No projeto existencial originário da existência, o projetado desvelou-se como decisão antecipadora {CH: equívoco: aqui se confundem projeto existenciário e transposição existencial para o projeto}. O que possibilita que a presença [Dasein] seja toda em sentido próprio na unidade de toda a sua estrutura de articulação? Apreendida formal e existencialmente, sem que se nomeie agora constantemente o conteúdo pleno de sua estrutura, a decisão antecipadora é o ser para o poder-ser mais próprio e privilegiado. Isto só é possível caso a presença [Dasein] possa de todo a modo vir-a-si em sua possibilidade mais própria e, deixando-se vir-a-si, suporte a possibilidade enquanto possibilidade, ou seja, exista. Este deixar-se-vir-a-si que, na possibilidade privilegiada a sustém, é o fenômeno originário do PORVIR. Se, ao ser da presença [Dasein], pertence o ser-para-a-morte, próprio ou impróprio, este então só é possível como porvindouro, no sentido agora indicado e que ainda deve ser determinado de forma mais precisa. “PORVIR” não significa aqui um agora que, ainda-não tendo se tornado “real”, algum dia o será. PORVIR significa o advento em que a presença [Dasein] vem a si em seu poder-ser mais próprio. O antecipar torna a presença [Dasein] propriamente porvindoura, de tal maneira que o próprio antecipar só é possível quando a presença [Dasein], enquanto um sendo, sempre já vem a si, ou seja, em seu ser, é e está por vir. STMSC: §65
A decisão antecipadora compreende a presença [Dasein] em seu ser-e-estar em dívida essencial. Este compreender diz assumir, na existência, o ser e estar em dívida, diz ser-fundamento lançado do nada. Assumir o estar-lançado significa, porém, ser, em sentido próprio, a presença [Dasein], no modo em que ela sempre já foi. Só é possível assumir o estar-lançado na medida em que a presença [Dasein] por vir possa ser “como já sempre foi”, no sentido mais próprio, isto é, possa ser o seu “ter sido”. Somente enquanto a presença [Dasein] é como eu sou o ter-sido é que ela, enquanto PORVIR, pode vir-a-si de maneira a vir de volta. Própria e porvindoura, a presença [Dasein] é propriamente o ter sido. Antecipar da possibilidade mais própria e extrema é vir de volta, em compreendendo, para o ter sido mais próprio. A presença [Dasein] só pode ser o ter sido sendo por-vindoura. O vigor de ter sido surge, de certo modo, do PORVIR. STMSC: §65
Vindo-a-si mesma num PORVIR, a decisão atualiza-se na situação. O vigor de ter sido surge do PORVIR e isso de tal maneira que o PORVIR do ter sido (melhor, do que tem sido) deixa vir-a-si a atualidade. Chamamos de temporalidade este fenômeno unificador do PORVIR que atualiza o vigor de ter sido. Somente determinada como temporalidade é que a presença [Dasein] possibilita para si mesma o poder-ser toda em sentido próprio da decisão antecipadora. Temporalidade desvela-se como o sentido da cura propriamente dito. STMSC: §65
O anteceder-a-si-mesma funda-se no PORVIR. O já-ser-em… anuncia em si o vigor de ter sido. O ser-junto-a encontra sua possibilidade na atualização. O que foi dito não permite, de modo algum, apreender o “ante” de “anteceder” (Vor im Vorweg) e o “já” de “já-ser-em” a partir da compreensão vulgar de tempo. O “ante” (Vor) não significa o “antes” no sentido de “agora-ainda-não, mas depois”; da mesma forma, o “já” não significa um “agora-não-mais, mas antes”. Se estas expressões “ante” (Vor) e “já” possuíssem este significado temporal, que aliás também podem possuir, então com temporalidade da cura estar-se-ia dizendo que cura é alguma coisa que se dá “antes” e “depois”, “ainda não” e “não mais”. Nesse caso, a cura seria concebida como um ente que ocorre e transcorre “no tempo”. O ser de um ente com caráter de presença [Dasein] tornar-se-ia, portanto, algo simplesmente dado. Se isso é impossível, então o significado temporal das expressões mencionadas deve ser outro. “Ante” (Vor) e “anteceder” (vorweg) indicam o PORVIR que, como tal, os possibilita, de maneira que possa dar-se um ente em que está em jogo seu poder-ser. O projetar-se “em virtude de si-mesmo”, fundado no PORVIR, é um caráter essencial da existencialidade. O seu sentido primário é o PORVIR. STMSC: §65
Em contrapartida, falta ainda uma indicação dessa espécie para o terceiro momento constitutivo da cura: o ser-decadente-junto-a… Isso não deve significar que a decadência não se fundaria também na temporalidade. Indica, sobretudo, que a atualização, na qual se funda primariamente a decadência das ocupações com o que está à mão e o ser simplesmente dado, também está incluída nos modos da temporalidade originária de PORVIR e vigor de ter sido. Decidida, a presença [Dasein] se recupera justamente da decadência a fim de ser e estar tanto mais propriamente “por aí” [»da«] no instante da situação, que se abriu. STMSC: §65
A temporalidade possibilita a unidade de existência, facticidade e decadência, constituindo, assim, originariamente, a totalidade da estrutura de cura. Os momentos da cura não podem ser ajuntados, somando os pedaços, bem como a própria temporalidade não pode se conjugar “com o tempo”, ajuntando PORVIR, vigor de ter sido e atualidade. A temporalidade não “é”, de forma alguma, um ente. Ela nem é. Ela se temporaliza. Porque não podemos deixar de dizer “temporalidade ‘é’ – o sentido da cura”, a “temporalidade, ‘é’ – determinada deste ou daquele modo”, isto se tornará compreensível após o esclarecimento da ideia do “é” e do ser em geral. A temporalidade temporaliza, e temporaliza nos modos possíveis de si mesma. São estes que possibilitam a pluralidade dos modos de ser da presença [Dasein], sobretudo, a possibilidade fundamental de existência própria e imprópria. STMSC: §65
PORVIR [Zukunft], vigor de ter sido e atualidade mostram os caracteres fenomenais do “para si mesma”, “de volta para”, “deixar vir ao encontro de”. Os fenômenos para…, ao…, junto a… manifestam a temporalidade como o puro e simples ekstatikon. Temporalidade é o “fora de si” em si e para si mesmo originário. Chamaremos, pois, os fenômenos caracterizados de PORVIR, vigor de ter sido e atualidade, de ekstases da temporalidade. Ela, sobretudo, não é um ente que só sai de dentro de si. Mas a sua essência é temporalização na unidade das ekstases. O característico do “tempo” acessível à compreensão vulgar consiste, entre outras coisas, justamente em que, no tempo, o caráter ekstático da temporalidade originária é nivelado a uma pura sequência de agora, sem começo nem fim. De acordo com seu sentido existencial, esse nivelamento funda-se, porém, numa determinada temporalização possível, pela qual a temporalidade temporaliza impropriamente este “tempo”. Se, portanto, o “tempo” acessível à compreensibilidade da presença [Dasein] se comprova como não originário e, além disso, como oriundo da temporalidade própria, então justifica-se, segundo a sentença a potiori fit denominatio, a designação da temporalidade agora liberada como tempo originário. STMSC: §65
Na enumeração das ekstases, colocamos sempre em primeiro lugar o PORVIR. É para indicar que, na unidade ekstática da temporalidade originária e própria, o PORVIR possui uma primazia, embora a temporalidade não surja de um amontoado e de uma sequência de ekstases, temporalizando-se, cada vez, na igualdade originária de cada uma delas. Dentro da temporalidade, porém, os modos de temporalização são diversos. E a diversidade consiste em que a temporalização pode determinar-se primariamente a partir das diferentes ekstases. A temporalidade originária e própria temporaliza-se a partir do PORVIR em sentido próprio, de tal modo que só porvindouramente sendo o ter-sido é que ela desperta a atualidade. O PORVIR é o fenômeno primário da temporalidade originária e própria. De acordo com a primazia do PORVIR, a temporalização modificada ainda há de se transformar, apesar de aparecer no “tempo” derivado. STMSC: §65
A cura é ser-para-a-morte. A decisão antecipadora foi determinada como ser próprio para a possibilidade característica da absoluta impossibilidade da presença [Dasein]. Nesse ser-para-o-fim, a presença [Dasein] existe, total e propriamente, como o ente que pode ser “lançado na morte”. Ela não possui um fim em que ela simplesmente cessaria. Ela existe finitamente. Em sentido próprio, o PORVIR que temporaliza primariamente a temporalidade, que constitui o sentido da decisão antecipadora, desvela-se, portanto, como sendo em si mesmo finito. Mas “o tempo não continua” apesar de eu não mais estar presente? E muitas coisas não podem restar, ilimitadamente, no “futuro” e dele advir? STMSC: §65
Estas questões devem ser respondidas afirmativamente. E mesmo assim elas não significam nenhuma objeção à finitude da temporalidade originária. Isto porque já não dizem respeito a ela. A questão não é o que ainda pode acontecer “num tempo que prossegue” e nem que espécie de deixar-vir-a-si ocorre “a partir deste tempo”. A questão é como se determina originariamente o deixar-vir-a-si ele mesmo como tal. Finitude não diz primariamente término. Finitude é um caráter da própria temporalização. O PORVIR originário e próprio é o para-si, um para-si que existe como a possibilidade insuperável do nada. O caráter ekstático do PORVIR originário reside justamente em incluir o poder-ser, isto é, em estar ele mesmo incluído e, como tal, possibilitar a compreensão existenciária e decidida do nada. O vir-a-si originário e próprio é o sentido do existir no nada mais próprio. Com a tese da finitude originária da temporalidade não se contesta que “o tempo prossegue”, mas esta tese deve simplesmente manter o caráter fenomenal da temporalidade originária que se mostra no que é projetado pelo projeto existencial e originário da própria presença [Dasein]. STMSC: §65
A tentação de se passar por cima da finitude do PORVIR originário e próprio e, com isso, da temporalidade, considerando-a “a priori” impossível, nasce da constante imposição da compreensão vulgar de tempo. Se esta, com razão, só conhece um tempo infinito, isto ainda não prova que ela já compreenda este tempo e a sua “infinitude”. O que significa o tempo “prossegue e passa”? O que significa “no tempo” em geral e, de maneira específica, “no” e “do futuro”? Em que sentido “o tempo” é infinito? Estas perguntas devem ser esclarecidas para que as objeções vulgares contra a finitude do tempo originário não permaneçam infundadas. Este esclarecimento, porém, só pode realizar-se caso se alcance um questionamento adequado de finitude e in-finitude. Este, por sua vez, surge de uma visão compreensiva do fenômeno originário do tempo. O problema não pode ser, portanto: como é que o tempo infinito e “derivado”, “no qual” nasce e perece o ser simplesmente dado, torna-se temporalidade finita e originária, mas sim como o tempo im-próprio provém da temporalidade finita e própria, e como ela, sendo imprópria, temporaliza um tempo in-finito a partir do tempo finito. Somente porque o tempo originário é finito é que o tempo “derivado” pode temporalizar-se como in-finito. Na ordem da apreensão compreensiva, a finitude do tempo só se torna plenamente visível quando se explicita o “tempo sem fim” para contrapô-lo à finitude. STMSC: §65
A análise feita até aqui da temporalidade originária pode resumir-se nas seguintes teses: originariamente, tempo é temporalização da temporalidade que, como tal, possibilita a constituição da estrutura da cura. A temporalidade é, essencialmente, ekstática. Temporalidade temporaliza-se, originariamente, a partir do PORVIR. O tempo originário é finito. STMSC: §65
Apreendido de modo existencialmente originário, compreender significa: ser, projetando-se num poder-ser, em virtude do qual a presença [Dasein] sempre existe. O compreender abre o poder-ser próprio de tal maneira que, compreendendo, a presença [Dasein], de algum modo, sempre sabe a quantas ela mesma anda. Esse “saber” não significa, contudo, ter descoberto um fato mas manter-se numa possibilidade existenciária. O não-saber que lhe corresponde não consiste numa ausência do compreender mas deve ser considerado um modo deficiente de se projetar o poder-ser. A existência pode tornar-se digna de questionamento. Para que este “estar em questão” seja possível, é necessária uma abertura. O PORVIR está à base do compreender-se no projeto de uma possibilidade existenciária enquanto um vir-a-si, a partir da possibilidade em que a presença [Dasein] cada vez existe. Do ponto de vista ontológico, o PORVIR possibilita um ente que é de tal modo que, compreendendo, existe em seu poder-ser. O projetar-se tem por base o PORVIR e, consequentemente, não apreende, em primeiro lugar, a possibilidade projetada como tema de uma opinião, mas se lança na possibilidade. Em compreendendo, a presença [Dasein] é, cada vez, como ela pode ser. A decisão mostrou-se como um existir originário e próprio. Sem dúvida, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, a presença [Dasein] permanece indecisa, ou seja, fechada em seu poder-ser mais próprio no qual ela só se empenha singularizando-se. Isto implica que nem sempre a temporalidade se temporaliza a partir do PORVIR, em sentido próprio. Essa inconsistência não significa, porém, que a temporalidade careça, por vezes, de PORVIR e sim que a temporalização do PORVIR está sujeita a mutações. STMSC: §68
Reservamos o termo antecipar para caracterizar, terminologicamente, o PORVIR em sentido próprio. Ele indica que, existindo propriamente, a presença [Dasein] faz com que ela mesma venha-a-si como seu poder-ser mais próprio. Indica também que o PORVIR deve conquistar a si mesmo não a partir de uma atualidade, mas a partir do PORVIR impróprio. O termo formal e indiferente para o PORVIR encontra-se na designação do primeiro momento estrutural da cura, isto é, no anteceder-a-si. De fato, a presença [Dasein] constantemente antecede a si mesma mas inconstantemente, segundo a sua possibilidade existenciária, o faz antecipando. STMSC: §68
Como então distinguir o PORVIR impróprio? Assim como o PORVIR em sentido próprio desvela-se na decisão, também este modo ekstático só pode desvelar-se reconduzindo-se, ontologicamente, da compreensão imprópria das ocupações cotidianas, a seu sentido existencial e temporal. Como cura, a presença [Dasein] é, em sua essência, antecipar-se. Numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, o ser-no-mundo compreende-se a partir daquilo de que se ocupa. O compreender impróprio projeta-se para o que é passível de ocupação e feitura, para o que é urgente e inevitável nos negócios dos afazeres cotidianos. Todavia, aquilo de que se ocupa é como é, em virtude do poder-ser da cura. Este permite que a presença [Dasein], em seu ser de ocupações, venha-a-si ocupando-se do que se ocupa. Primariamente, a presença [Dasein] não vem-a-si em seu poder-ser mais próprio e irremissível mas é em se ocupando que a presença [Dasein] aguarda a si mesma, a partir do que lhe proporciona ou recusa aquilo de que se ocupa. É a partir daquilo de que se ocupa que a presença [Dasein] vem-a-si. O PORVIR impróprio possui o caráter de aguardar. Compreender-se, impessoalmente, nas ocupações como o impessoalmente-si-mesmo a partir daquilo que se empreende encontra o “fundamento” de sua possibilidade nesse modo ekstático de PORVIR. E somente porque de fato a presença [Dasein] aguarda o seu poder-ser, a partir daquilo de que se ocupa, é que ela pode esperar e tecer expectativas… O aguardar sempre já deve ter aberto o horizonte e o âmbito a partir do que algo pode ser esperado. Esperar é o modo do PORVIR fundado no aguardar que, em sentido próprio, se temporaliza como antecipar. É por isso que no antecipar reside um ser-para-a-morte mais originário do que nas suas esperas das ocupações. STMSC: §68
Enquanto existir, compreender é primariamente porvindouro, no poder-ser de qualquer projeto. Contudo, ele não se temporalizaria se não fosse temporal, isto é, se não fosse determinado, de modo igualmente originário, pelo vigor de ter sido e pela atualidade. Já esclarecemos, embora de modo grosseiro, que esta última ekstase também constitui o compreender impróprio. A ocupação cotidiana compreende-se a partir do poder-ser que lhe vem ao encontro num possível sucesso ou insucesso, relativo àquilo de que se ocupa. Ao PORVIR impróprio, ao aguardar, corresponde um ser próprio junto àquilo de que se ocupa. O modo ekstático desta atualidade que vem de encontro desvela-se quando se compara esta ekstase com o modo da temporalidade própria. Pertence ao antecipar da decisão uma atualidade segundo a qual a decisão abre uma situação. Na decisão não apenas se recupera a atualidade da dispersão nas ocupações imediatas como ela se mantém atrelada ao PORVIR e ao vigor de ter sido. Chamamos de instante a atualidade própria, isto é, a atualidade mantida na temporalidade própria. Este termo deve ser compreendido em sentido ativo como ekstase. Ele remete a retração da presença [Dasein] decidida, mas mantida na decisão, ao que de possibilidades e circunstâncias passíveis de ocupação vem ao encontro na situação. Fundamentalmente, o fenômeno do instante não pode ser esclarecido pelo agora. O agora é um fenômeno temporal que pertence ao tempo da intratemporalidade: o agora “em que” algo nasce, perece ou simplesmente se dá. “No instante”, nada pode ocorrer. Ao contrário, enquanto atualidade em sentido próprio, é o instante que deixa vir ao encontro o que, estando à mão ou sendo simplesmente dado, pode ser e estar “em um tempo”. STMSC: §68
Por oposição ao instante, no sentido de atualidade própria, chamamos de atualização a atualidade imprópria. Compreendida formalmente, toda atualidade é atualizante mas nem toda atualidade “instaura um instante”. Quando usamos sem nenhum acréscimo o termo atualização significa sempre a atualidade imprópria, indecisa e desprovida de instante. A atualização só se esclarecerá mediante a interpretação temporal da decadência no “mundo” das ocupações que nela encontra o seu sentido existencial. Mas na medida em que o compreender impróprio projeta o poder-ser a partir do que é passível de ocupação, isso significa que ela se temporaliza a partir da atualização. Inversamente, o instante se temporaliza a partir do PORVIR em sentido próprio. STMSC: §68
Assim como a espera só é possível com base no aguardar, também a recordação só é possível com base no esquecer e não o contrário; pois, no modo do esquecimento, o vigor de ter sido “abre”, primariamente, o horizonte em que a presença [Dasein], perdida na “exterioridade” das ocupações, pode recordar-se. O aguardar que atualiza e esquece é uma unidade ekstática própria onde a compreensão imprópria se temporaliza em sua temporalidade. A unidade destas ekstases fecha o poder-ser próprio sendo, com isso, a condição existencial de possibilidade da indecisão. Embora o compreender impróprio das ocupações se determine pela atualização daquilo de que se ocupa, é primariamente no PORVIR que o compreender se temporaliza. STMSC: §68
Aviando e desviando da própria presença [Dasein], o humor realiza aberturas. Existencialmente, só é possível colocar-se diante desse que (se é) do próprio estar-lançado – seja desvelando com propriedade ou encobrindo com impropriedade – quando o ser da presença [Dasein], de acordo com seu sentido, é constantemente o vigor de ter sido. O colocar-se diante deste ente-lançado, que impessoalmente se é, não cria o vigor de ter sido. A sua ekstase é que possibilita o encontrar-se como disposição. O compreender funda-se, primariamente, no PORVIR, ao passo que a disposição se temporaliza, primariamente, no vigor de ter sido. Humor temporaliza-se, ou seja, a sua ekstase específica pertence a um PORVIR e a uma atualidade mas de tal forma que o vigor de ter sido modifica as ekstases igualmente originárias. STMSC: §68
Começaremos a análise com a demonstração da temporalidade do medo. Caracterizou-se o medo como disposição imprópria. Em que medida o vigor de ter sido é o sentido existencial que o possibilita? Que modo desta ekstase caracteriza a temporalidade específica do medo? Medo é ter medo do que ameaça. Trata-se do que se aproxima prejudicialmente, como já descrito, do poder-ser fático da presença [Dasein], no âmbito do que está à mão e do que é simplesmente dado nas ocupações. No modo da circunvisão cotidiana, o ter medo abre algo que ameaça. Um sujeito meramente espectador nunca poderia descobrir algo assim. Mas não será esta abertura de ter medo de alguma coisa um deixar vir-a-si? Não é correta a determinação do medo como espera de um mal que está vindo (malum futurum)? Não será o sentido temporal primário do medo tanto o PORVIR como o vigor de ter sido? Indiscutivelmente, o medo não apenas se “relaciona” com o que “está por vir”, entendido como o que só advém “no tempo”, mas também esse relacionar-se, em si mesmo, já está por vir, no sentido do tempo originário. Sem dúvida, também pertence à constituição existencial e temporal do medo um aguardar. Mas, de início, isso diz apenas que a temporalidade do medo é imprópria. Será que ter medo de alguma coisa é apenas esperar uma ameaça em advento? Esperar uma ameaça em advento ainda não precisa ser medo, e é tão pouco medo que lhe falta justamente o caráter do humor específico do medo. Este reside em que o aguardar próprio ao medo deixa e faz com que aquilo que ameaça volte para o poder-ser fático, empenhado em ocupações. Só no aguardar é que o que ameaça pode estar de volta para o ente que eu sou e, dessa forma, a presença [Dasein] só pode ser ameaçada caso já se tenha aberto, ekstaticamente, o para onde volta. O caráter de humor e afecção do medo reside em que o aguardar medroso tem medo “de si mesmo”, isto é, em que todo ter medo de alguma coisa é um ter medo por… O seu sentido existencial e temporal constitui-se por um esquecer-se de si: qual seja, extrair-se, de forma conturbada, do poder-ser fático em sentido próprio; é nesse esquecer que o ser-no-mundo ameaçado se ocupa do que está à mão. É com razão que Aristóteles determina o medo como lype tis he tarache, aflição e conturbação. A aflição pressiona a presença [Dasein] no sentido de voltar para o seu estar-lançado mas de tal maneira que justamente este estar-lançado se fecha. Já a conturbação funda-se num esquecer. O extrair-se no esquecimento de um poder-ser fático e decidido baseia-se nas possibilidades de salvação e escape previamente descobertas numa circunvisão. Porque se esquece de si e não apreendendo nenhuma possibilidade determinada, a ocupação que se teme salta do mais próximo para o mais próximo. Com isso, todas as possibilidades “possíveis” e impossíveis se oferecem. Aquele que tem medo não se detém em nenhuma delas; o “mundo circundante” não desaparece, ao contrário, lhe vem ao encontro justamente nesse não-mais-se-reconhecer no mundo circundante. Essa atualização conturbada do que é melhor por ser o mais próximo pertence ao esquecimento de si, inerente ao medo. É sabido que o habitante de uma casa em chamas, por exemplo, frequentemente, quer “salvar” as coisas mais indiferentes por estarem mais imediatamente à mão. A atualização esquecida de si de uma confusão de possibilidades soltas possibilita a conturbação do medo que, como tal, lhe constitui o caráter específico de humor. O esquecimento inerente à conturbação também modifica o aguardar, caracterizando-o como um aguardar aflito e conturbado por oposição a uma pura espera. STMSC: §68
A unidade ekstática específica que, do ponto de vista existencial, possibilita o ter medo temporaliza-se, primariamente, a partir do esquecimento acima caracterizado que, enquanto modo do vigor de ter sido, lhe modifica tanto a atualidade quanto o PORVIR, em sua temporalização. A temporalidade do medo é um esquecer que aguarda e atualiza. Orientada para o que vem ao encontro dentro do mundo, a interpretação que compreende o medo busca, de início, o seu referente no “mal que está vindo” e determina, correspondentemente, como espera a relação que com ele estabelece. Tudo o que, além disso, pertence ao fenômeno fica sendo um “sentimento de prazer e desprazer”. STMSC: §68
Como a temporalidade da angústia se comporta frente à temporalidade do medo? Chamamos este fenômeno de disposição fundamental. Ela coloca a presença [Dasein] diante de seu estar-lançado mais próprio, desvelando a estranheza do ser-no-mundo cotidiano e familiar. Assim como o medo, a angústia também se determina formalmente por um com quê e um pelo quê a angústia se angustia. A análise mostrou, no entanto, que estes dois fenômenos coincidem. Isto não significa, porém, que os caracteres estruturais do com quê e pelo quê se confundem no sentido de que a angústia não se angustiaria nem com e nem por alguma coisa. A coincidência entre o com quê e o pelo quê deve significar que é um e o mesmo o ente que os realiza, ou seja, a presença [Dasein]. Especificamente, o com quê a angústia se angustia vem ao encontro não como algo determinado numa ocupação. A ameaça não provém do que está à mão e do que é simplesmente dado mas, sobretudo e justamente, de que tudo que está à mão e é simplesmente dado já não “diz” absolutamente nada. Não estabelece mais nenhuma conjuntura com o ente do mundo circundante. O mundo, no contexto do qual eu existo, afundou na insignificância, e o mundo que, dessa forma, se abre só é capaz de liberar entes sem conjuntura. O nada do mundo, com o que a angústia se angustia, não significa que, na angústia, se faça a experiência de uma ausência de seres simplesmente dados dentro do mundo. É preciso que eles venham ao encontro para que não estabeleçam nenhuma conjuntura e possam, assim, mostrar-se numa impiedade vazia. Isso significa, porém, que o aguardar da ocupação não encontra mais nada a partir do qual possa compreender-se. Ele agarra o nada do mundo; deparando-se com o mundo, porém, o compreender é trazido pela angústia para o ser-no-mundo como tal, de maneira que esse com quê a angústia se angustia é, também, o seu por quê. O angustiar-se com alguma coisa não possui nem o caráter de espera, nem de aguardar. O com quê a angústia se angustia já está “pre-sente” [»da«], é a própria presença [Dasein]. Será que a angústia não se constitui pelo PORVIR? Sem dúvida, mas não pelo PORVIR impróprio do aguardar. STMSC: §68
A possibilidade de apoderar-se, que distingue o humor da angústia, comprova-se na temporalidade específica da angústia por ela fundar-se, originariamente, no vigor de ter sido e porque somente a partir dele é que se temporalizam PORVIR e atualidade. Nele, a presença [Dasein] retoma inteiramente a nudez de sua estranheza e é por ela possuída. Esta possessão não só toma de volta a presença [Dasein] das possibilidades “mundanas”, mas também lhe dá a possibilidade de um poder-ser próprio. STMSC: §68
Ambos os humores do medo e da angústia, no entanto, nunca “ocorrem” apenas isoladamente no “fluxo das vivências”, mas sempre de-terminam o humor de um compreender ou de-terminam para si o humor a partir de um compreender. O medo encontra seu ensejo nos entes que vêm ao encontro no mundo circundante. A angústia, ao contrário, surge da própria presença [Dasein]. O medo sobrevêm a partir do intramundano. A angústia cresce a partir do ser-no-mundo enquanto ser-lançado-para-a-morte. Em seu sentido temporal, este “crescer” da angústia, a partir da própria presença [Dasein], significa que o PORVIR e a atualidade da angústia se temporalizam a partir de um vigor de ter sido originário, entendido como recolocar a possibilidade de retomada. A angústia, no entanto, só pode “crescer” propriamente numa presença [Dasein] decidida. Embora o decidido desconheça o medo, ele compreende precisamente a possibilidade de angústia como possibilidade do humor que nem inibe e nem conturba. Ao contrário, libera de possibilidades “nulas”, tornando-o livre para as possibilidades próprias. STMSC: §68
Embora ambos os modos da disposição, medo e angústia, estejam fundidos primariamente num vigor de ter sido, na totalidade da cura, a sua temporalização própria tem, cada vez, uma origem diferente. A angústia surge do PORVIR da decisão. O medo surge da atualidade perdida que, medrosamente, tem medo do medo, para então nele decair. STMSC: §68
Mas será que, talvez, a tese da temporalidade dos humores não valha apenas no caso dos fenômenos escolhidos para a análise? Como se pode encontrar um sentido temporal na morna ausência de humores que domina o “cotidiano cinzento”? E o que dizer da temporalidade dos humores e afetos como esperança, alegria, encantamento e jovialidade? Que não apenas o medo e a angústia mas também outros fenômenos estão existencialmente fundados num vigor de ter sido, isso se mostra, claramente, quando nomeamos fenômenos tais que tédio, tristeza, melancolia e desespero. Sem dúvida, sua interpretação deve fazer-se com base numa analítica mais ampla da presença [Dasein], elaborada existencialmente. Mas também um fenômeno como a esperança, que parece totalmente fundada no PORVIR, deve ser analisado de forma correspondente à análise do medo. Em oposição ao medo, que se relaciona a um malum futurum, costuma-se caracterizar a esperança como espera de um bonum futurum. Para a estrutura do fenômeno, porém, o decisivo não é tanto o caráter “futuro” daquilo a que a esperança está relacionada mas, sobretudo, o sentido existencial do próprio ter esperança. Também aqui o caráter de humor reside, primariamente, em ter esperança enquanto ter esperança-para-si. Aquele que tem esperança carrega, por assim dizer, a si mesmo para dentro da esperança, contrapondo-se ao que é esperado. Isso pressupõe, no entanto, um ter-se-conquistado. Que a esperança, em oposição ao medo que abate, alivia diz apenas que também essa disposição permanece referida ao peso de uma carga, no modo de ser o ter sido. Do ponto de vista ontológico, o humor exaltado, ou melhor, exaltante só é possível numa remissão ekstático-temporal da presença [Dasein] ao fundamento-lançado de si mesma. STMSC: §68
A interpretação temporal de compreender e disposição deparou-se não apenas com a ekstase primária referente a cada fenômeno mas também com toda a temporalidade. Da mesma forma que o PORVIR possibilita primariamente o compreender e o vigor de ter sido possibilita o humor, o terceiro momento estrutural da cura, a decadência, encontra seu sentido existencial na atualidade. A análise preparatória da decadência teve início com a interpretação da falação, da curiosidade e da ambiguidade. A análise temporal da decadência deve seguir o mesmo caminho. Contudo, a investigação se limitará em considerar a curiosidade porque é nela que se pode ver, mais facilmente, a temporalidade específica da decadência. A análise da falação e da ambiguidade, por sua vez, já pressupõe o esclarecimento da constituição temporal da fala e da significação (da interpretação). STMSC: §68
A curiosidade é uma tendência ontológica privilegiada da presença [Dasein], segundo a qual ela se ocupa de um poder-ver. Tanto o “ver” quanto o conceito de visão não se restringem à percepção propiciada pelos “olhos do corpo”. Em sentido amplo, a percepção deixa vir ao encontro “corporalmente” em si mesmos o que está à mão e o ser simplesmente dado, no tocante ao seu aspecto. Esse deixar vir ao encontro funda-se numa atualidade. A atualidade fornece o horizonte ekstático no qual o ente pode ser corporalmente vigente. Entretanto, a curiosidade não atualiza o ser simplesmente dado a fim de, nele demorando-se, compreendê-lo. Ela busca ver apenas para ver e ter visto. Enquanto esta atualização presa em si mesma ao ser simplesmente dado, a curiosidade está numa unidade ekstática com um PORVIR e um vigor de ter sido correspondentes. A avidez do novo move-se, sem dúvida, em direção ao ainda-não-visto mas de tal maneira que a atualização tenta escapar do aguardar. A curiosidade é toda ela impropriamente porvindoura e isto a tal ponto que ela não aguarda uma possibilidade mas, em sua avidez, só cobiça a possibilidade como algo real. A curiosidade constitui-se de uma atualização que não se sustenta e, apenas atualizando, procura constantemente fugir do aguardar em que a atualização se “mantém” e se resguarda, embora insustentada. A atualidade “surge” da correspondente atualização que lhe pertence, no sentido mencionado de fuga. Mas a atualização em que “surge” a curiosidade se entrega tão pouco à “coisa” que, ao conquistar uma visão, já deixa de ver para ver a próxima. Do ponto de vista ontológico, o que possibilita o não demorar-se, característico da curiosidade, é a atualização que constantemente “surge” no aguardar a uma possibilidade apreendida e determinada. A atualização não “surge” do aguardar no sentido de que ela estaria onticamente desligada do aguardar para a ele se abandonar. O “surgir” é uma modificação ekstática do aguardar, de tal maneira que o aguardar ressurge da atualização. O aguardar abdica, por assim dizer, de si mesmo em não mais deixando que venham a si possibilidades impróprias da ocupação a partir daquilo de que se ocupa, à exceção daquelas que se oferecem para uma atualização que não se sustenta. A modificação ekstática do aguardar mediante a atualização que surge numa atualização que ressurge é a condição temporal e existencial da possibilidade de dispersão. STMSC: §68
Quanto mais imprópria a atualidade, isto é, quanto mais a atualização vem a “si-mesma”, tanto mais, fechando, ela foge de um poder-ser determinado, mas tanto menos pode o PORVIR retornar para o ente-lançado. No “surgir” da atualidade reside, ao mesmo tempo, um esquecimento crescente. O fato de a curiosidade sempre se deter no mais imediato e esquecer o que veio antes não é uma consequência da curiosidade mas, ao contrário, a sua própria condição ontológica. STMSC: §68
No tocante a seu sentido temporal, os caracteres da decadência, anteriormente demonstrados, como tentação, tranquilização, alienação e auto-aprisionamento significam que a atualização que “surge” busca, de acordo com a sua tendência ekstática, temporalizar-se a partir de si mesma. A presença [Dasein] aprisiona-se – esta determinação possui um sentido ekstático. O retrair-se da existência na atualização não significa que a presença [Dasein] se desligue de seu eu e de seu si-mesmo. Mesmo na atualização mais extrema, ela permanece temporal, ou seja, aguardando e esquecendo. Mesmo atualizando, a presença [Dasein] ainda se compreende, embora alienada de seu poder-ser mais próprio, primariamente fundado no PORVIR e no vigor de ter sido, em sentido próprio. Sempre oferecendo algo “novo”, a atualização não deixa que a presença [Dasein] volte a si mesma, tranquilizando-a sempre de novo. Essa tranquilização, no entanto, fortalece a tendência para surgir. A curiosidade não é “provocada” pela visibilidade sem fim do que ainda não se viu mas pelo modo decadente de temporalização da atualidade que surge. Mesmo que tenha visto tudo, a curiosidade sempre inventa algo novo. STMSC: §68
O modo de temporalização em que a atualidade “surge” funda-se na essência da temporalidade, que é finita. Lançada no ser-para-a-morte, a presença [Dasein] foge, de início e na maior parte das vezes, desse estar-lançado, que se desvela de modo mais ou menos explícito. A atualidade surge de seu próprio PORVIR e vigor de ter sido para então deixar, pelo viés de si mesma, que a presença [Dasein] venha à existência própria. A origem em que a atualidade “surge”, isto é, em que a decadência cai na perdição, é a temporalidade originária e própria que, por sua vez, possibilita o ser-lançado-para-a-morte. STMSC: §68
O compreender funda-se, primariamente, no PORVIR (antecipar e aguardar). A disposição temporaliza-se, primariamente, no vigor de ter sido (retomada e esquecimento). A decadência enraíza-se, primária e temporalmente, na atualidade (atualização e instante). Não obstante, a compreensão é sempre atualidade “do vigor de ter sido”. Não obstante, a disposição se temporaliza num PORVIR “atualizante”. Não obstante, a atualidade “surge” ou se sustenta num PORVIR do vigor de ter sido. Assim, fica claro que: a temporalidade se temporaliza totalmente em cada ekstase, ou seja, a totalidade do todo estrutural de existência, facticidade e decadência funda-se na unidade ekstática de cada temporalização plena da temporalidade. Esta é a unidade estrutural da cura. STMSC: §68
Temporalização não significa “sucessão” de ekstases. O PORVIR não vem depois do vigor de ter sido, e este não vem antes da atualidade. A temporalidade se temporaliza num PORVIR atualizante do vigor de ter sido. STMSC: §68
A unidade ekstática da temporalidade, isto é, a unidade do “fora de si” nas retrações de PORVIR, vigor de ter sido e atualidade é a condição de possibilidade para que um ente possa existir como o seu “pre” [das Da]. STMSC: §69
O enraizamento da atualidade no PORVIR e no vigor de ter sido é a condição existencial e temporal de possibilidade para que aquilo que se projetou no compreender da compreensão, guiada por uma circunvisão, possa ser colocado mais perto numa atualização. STMSC: §69
O esquema em que a presença [Dasein] vem a si no PORVIR, quer de modo próprio ou impróprio, é o estar em virtude de si. STMSC: §69
A unidade dos esquemas horizontais de PORVIR, vigor de ter sido e atualidade funda-se na unidade ekstática da temporalidade. STMSC: §69
Com a presença [Dasein] fática, um poder-ser está sempre lançado no horizonte do PORVIR, o “já-ser” está sempre aberto no horizonte do vigor de ter sido, e aquilo de que se ocupa já está sempre descoberto no horizonte da atualidade. STMSC: §69
Assim como, na unidade de temporalização da temporalidade, a atualidade surge do PORVIR e do vigor de ter sido, também o horizonte de uma atualidade se temporaliza, de modo igualmente originário, nos horizontes de PORVIR e vigor de ter sido. STMSC: §69
Com isso, acirra-se o enigma, por que justamente o “passado”, mais precisamente, o vigor de ter sido, determina prevalentemente o histórico, já que o vigor de ter sido se temporaliza, de modo igualmente originário, junto com a atualidade e o PORVIR. STMSC: §73
O ente que, em seu ser, é essencialmente PORVIR, de tal maneira que, livre para a sua morte, nela pode despedaçar-se e deixar-se relançar para a facticidade de seu pre [das Da] é um ente que, sendo PORVIR, é de modo igualmente originário o vigor de ter sido. STMSC: §74
Se, porém, o destino constitui a historicidade originária da presença [Dasein], então a história não tem seu peso essencial no passado, nem no hoje e nem em seu “nexo” com o passado, mas sim no acontecer próprio da existência, que surge do PORVIR da presença [Dasein]. STMSC: §74
Enquanto modo de ser da presença [Dasein], a história está tão essencialmente enraizada no PORVIR que a morte, enquanto a possibilidade caracterizada da presença [Dasein], relança a existência antecipadora para o seu estar-lançado fático, só então conferindo ao vigor de ter sido o seu primado característico na história. STMSC: §74
A partir dos fenômenos de transmissão e retomada, enraizados no PORVIR, tornou-se claro por que o acontecer da história em sentido próprio tem seu peso no vigor de ter sido. STMSC: §74
E isso de tal modo que, na retomada, a “força” do possível ressoe na existência fática, isto é, advenha ao seu PORVIR. STMSC: §76
A abertura historiográfica também se temporaliza a partir do PORVIR. STMSC: §76
A presença [Dasein] existe propriamente como PORVIR na abertura decidida de uma possibilidade escolhida. STMSC: §76
A presença [Dasein] se temporaliza como atualidade na unidade do PORVIR e do vigor de ter sido. STMSC: §76
A sua atualização própria do instante nas situações nunca predomina mas se sustenta no PORVIR do ter sido. STMSC: §79
Onde, porém, se funda esse nivelamento do tempo do mundo e encobrimento da temporalidade? No próprio ser da presença [Dasein] que, à guisa de preparação, interpretamos como cura. Lançada e decadente, a presença [Dasein] está, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, perdida nas ocupações. Nessa perdição anuncia-se, contudo, a fuga encobridora da presença [Dasein] de sua existência própria, já caracterizada como decisão antecipadora. Na fuga das ocupações reside a fuga da morte, ou seja, o desviar o olhar do fim do ser-no-mundo. Esse desviar o olhar de… é, em si mesmo, um modo de ser para o fim que, ekstaticamente, é PORVIR. Enquanto um desviar o olhar da finitude, a temporalidade imprópria da presença [Dasein] decadente e cotidiana deve desconhecer o PORVIR próprio e, assim, também a temporalidade em geral. É justamente quando o impessoal dirige a compreensão vulgar da presença [Dasein] que se consolida a “representação” da “infinitude” do tempo público, que se esquece de si. O impessoal nunca morre porque, sendo a morte sempre minha e apenas compreendida existenciariamente em sentido próprio na decisão antecipadora, o impessoal nunca pode morrer. Nunca morrendo e compreendendo equivocadamente o ser-para-o-fim, o impessoal dá uma interpretação característica à fuga da morte. Até o fim, ele “sempre ainda tem tempo”. Aqui se anuncia um ter tempo, no sentido de poder-perder: “agora ainda isso, então isso, e só mais isso e então…” O que, aqui, se compreende não é a finitude do tempo. Ao contrário, a ocupação empenha-se em agarrar o máximo possível do tempo que ainda vem e “continua passando”. Publicamente, o tempo é algo que cada um sempre toma e pode tomar. A sequência nivelada dos agora permanece inteiramente desconhecida, no que respeita à sua proveniência da temporalidade da presença [Dasein] singular, na convivência cotidiana. Como isso poderia afetar “o tempo”, ao menos em seu curso, se já não existe um homem simplesmente dado “no tempo”? O tempo continua a passar da mesma forma que ele já “era” quando um homem “entrou para a vida”. Impessoalmente, apenas se conhece o tempo público que nivela e que pertence a todo mundo, isto é, a ninguém. STMSC: §81
Da mesma maneira que, na tentativa de escapar da morte, a morte persegue o fugitivo e este deve vê-la justamente nos escapes, também a sequência dos agora que, inocente e infinita, simplesmente decorre “sobre”-põe um curioso enigma à presença [Dasein]. Por que dizemos: o tempo passa, e não acentuamos igualmente: ele aparece? Com referência à pura sequência dos agora, poder-se-ia dizer, com o mesmo direito, tanto um como o outro. Na fala do passar do tempo, a presença [Dasein] acaba compreendendo mais do tempo do que gostaria, ou seja, apesar de todo encobrimento, a temporalidade em que o tempo do mundo se temporaliza não está inteiramente fechada. A fala do passar do tempo exprime a seguinte “experiência”: o tempo não se deixa deter. Essa “experiência” só é, portanto, possível com base numa vontade de deter o tempo. Isso implica um aguardar impróprio dos “instantes”, que esquece os instantes que escapolem. O aguardar que atualiza e esquece a existência imprópria é condição de possibilidade da experiência vulgar do passar do tempo. Porque, no anteceder-a-si-mesma, a presença [Dasein] é PORVIR, ela deve compreender, num aguardar, a sequência dos agora como uma sequência que escapole e passa. A presença [Dasein] conhece o tempo fugaz a partir do saber “fugaz” de sua morte. Na fala acentuada do passar do tempo reside o reflexo público do PORVIR finito da temporalidade da presença [Dasein]. E é porque até mesmo a morte pode ficar encoberta na fala do passar do tempo que o tempo se mostra como um passar “em si”. STMSC: §81
Mas mesmo nessa pura sequência de agora que passa em si, o tempo originário ainda se revela através de todo nivelamento e encobrimento. A interpretação vulgar determina o fluxo temporal como a série irreversível de um após outro. Por que o tempo não se reverte? Em si mesmo e justamente quando se encara a sequência dos agora, não se pode perceber por que a sequência dos agora não poderia reaparecer na direção inversa. A irreversibilidade se funda no tempo público oriundo da temporalidade, cuja temporalização, sendo primordialmente PORVIR, “vai”, ekstaticamente, até seu fim, de tal maneira que ela já “é” ser-para-o-fim. STMSC: §81
A temporalidade ekstática e horizontal temporaliza-se, primordialmente, a partir do PORVIR. A compreensão vulgar do tempo, ao contrário, vê o fenômeno fundamental do tempo no agora e no puro agora que, moldado em toda sua estrutura, se costuma chamar de “presente” [Gegenwart]. Daí se pode depreender que, em princípio, deve ficar fora de qualquer possibilidade esclarecer e, sobretudo, derivar desse agora o fenômeno ekstático e horizontal do instante que pertence à temporalidade própria. De modo correspondente, não se confundem o PORVIR ekstático, o “então” datável da significância e o conceito vulgar de futuro, no sentido de simples agora que ainda não advieram e que estão em advento. Tampouco coincidem o vigor de ter sido, ekstaticamente compreendido, o “outrora” datável da significância e o conceito de passado, no sentido dos puros agora passados. O agora já não fica grávido do agora-ainda-não. Ao contrário, a atualidade surge do PORVIR na unidade ekstática e originária de temporalização da temporalidade. STMSC: §81