Dufour-Kowalska (1980:38-40) – autonomia da essência

O que é que significa a autonomia da essência? Significa a realização da essência em si e por si mesma. Implica, portanto, o postulado da manifestação da essência. “A essência da manifestação (deve) ser capaz de se manifestar”, diz M. Henry (MHEM, 164). Porque a essência se realiza em si e por si mesma, o fundamento da sua manifestação está nela própria e na estrutura que a define. O problema que agora se coloca é o seguinte, segundo a ordem das questões que levanta: como é possível a manifestação da essência da manifestação? Qual é a estrutura da essência da manifestação, uma estrutura tal que torna possível precisamente a manifestação da essência? A elucidação desta problemática constituirá um desafio aos pressupostos ontológicos fundamentais do monismo e inaugurará o processo de determinação positiva do fundamento autêntico da fenomenalidade, daquilo a que M. Henry chamará então a “essência originária da revelação”.

Afirmar a autonomia da essência é imediatamente postular o caráter originário da sua manifestação e, por conseguinte, a sua necessidade ou realidade. Com efeito, que o ser deve mostrar-se em si e por si mesmo, este postulado significa de fato que ele já se mostra, antes de qualquer processo, numa manifestação que repousa unicamente sobre si mesmo. Podemos, pois, dizer que a manifestação de si (39) pertence necessariamente à essência da manifestação. “A manifestação de si”, diz M. Henry, “é a essência da manifestação” (Id. 173), ou ainda — porque o fundamento de toda a manifestação é a essência de toda a presença, o ser presente de todo ser-aí — “a essência do ser é a manifestação de si” (Ibid.).

Autônoma e original, a manifestação do ser não resulta de nenhum progresso, não depende de nenhum processo, não está ligada ao devir de nenhum saber. E é por isso que, como agora compreendemos melhor, o saber filosófico pouco importa, “a filosofia chega sempre demasiado tarde”, escreve M. Henry, tomando de empréstimo uma fórmula célebre 1, “porque o que ela diz estava no princípio” 2. A consciência filosófica apenas tematiza, coloca como seu objeto, aquilo que, para existir, não precisa de objetividade e cuja revelação é independente de toda a consciência, filosófica ou não. Quer isto dizer que a manifestação original transcende toda a consciência? Muito pelo contrário. Por ser a realidade originária, ela nunca se fenomenaliza no campo de irrealidade constitutivo de toda a transcendência, nunca é oposta ou está para além da consciência, mas permanece nela e é-lhe interior, para ser o seu fundamento. O que determina a vida da consciência não é uma simples condição formal e vazia, mas a presença originária, o ser atual de toda a presença, isto é, o ser consciente na sua essência, na sua vida originária. Para Henry, a consciência não é um “ser das lonjuras”, como em Heidegger, nem a “fuga perpétua de si” que a define Sartre. Porque a manifestação da essência é autônoma e original, porque é absoluta, realiza-se na proximidade, na intimidade da consciência, é de fato idêntica a ela, na medida em que constitui a estrutura ontológica da consciência universal. Assim, a verdade não pode ser o objeto ou o fim de uma busca, porque nunca é transcendente à consciência, “nunca é exterior” e, neste sentido, como se diz de novo, “nunca é desconhecida” (Id., 192). E é por isso que não há consciência privilegiada. “Longe de surgir apenas (40) num modo específico da vida da consciência, a Parusia constitui a própria essência desta vida e, como tal, a condição de todas as determinações que esta vida é capaz de dar a si mesma” (ID, 174). A consciência vive na presença do ser, ou melhor, ela é, por essência, essa mesma presença. Mas qual é o modo desta presença, um modo tal que ela realiza uma presença absoluta, a manifestação em si e por si do ser?

A elucidação do conceito monista de essência permitiu a M. Henry pôr em evidência a autonomia radical da essência e afirmar assim o carácter absoluto da sua manifestação. Devemos agora perguntar: o conceito monista de essência, ou seja, o horizonte transcendental do ser, contém os elementos necessários capazes de fundar tal manifestação? Ou ainda: o processo de objetivação que, segundo o monismo, determina, como condição da sua efetividade, a manifestação da essência, contém as condições da sua manifestação absoluta? Em suma, pode a transcendência ser o seu próprio fundamento, o fundamento da sua própria manifestação? A questão da possibilidade da manifestação originária da essência, colocada no monismo ontológico ao próprio monismo, é o teste decisivo a que M. Henry o submete. A legitimidade de um pensamento que pretende apreender e determinar o fundamento último da fenomenalidade na abertura do horizonte transcendental do ser, isto é, na pura exterioridade, depende da resposta a esta questão.

  1. Cf. Hegel, Principes de la philosophie du Droit, Préface, Paris, Gallimard, Idées, 1963, p. 45.[]
  2. MHEM, 206. Assim, para M. Henry, a fórmula hegeliana assume um significado rigorosamente oposto ao pensamento de Hegel. Recordemos o texto: “A filosofia chega sempre demasiado tarde. Como pensamento do mundo, ela só aparece quando a realidade completou e terminou o seu processo de formação”. Pensamento do crepúsculo e pensamento da aurora.[]