Após termos explicitado como, para nós, γενόι pode ser interpretado como μοίρα, cabe-nos, no momento, ressaltar que este capítulo irá tratar especificamente das três questões fundamentais para a compreensão da definição que Heidegger estabelece para a Moíra:
Moíra é o envio (Schickung) da presença, enquanto presença do que se faz presente; e o destino (Geschick) do ‘Ser’ no sentido do eón.
Assim sendo saltam aos nossos olhos duas questões decisivas, quais sejam: 1) o que significa ἐόν para que este conceito possa açambarcar o sentido da questão do Ser; 2) o que propriamente é a fundamental definição de Moíra — o envio (Schickung) que remete, e que, ao remeter, torna necessário o desdobrar-se do ἐόν, isto é, o destino (Geschick). Em outras palavras, o trajeto deste capítulo é o de tentar, lentamente, na medida do possível, desvelar o significado destas três experiências: ἐόν, Schickung e Geschick.
Heidegger está tratando na conferência intitulada μοίρα, de dois fragmentos de Parmênides: ο terceiro e o oitavo, onde está concentrada a correlação entre ser e pensar, e onde estão presentes as questões do αὑτό (do mesmo — das Selbe) e da μοίρα. Todo o prólogo está destinado a uma crítica das interpretações destas passagens que tiveram lugar na metafísica posterior. Para Heidegger esta relação que Parmênides fez intrínseca entre ser e pensar foi traduzida: 1) como o pensamento sendo mais um ente dentre tantos outros entes; 2) como o ser sendo aquilo que provém do pensamento humano: o ser é o pensável, o saber como a realidade ela-mesma; 3) o ser e o pensamento sendo co-partícipes de uma dimensão supra-sensível; neste sentido todo e qualquer diálogo corp Parmenides toma fim antes mesmo de ter começado, já que o pensamento contemporâneo deixa de indagar desde o campo de escuta do horizonte visual do pensamento antigo. Por esta razão Heidegger vai tentar aprofundar o sentido do termo ἐόν, a fim de poder melhor apreender o seu significado.
Heidegger vai nos mostrar que o mesmo é a palavra-enigma que permeia os dois fragmentos de Parmênides, e que nos deixa na ignorância do eixo em que o diferente gira no acordo com o mesmo. E que o esforço de pensá-la é o esforço de manter-se na atenção das várias possibilidades de dizê-la e de dar vazão à plena medida do enigma que ela contém.
É a partir desta conferência que Heidegger começa a tratar especificamente da questão da μοίρα. No entanto é importante ressaltar que, logo no início do sexto parágrafo, ele diz que a μοίρα compreende o envio (Schickung) e o destino (Geschick), ou seja, dentro de um mesmo conceito permanece acolhida a diferença. Tanto Schickung, quanto Geschick provêm do verbo schicken, que em alemão quer dizer enviar, mandar, remeter. Quando Heidegger usa a palavra Schickung no texto, ele está se remetendo ao sentido de entrega outorgante, de entrega pública e, portanto, de envio, de adjudicação. Quando Heidegger está se expressando através da palavra Geschick, ele está falando do desdobrar-se da dobradura, ou seja, do desdobrar-se do Ser no sentido de eón e, assim sendo, de destino (do desdobrar-se) do Ser.
(LUZIE, Marta. A Dobra do Destino. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1999)