(BA1987)
A regressão que Heidegger realiza na conferência sobre a técnica abre uma perspectiva nessa direção [do fundamento]. Essa regressão reconduz o conceito de causa (causa) ao pensamento grego. Tudo o que está ligado a um “fundamento”, a uma “causa”, no sentido de causa e causalidade, parece, sem ambiguidade, fazer parte do domínio da técnica e das ciências naturais, enquanto a poesia se caracteriza, para a representação metafísica, precisamente por estar livre das leis da causalidade. Heidegger, ao refletir sobre a essência da técnica, chega à desobstrução do conceito de causalidade. Mas, nesse texto, causare sendo traduzido não por “produzir um efeito” (verursachen), mas, de forma mais originária, por levar à liberação (ver-an-lassen), a relação com a pro-dução, no sentido de poiesis, e, portanto, também no sentido do que chamamos, no uso restrito, de poesia, torna-se imediatamente evidente. Além da determinação aristotélica da causalidade em sua articulação quádrupla, Heidegger redescobre o caráter verdadeiro da causa em sua unidade. Ele o redescobre no aitia, no “Verschulden” (“estar implicado”, “ter responsabilidade por algo”). Não se deve cometer o erro de interpretar essa expressão no sentido moral; mas ela também não tem nada em comum com a simples “efetivação” que hoje tendemos a considerar como a essência da causa. São as quatro maneiras de ser responsável por algo [com seus nomes posteriores: causa material, causa formal, causa final, causa eficiente] que levam qualquer coisa ao brilho do aparecer. Elas abrem para ela a dimensão da presença. Elas a liberam nessa direção e a deixam ser o que é na plenitude de seu surgimento. Ser responsável por algo em uma coisa é, essencialmente, dar-lhe a liberdade de tal advento. Nesse sentido da palavra lassen (“dar liberdade para ser”), o verschulden (“ser responsável por algo”) é um ver-an-lassen (“levar à liberação em uma presença desdobrada”) (GA7:VA, 18).
Esse levar à liberação, compreendido assim no sentido do aitia, é, de fato, referindo-se ao que Platão diz no Banquete (205 b), [271] uma poiesis, ou seja, traduzido por Heidegger, uma pro-dução (GA7:VA, 19). Essa pro-dução, pensada em toda a sua amplitude, compreende não apenas a produção no âmbito do ofício e o levar ao aparecer e à configuração artística e poética, mas também a physis, o desabrochar a partir de si mesmo (GA7:VA, 19). Mas, nesse horizonte extremamente vasto, é preciso também ver por que Heidegger empreende tais desenvolvimentos, aparentemente muito distantes do tema, a propósito da questão da técnica. É que a techne também é uma pro-dução desse tipo. A técnica e a poesia são dois modos de desvelamento (aletheia). Não entraremos na discussão das consequências dessa visão para o problema da técnica moderna. Mas, no que diz respeito à poesia e à questão de sua essência, a meditação sobre o poético ganha aqui a profundidade e a intensidade do instante histórico. Não no sentido de que se poderia encontrar aqui um meio de vincular a poesia ao progresso tumultuoso dos desenvolvimentos técnicos, em relação aos quais todo o interesse anteriormente dedicado à poesia não pode parecer mais do que um passatempo agradável; mas nessa significação muito mais essencial de que a poesia, pensada a partir da poiesis, aparece como um dos modos da manifestidade do ser e determina tão originariamente quanto a essência da técnica o Dasein do homem na terra.