Agamben (2015:275-277) – paixão, como potência passiva e mögen

Para compreender o problema que é aqui evocado (breve9416), é necessário aproximá-lo do tema da liberdade tal como é exposto nas últimas páginas de Vom Wesen des Grundes (GA9). Mais uma vez, a dimensão da facticidade (isto é, da facticidade original ou transcendental) é aqui essencial:

Existir significa sempre: no meio do ente, ser em relação com o ente — com aquele que não é no modo do Dasein, consigo mesmo e com seu semelhante — e isso de tal modo que na própria relação emotivamente situada, aquilo de que se trata é do poder ser (Seinkönnen) do próprio Dasein. No projeto de um mundo, um excesso do possível é dado, em relação ao qual — e no fato de ser investido pelo ente real que o rodeia por todos os lados — surge o “porquê” (GA9:Weg., 64).

A liberdade põe aqui o Dasein em sua essência como “poder-ser nas possibilidades que se abrem perante sua escolha finita, isto é, em seu destino” (GA9:Weg., 70). O Dasein, na medida em que existe facticamente (quer dizer, por ter de ser suas maneiras de ser), é sempre no modo possível: em excesso de possibilidade em relação ao ente e, ao mesmo tempo, em falta, porque se dá a inversão de suas possibilidades em impotência radical perante o ente, ao qual está desde sempre entregue.

É essa copertença de potência e de impotência que é analisada em uma passagem do curso do semestre de verão de 1928 (GA26), que antecipa os temas de Vom Wesen des Grundes e afirma uma superioridade da categoria do possível em relação ao real:

Na medida em que a liberdade (em sentido transcendental) constitui a essência do Dasein, este último, como existente, é, por uma necessidade essencial, para além de todo ente fáctico. Por causa desse excesso, o Dasein está sempre para além do ente, mas de tal modo que experimenta em primeiro lugar o ente em sua resistência, como aquilo em relação a que o Dasein transcendente é impotente. Essa impotência deve ser entendida em sentido metafísico, isto é, essencial: não pode ser desmentida fazendo valer o domínio técnico sobre a natureza, que hoje avança como uma fera enfurecida; esse domínio não é senão a prova da impotência metafísica do Dasein, que só obtém sua liberdade em um destino histórico (…) Nós podemos deixar o ente ser aquilo que é e como é, apenas porque nas relações fácticas intencionais com o ente em geral nos aproximamos ou retornamos a ele antes de tudo em um excesso de possibilidade. E inversamente, porque o Dasein transcendente, existindo facticamente, confronta-se desde sempre com o ente e, consequentemente, a impotência metafísica em relação ao ente se desvela ao mesmo tempo que a transcendência e o mundo, o Dasein — que não pode ser impotente senão pelo fato de ser livre — deve manter-se então na condição da possibilidade de sua impotência: na liberdade de fundar. É por isso que fazemos a todo ente como ente a pergunta acerca de seu fundamento. Interrogamos o porquê do ente, enquanto a possibilidade excede em nós próprios a realidade, e, com o Dasein, essa possibilidade se torna existente (GA26:Met. Anf., 279-280).

A passagem sobre o mögen (breve9417) (e sua conexão com o amor) na Carta sobre o humanismo deve ser lida em estreita relação com esse primado da possibilidade. A potentia que está aqui em questão é de fato potentia passiva, aquela dynamis tou paschein da qual Heidegger, no curso do semestre de verão sobre a Metafísica de Aristóteles, sublinha a solidariedade secreta com a potência ativa (dynamis toupoieiri). Toda potência (dynamis), escreve Heidegger interpretando Aristóteles, é impotência (adynamia), e todo poder (dynasthai) é essencialmente passividade (dechesthai) (GA33:Ar. Met., 114). Mas nessa impotência tem lugar um acontecimento original (Urgeschehen) que determina o ser do Dasein e abre o abismo de sua liberdade:

Que o Dasein seja, segundo sua possibilidade, um si mesmo e que o seja sempre facticamente em conformidade com sua liberdade, que a transcendência se temporalize como acontecimento original, tudo isso não está em poder dessa mesma liberdade. Mas tal impotência (o ser-lançado) não é o resultado da entrada do ente nos domínios do Dasein, ela determina pelo contrário o ser do Dasein como tal (GA9:Weg., 70).

A paixão, como potentia passiva, é aqui a experiência mais radical da possibilidade (mögen) que está em jogo no Dasein: um poder que pode não apenas a potência (as maneiras de ser de fato possíveis), mas também e antes de tudo a impotência. Por isso essa experiência da liberdade coincide no Dasein com a experiência da impotência: esta se situa no mesmo plano que a facticidade original ou “dispersão original (ursprüngliche Streuung)” que, segundo o curso de verão de 1928, constitui a “possibilidade interna” da dispersão fáctica do Dasein.

A paixão, como potência passiva e mögen, pode sua própria impotência, deixa ser não apenas o possível, mas também o impossível, e assim reúne o Dasein em seu fundamento para abri-lo e o torná-lo eventualmente dono do ente nele e à volta dele. A “força imóvel do possível” é, nesse sentido, essencialmente paixão, potência passiva: mögen (poder) significa lieben (amar). Mas como pode dar-se uma apropriação que não se apropria de uma coisa, mas da impotência e da própria impropriedade? Como é possível poder não tanto uma possibilidade e uma potência, mas antes uma impossibilidade e uma impotência? E o que é uma liberdade que é antes de tudo paixão?