A reapropriação heideggeriana também mantém o privilégio aristotélico da [?theoria], mas metamorfoseia o seu conteúdo ontológico. As conferências de Marburgo sublinham que o que está em causa no conceito aristotélico de theoria, e mais precisamente na [?sophia] que é a sua forma mais elevada, é a ciência do ser enquanto ser. No entanto, salientam, em Aristóteles esta ciência tende a confundir-se com a ciência do ser supremo. Como resultado, aos olhos de Heidegger, as análises aristotélicas sofrem ontologicamente de equívoco e indeterminação. Equívoco porque a ciência do ser, a [?ontologia], tende a fundir-se com a ciência do divino, a [?teologia]. A este equívoco onto-teológico junta-se uma indeterminação sobre o significado de “ser”. Para Aristóteles, lido por Heidegger, o sentido de “ser” limita-se a [?ousia], à presença no sentido de diante das nossas mãos, [?Vorhandenheit], uma presença cujo privilégio implica que apenas um modo de tempo, o presente, é ontologicamente tomado em consideração, e que, por esse mesmo facto, o modo de ser do Dasein é amalgamado com o da natureza.
[TAMINIAUX, J. Le théatre des philosophes: La tragédie, l’être, l’action. Grenoble: J. Millon, 1995]Taminiaux (1995b:171-172) – techne e phronesis
[…] Heidegger retoma a distinção aristotélica entre [?techne], como um modo de desencobrimento que ilumina a produção de artefactos ou efeitos determinados, e [?phronesis], como um modo de desencobrimento que ilumina a conduta da vida. Por outras palavras, concorda com Aristóteles que a arte é um modo de descoberta adaptado à produção de obras ou efeitos intramundanos, enquanto a phronesis é um modo de descoberta adaptado à praxis, ou seja, à existência humana. Mas ele reapropria-se desta distinção, ontologizando-a em relação ao modo de ser do [?Dasein]. Daí a distinção entre, por um lado, o modo de ser quotidiano e público do Dasein, preocupado com outros objetivos que não ele próprio, que procura alcançar através de utensílios ou meios geralmente manejáveis, um modo de ser informado por uma visão pragmática do meio envolvente, e, por outro lado, um modo de ser que consiste, para o Dasein, em tomar em consideração a sua própria existência mortal, que é, em última análise, para Heidegger, a do [?Gewissen] como conhecimento íntimo de si mesmo e da resolução como assunção decidida do [172] seu ser-para-o-fim. Por outras palavras, a praktische [?Umsicht] do quotidiano é a versão heideggeriana da techne aristotélica. Do mesmo modo, Gewissen e resolução formam a metamorfose existencial da phronesis aristotélica. Do mesmo modo, finalmente, o Umwillen seiner, o ser-por-conta-de-si do Dasein é a versão existencial do hou heneka aristotélico.