exigência que se coloca ao pensamento em virtude da inadequação do conceito de substância para o ser e o conhecimento histórico. Somente através dele é que se liberou a intenção filosófica de Dilthey. Para o seu trabalho, Heidegger se engatou na investigação da intencionalidade da Fenomenologia de Husserl, que representa a ruptura mais decidida, na medida em que não é o platonismo extremo, como o via Dilthey. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.
Por isso, teremos que determinar a estrutura da consciência [352] da história efeitual, na perspectiva de Hegel e buscando uma diferenciação dele. A interpretação espiritual do cristianismo, através da qual Hegel determina a essência do espírito, não se vê afetada pela objeção de que nela não restaria espaço para a experiência do outro e da alteridade da história. A vida do espírito consiste, antes, em reconhecer-se a si mesmo no ser do outro. O espírito, orientado para o conhecimento de si mesmo, vê-se dividido com o “positivo” que lhe aparece como estranho, e tem de aprender a reconciliar-se com ele, reconhecendo-o como próprio e familiar. Resolvendo a dureza da positividade, reconcilia-se consigo mesmo. E, enquanto que essa reconciliação é a tarefa histórica do espírito, o comportamento histórico do espírito não é nenhum auto-refletir-se nem mesmo uma suspensão puramente formal-dialética da auto-alienação que lhe aconteceu, mas uma experiência, que experimenta realidade e é ela própria real. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.
Se tomamos como referência o “modo de proceder do espírito poético”, tal como o descreve Hölderlin, por exemplo, tornar-se-á logo patente, em que sentido o acontecer lingüístico da poesia é especulativo. Hölderlin mostrou que o achado da linguagem de um poema pressupõe a total dissolução de todas as palavras e modos de falar habituais. “Quando o poeta se sente captado, em toda sua vida interna e externa, pelo tom puro de sua sensibilidade originária e olha então ao seu redor, ao seu mundo, este se torna novo e desconhecido; a soma de todas as suas experiências, de seu saber, de seu contemplar, de sua reflexão, arte e natureza, como se representam nele e fora dele, tudo parece como se fosse a primeira vez, e justamente por isso, inconcebido, indeterminado, dissolvido em pura matéria e vida, presente. E é importantíssimo que, nesse momento, não aceite nada como dado, não parte de nada positivo, e que a natureza e a arte, tal como as aprendeu antes e as vê agora, não falem antes de que exista para ele uma linguagem…” (Observe-se o parentesco com a crítica hegeliana à positividade.) O poema, que logrou ser obra e criação, não é ideal, mas é espírito reanimado a partir da vida infinita. (Também isso lembra a Hegel). Nele não se designa ou se significa um ente, mas se abre um mundo do divino e do humano. A enunciação poética é especulativa porque não copia uma realidade que já é, não reproduz o aspecto da espécie na ordenação da essência, mas representa o novo aspecto de um novo mundo no âmbito imaginário da invenção poética. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 3.
Parece que a imagem do historicista, caracterizada e combatida por Strauss aqui, corresponde àquele ideal do Iluminismo perfeito que em minhas próprias investigações sobre a hermenêutica filosófica caracterizei como a idéia norteadora do irracionalismo histórico de Dilthey e do século XIX. Não se trata de um ideal utópico do presente, em cuja luz por assim dizer o passado desve-lar-se-ia por completo? Creio que aplicar a perspectiva do presente sobre todo o passado, considerando-a como superior a este, não representa a verdadeira essência do pensamento histórico, mas caracteriza a positividade obstinada de um historicismo “ingênuo”. O pensamento histórico tem sua dignidade e seu valor de verdade no reconhecimento de que “o presente” não existe, o que existe é um horizonte de futuro e passado, em constante mudança. Ainda não se concretizou (e creio que jamais poderá se concretizar) que alguma perspectiva, na qual se mostram idéias herdadas da tradição, possa ser a correta. A compreensão “histórica” não goza de nenhum privilégio sobre essa questão, nem a de hoje e nem a de amanhã. Ela mesma será abarcada pelos horizontes cambiantes e terá de mover-se com eles. VERDADE E METODO II ANEXOS 27.
[470] Na vida sócio-histórica acontece algo parecido. Ali há formas de domínio que podem ser experimentadas como coerções, e a sua conscientização implica que se desperte a necessidade de uma nova identidade com o geral. A crítica de Hegel à positividade — do cristianismo, da constituição do Império Alemão, do feudalismo sobrevivente — é um exemplo magnífico disso. Mas na minha opinião esse exemplo não pode confirmar o que postulam os meus críticos, a saber, que a conscientização das relações de domínio vigentes tem sempre uma função emancipatória. A conscientização pode transformar também os modos de comportamento, cunhados autoritariamente, em imagens diretrizes que determinam o comportamento livre próprio. Também nesse caso Hegel é um bom exemplo, que só parece ser restaurador frente a um engajamento cheio de preconceitos. Na verdade, a tradição — que não é a defesa do anterior mas a continuação da vida moral e social em geral — repousa sempre sobre a conscientização assumida em liberdade. VERDADE E METODO II ANEXOS 29.