Quem é Artemis? Seria pretensioso querer responder a essa pergunta através de registros da “mitologia”. A única resposta aqui conveniente e possível deve guardar o modo de uma responsabilidade, que encerra uma decisão histórica sobre as nossas condições de preservar como um passado vigente a essência dessa deusa e do divino grego. Não faz diferença se idolatramos “poética e literariamente” as figuras dos deuses gregos ou se as esclarecemos através de uma erudição mitológica e historiográfica. Em ambos os casos, não passam de objetos da nossa “vivência” as figuras que, no primeiro caso, parecem mais efusivas e afetivas, enquanto no segundo se mostram mais rígidas e monótonas. Uma pergunta inteiramente diversa é se, a partir de uma necessidade essencial, a essência velada da destinação histórica a que pertencemos deve, necessariamente, estabelecer um diálogo com aquilo que foram para os gregos os seus deuses, os seus Theoi. A resposta autêntica para as perguntas: “Quem é Artemis? Quem é Zeus?” resguarda-se no porvir de nossa destinação histórica, uma vez que só ela pode acolher o passado vigente. (GA55MSC:29)
Nascidos em Delos, Artemis carrega os mesmos sinais que o seu irmão Apolo. Arco e lira que, de modo misterioso e justamente por isso, são os mesmos também em sua “forma externa”. A lira é o sinal do “jogo que toca as cordas” (NT: em alemão, Saitenspiel. Spiel, spielen significa tanto tocar um instrumento como jogar) e de sua harmonia (ármonía). Mais uma vez, nos vem ao encontro a “essência” do jogo. Os gregos conhecem Artemis como a caçadora, a “deusa da caça”. Através de um conceito mais ou menos equivalente, achamos com naturalidade que sabemos o que é “caça”, transpondo sem atenção essa ideia à deusa da caça. Caça e animais pertencem à “natureza”, à physis. Artemis é a deusa da physis. Suas parceiras de jogo, as ninfas, jogam e tocam o jogo da physis. Essa palavra designa o nascer e o desabrochar que se entreabrem para erguer (pelein) e mostrar num desencobrimento. A deusa da physis é aquela que ergue. Por isso aparece em figuras altaneiras. Sua beleza é aquela do aparecimento nobre e grandioso. As jovens que Artemis favorece são presenteadas com crescimentos grandiosos.
Se para os pensadores originários a physis é o que permanece como a única causa a ser pensada, teremos então, oportunamente, que nos deter admirados no fato de Artemis aparecer na proximidade de Heráclito. Essa proximidade seria precisamente o sinal de que Heráclito é um pensador originário. Artemis aparece com tochas em ambas as mãos. É chamada de phosphoros, de portadora da luz. A essência da luz (phaos, phos) é a claridade sem a qual nada aparece, sem a qual nada pode sair do encobrimento para o desencobrimento. A essência da physis é, porém, surgir e espraiar-se simultaneamente numa abertura e clareira. phos, phaos, luz, e physis, surgir, e phaine, brilhar e aparecer, possuem raízes na própria essência daquilo que nem os pensadores originários dos gregos e nenhum dos pensadores posteriores chegaram a pensar, na unidade de sua riqueza. (GA55MSC:31)
(…) Desde tempos remotos tem-se notícia de um santuário em Éfeso dedicado a Artemis, o “Artemision”. Artemis é também chamada de Dione ou “Diana”. A deusa Artemis é irmã do deus Apolo. Segundo a lenda, ambos nasceram na ilha de Delos e a sua essência é aquela de surgir para o mundo no domínio da luz e do iluminado. Artemis aparece com tochas nas mãos porque é a phosphoros, a fosfórea, a portadora da luz. Artemis anda pelas montanhas e florestas, ali se encontrando como a caçadora. Busca os animais que deixam transparecer o “vivo” de modo singular, a ponto de ainda hoje as palavras “zoológico” e “animal” exprimirem não apenas a animalidade, mas também o vivo em geral. É o que também lembra a definição ocidental da essência do homem: animal rationale, o ser-vivo racional. Em vez de ser-vivo, Nietzsche diz simplesmente “animal”. (GA5MSC:39)