Até aqui se tratou de mostrar, em poucos passos, mas essenciais, que a essência da verdade deve ser procurada mais originariamente do que a tradicional determinação dela, no sentido de uma propriedade da enunciação, quereria admitir. Se, porém, a essência do fundamento possui uma relação interna com a essência da verdade, então também o problema do fundamento somente pode residir lá, onde a essência da verdade haure sua possibilidade interna, na essência da transcendência. A questão da essência do fundamento transforma-se no problema da transcendência. SOBRE A ESSÊNCIA DO FUNDAMENTO
A breve exposição da dedução leibniziana do princípio da razão, partindo da essência da verdade, tinha como meta elucidar a conexão do problema do fundamento com a questão da possibilidade interna da verdade ontológica, isto quer afinal dizer, com a questão ainda mais originária e, por conseguinte, ainda mais ampla da essência da transcendência. A transcendência é, assim, o âmbito em cujo seio o problema do fundamento deverá ser encontrado. Este âmbito deve agora ser exposto em suas linhas capitais. SOBRE A ESSÊNCIA DO FUNDAMENTO
Se, entretanto, não está aí o ente em direção do qual acontece a ultrapassagem, como deve então ser determinado este “horizonte” (Woraufhin); mais, como deve, em última análise, ser procurado? Nós designamos aquilo em direção do qual (horizonte) o ser-aí como tal transcende, o mundo, e determinamos agora a transcendência como ser-no-mundo. Mundo constitui a estrutura unitária da transcendência; enquanto dela faz parte, o conceito de mundo é um conceito transcendental. Com este término é denominado tudo que faz essencialmente parte da transcendência e dela recebe de empréstimo sua interna possibilidade. E somente por causa disso pode também a clarificação e interpretação da transcendência ser chamada uma exposição “transcendental”. O que, na verdade, quer dizer “transcendental” não deve agora ser tomado de uma filosofia a que se atribui o (elemento) “transcendental” como “ponto de vista” até porventura “gnosiológico”. Isto não exclui a constatação de que precisamente Kant reconheceu o (elemento) “transcendental” como o problema da interna possibilidade de ontologia em geral, ainda que para ele o “transcendental” tenha ainda essencialmente significação “critica”. O transcendental se refere, para Kant, à “possibilidade” (o possibilitante) daquele conhecimento que não sem razão “sobrevoa” a experiência, a experiência, isto é, que não é “transcendente”, mas é a experiência mesma. O transcendental dá, desta maneira, a delimitação essencial (definição), que, ainda que restritiva, é, contudo, através disto, ao mesmo tempo positiva, do não transcendente, isto é, do conhecimento ôntico possível ao homem enquanto tal. Uma concepção mais radical e universal da essência da transcendência é então necessariamente acompanhada por uma elaboração mais originária da ideia da ontologia e, por conseguinte, da metafísica. SOBRE A ESSÊNCIA DO FUNDAMENTO
O ser-aí, entretanto, não é um ente que apenas se acha situado em meio ao ente; ele se relaciona também com o ente e, desta maneira, consigo mesmo. Este relacionar-se com o ente é, primeiramente e o mais das vezes, equiparado à transcendência. Mesmo que isto revele um desconhecimento da essência da transcendência, contudo, deve ser examinada como problema a possibilidade transcendental do comportamento intencional. E se, realmente, a intencionalidade é um privilegiado elemento constituinte da existência do ser-aí, não pode ser omitida numa clarificação da transcendência. SOBRE A ESSÊNCIA DO FUNDAMENTO