A angústia representa, em Ser e tempo, a “disposição fundamental”, pois ela confronta o “ser-aí” (a designação ontológica para o ser humano) com o ser-no-mundo. Em oposição ao medo, que meramente se relaciona com algo no mundo, o “de que” da angústia é o mundo como tal: “Aquilo de que a angústia se angustia é o próprio ser-no-mundo. O ente dentro do mundo […] afunda na angústia. O ‘mundo’ não consegue fornecer mais nada, tampouco o ser-aí-com outros”1. Esse mundo que escapa ao ser-aí na angústia não é o mundo em geral, mas o mundo familiar, cotidiano, no qual vivemos sem nos questionar. Ele é dominado pela impessoalidade (“das Man”), pelo conformismo da “exposição pública”: “Assim nos divertimos e entretemos como impessoalmente se faz; lemos, vemos e julgamos […] como impessoalmente se vê e julga; […] O impessoal, que não é nada determinado mas que todos são, embora não como soma, prescreve o modo de ser da cotidianidade”2. O impessoal como “ninguém” retira do ser-aí o fardo da decisão e da responsabilidade ao livrá-lo da ação em sentido estrito. O impessoal deixa à disposição do ser-aí um mundo pré-preparado no qual tudo já foi interpretado e decidido. A cotidianidade, com todos seus modelos aceitos sem questionamento de pensamento e comportamento, é o constructo do impessoal. Isso impede o ser-aí de ser alguém que se encarrega expressamente de si por meio da ação. O impessoal repele toda perspectiva autônoma do mundo. Heidegger chama esse modo de ser de “inautenticidade” ou “decadência”. O ser-aí existe, primeira e geralmente, de modo inautêntico. Ele se fecha à possibilidade do poder-ser mais próprio. Só a angústia abre ao ser-aí a possibilidade de, contra a “inautenticidade”, apropriar-se de seu poder ser si-mesmo, ou seja, de agir. Heidegger exige da angústia, assim, algo que, na verdade, é-lhe recusado, pois a angústia significa justamente a impossibilidade de agir. Heidegger, em contrapartida, entende-a como a possibilidade por excelência de apoderar-se do si mesmo mais próprio e se decidir ao agir. (ByungVC)
- HEIDEGGER, M. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 179.[
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- Ibid., 126s[
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