MacDowell: A razão da inautenticidade da interpretação grega do sentido de ser

A compreensão grega do ser como estar-aí não oferece, segundo Heidegger, o sentido original de ser. Não se trata, todavia, de uma interpretação infundada ou falsa. Ela corresponde, antes, a um certo modo do ser-no-mundo do homem e do seu compreender ontológico. Se a concepção grega de ser é inautêntica é porque os Gregos não desenvolveram a questão do sentido de ser como hermenêutica do homem, entendido como compreensão do ser. A falta de uma tal Ontologia fundamental levou-os, inexoravelmente, a assumir ingenuamente como base de sua interpretação do ser a ideia imediata e ordinária que o homem tem de si mesmo.

De fato, tanto na interpretação vulgar como na filosófica o homem é entendido pelos gregos como zoon logon echon, i. e., o ser vivo caracterizado pela capacidade de expressar-se. Destarte, o legein, i. e., o dizer algo de algo, é o modo de ser do homem, que serve de fio condutor para a interpretação do ente, que se manifesta em tais condições. A proposição predicativa (logos) funda-se, por sua vez, na pura visão ou apreensão intelectual (noein). O ser do ente é o seu aspecto, ideia ou forma (eidos), que se oferece à percepção intelectual, e só este contemplar (theorein) pode descobrir o ser. Ora, ao intuir intelectual só é acessível o imóvel e constante no ente, aquilo que está sempre presente ao olhar insensível da alma e que, por isso, tem o caráter de universal.

Ao nível da simples apreensão, o ente é diretamente descoberto no seu ser. O logos, porém, como modo de ser fundado, deixa ver algo como algo, i. e., recorre no seu mostrar algo a um outro. Este caráter sintético, próprio da estrutura da proposição, na qual se oferece o ente, determinou, ulteriormente, a interpretação deste. O ente é entendido como sujeito (hypokeimenon), que se conhece pelas diferentes determinações que nele se manifestam e dele se predicam. As categorias como determinações fundamentais do ser do ente são obtidas a partir da análise e classificação dos diversos gêneros de predicados.

A concepção grega do conhecer como visão intelectual, expressa no juízo predicativo, culmina no ideal do conhecimento matemático próprio da Filosofia cartesiana e da ciência moderna. Para Heidegger, Descartes foi perfeitamente consequente ao propô-lo como a maneira autêntica de apreender o real. Tal escolha não foi determinada primariamente, por uma predileção casual por esta ciência, mas sim pela ideia de ser como presença constante, herdada da tradição. Que tipo de conhecimento permite divisar, com mais clareza e nitidez, aquilo que é necessária e imutavelmente? Portanto, o ser do ente será aquilo que é acessível ao conhecimento de tipo matemático, que corresponde às exigências de perfeita racionalidade.

A interpretação grega do ser a partir do que está aí no mundo, e à luz do logos, como proposição predicativa, confirma a tendência geral a decair (Verfallen) no mundo, que Heidegger põe em evidência na sua análise do ser do homem como cuidado. Destarte, o fenômeno, que está à base da Metafísica do Ocidente, é não só identificado, mas também situado no seio da interpretação fundamental do eis-aí-ser. Trata-se, no caso, do decaimento, não já da compreensão ôntica, que decide sobre as possibilidades de existência de cada um, mas sim da elucidação teorética da estrutura ontológica da existência e do sentido de ser em geral.

O ente intramundano, patente desde sempre ao eis-aí-ser, no seu conjunto, não é descoberto originariamente através do perceber ou observar fixamente o que simplesmente está à vista. É como o que está-à-mão no lidar quotidiano que ele se manifesta em primeiro lugar. Para que surja o fenômeno do conhecer (Erkennen), no sentido da determinação do que está aí através de predicados e à base de sua consideração, faz-se mister uma prévia deficiência do ocupar-se e preocupar-se com o mundo. Quando o homem se abstém de qualquer forma de convivência imediata com as coisas e as pessoas (fabricar, manejar etc.), a sua relação constitutiva para com o mundo se restringe ao único modo restante de ser nele, ao tão somente ficar junto de… Neste modo de ser-no-mundo o ente apresenta-se apenas no puro aspecto, que ele oferece ao olhar. Neste olhar funda-se a percepção do que está aí, que assume a forma de uma determinação de algo como algo. O que é assim percebido e determinado pode ser expresso em proposições e, deste modo, conservado e transmitido como um conhecimento.

A determinação filosófica do ser do ente consiste, necessariamente, num conhecer teorético. Mas, se a interpretação do ente intramundano em vez de partir do fenômeno originário do lidar quotidiano, tal qual ele se manifesta no plano pré-predicativo, toma o próprio conhecer, como fio condutor, ela passa forçosamente por cima do fenômeno existencial do mundo e, por conseguinte, não percebe a própria estrutura do ser-no-mundo. O ser do ente é compreendido então como estar aí à vista. O homem, como o ente que conhece, se entende correspondentemente como eu substancial, sujeito de diferentes atos, pelos quais se refere de quando em quando ao ente que se lhe objeta. A interpretação ontológica do homem parte, assim, não do seu ser próprio, mas sim do ente intramundano como estante.