Harada (2009a:79-82) – logos e aisthesis – Wahrnehmung

O conceito de logos é múltiplo. As diversas significações parecem tender para diversas direções sem congruência, enquanto não conseguirmos captar, de modo próprio, o sentido fundamental, uno no seu conteúdo primário, originário grego. É usual dizer que logos significa fala. Essa tradução somente é válida, na medida em que nessa tradução literal, a nossa compreensão atual consiga ouvir e entoar a tonância que logos ele mesmo, como fala quer dizer propriamente. As múltiplas e arbitrárias traduções provenientes de uma interpretação das filosofias posteriores entulham e encobrem o sentido próprio do que seja fala, que nos gregos está à luz do dia, simples e claramente. Essas traduções defasadas e impróprias seriam p.ex., razão, juízo, conceito, definição, fundamento, relação. Traduz-se logos também como sentença, enunciação, discurso. Mas se entendermos todos esses termos como juízo, e o juízo como ligação (entre S e P ou S e O) ou tomada de posição ( reconhecer e ou rejeitar uma ligação), tudo isso dentro da assim chamada “teoria do juízo” na teoria de conhecimento, falseamos o sentido próprio e fundamental da palavra logos.

Assim, segundo Heidegger, logos como fala diz antes de tudo deloun, fazer patente, o que, na fala, “vem à fala”. Aristóteles explicitou essa função da fala com maior acuidade como apophainesthai.1 Logos deixa ver (phainesthai) algo, a saber, aquilo, sobre o qual é a fala e quiçá para (79) o falante (Medium), respectivamente, para os falantes uns com outros mutuamente. A fala “deixa ver apo… a partir disso mesmo, do que fala. Na fala (apophansis), na medida em que ela é autêntica, o que é falado, deve ser retirado daquilo sobre o que se fala de tal modo que a transmissão falante no seu falado, torna patente isso, sobre o qual fala e assim o faz acessível ao outro. Esta é a estrutura do logos, como apophansis. Não se apropria em cada “fala ” esse modo de tornar patente no sentido do deixar ver manifestante. O pedido (euche) p.ex. torna também patente, mas num outro modo

Na sua realização concreta, esse deixar ver acontece como sonorização em palavras. Assim o logos é “phone metaphantasies”, i. é, sonorização vocal, na qual cada vez algo se mostra. É essa função de apophansis, do logos que faz com que ele tenha a estrutura de synthesis. Síntese não tem aqui o significado de ligar e atar representações, lidar com ocorrências psíquicas, fazer com que haja concordância da vivência psíquica interna com o seu corresponde externo, etc. “O syn aqui tem a significação apofantica e quer dizer: deixar ver algo no seu ser-junto-com algo, como algo”. Como deixar-ver, o logos pode ser verdadeiro ou falso, não porém, na acepção da verdade como adequação, concordância, do juízo, como lugar da verdade. A definição da verdade como adaequatio rei et intellectus não nos conduz à intuição originária que capta o que seja, primariamente, a verdade, que, em grego, se diz aletheia.

“O “ser verdadeiro” do logos como aletheuein diz: recolher do velamento o ente, do qual se fala, no legein como apophainesthai, e deixá-lo ver como desvelado (alethes), diz descobrir”. “Verdadeiro” nesse sentido grego originário, “e quiçá num sentido mais originário do que o mencionado logos é a aisthesis, o singelo colher sensível de algo. Na medida em que uma aisthesis é cada vez afim de sua idia, i. é, do ente que cada vez genuinamente só é acessível através dela e para ela, p. ex. o ver as cores, o seu colher será sempre verdadeiro. Isto quer dizer: ver descobre sempre cores, ouvir descobre sempre tons. No mais puro e no mais originário sentido”verdadeiro” — i. é, apenas em descobrindo de (80) modo que jamais possa encobrir, é o puro noein, o colher singelamente mirante das tonâncias de ser, as mais simples do ente, como tal. Esse noein jamais pode encobrir, jamais ser falso, pode, no entanto, permanecer um não-colher, agnoein, pode não ser suficiente para um singelo, apropriado acesso”.2

E para explicar o porquê dessa compreensão direta e simples do logos, surgiram traduções de logos como mente (Vernunft), ratio (razão), fundamento, relação, Heidegger conclui a sua exposição, dizendo: “E porque a função do logos está no singelo deixar ver de algo, no deixar colher (Vernehmen) do ente, logos pode significar mente (Vernunft). E porque de novo logos é usado não somente na significação de legein, mas ao mesmo tempo na do legomenon, a saber, o que se mostra como tal, e porque este não é outra coisa do que o hypokeimenon, a saber o que jaz no fundo de toda abordagem e toda consideração, logos enquanto legomenon diz também fundo, fundamento, ratio. E finalmente, porque logos enquanto legomenon pode significar: o que, como algo abordado, se tornou visível na sua ligação com outro, no seu ser “relacionado”, logos recebe a significação de Relação e referência”.

  1. Cfr. De interpretatione cap. 1-6; Met. Z. 4 e Eth. Nic. Z.[]
  2. A importância desse texto destacado para a nossa compreensão da fenomenologia é que nesse texto breve está dito o que e como devemos entender o que constitui a essência da mostração, o ser da presença corpo a corpo da coisa ela mesma, da evidência de ser que recebeu o nome de “Wahr-nehmung”, e que muitas vezes em certas exposições ligeiras da fenomenologia é de alguma forma identificada com a apreensão sensível dentro do esquema de oposição, tradicional: mundo sensível e mundo inteligível. O nosso inter-esse jaz na identificação, insinuada no texto acima mencionado, entre aisthesis, logos e noûs como deixar ver límpido, puro, como o acolhimento do aletheuein.[]