Mas é por acaso possível tocar no império da “lógica”? Não é o entendimento realmente o senhor nesta pergunta pelo nada? Efetivamente, é somente com seu auxilio que podemos determinar o nada e colocá-lo como um problema, ainda que fosse como um problema que se devora a si mesmo. Pois o nada é a negação da totalidade do ente, o absolutamente não-ente. Com tal procedimento subsumimos o nada sob a determinação mais alta do negativo e, assim, do negado. A negação é, entretanto, conforme a doutrina dominante e intata da “lógica”, um ato específico do entendimento. Como podemos nós, pois, pretender rejeitar o entendimento na pergunta pelo nada e até na questão da possibilidade de sua formulação? Mas será que é tão seguro aquilo que aqui pressupomos? Representa o “não”, a negatividade e com isto a negação, a determinação suprema a que se subordina o nada como uma espécie particular de negado? “Existe” o nada apenas porque existe o “não”, isto é, a negação? Ou não acontece o contrário? Existe a negação e o “não” apenas porque “existe” o nada? Isto não está decidido; nem mesmo chegou a ser formulado expressamente como questão. Nós afirmamos: o nada é mais originário que o “não” e a negação. QUE É METAFÍSICA?
Sobre o nada a metafísica se expressa desde a Antiguidade numa enunciação, sem dúvida, multívoca: ex nihilo nihil fit, do nada nada vem. Ainda que, na discussão do enunciado, o nada, em si mesmo, nunca se torne problema, expressa ele, contudo, a partir do respectivo ponto de vista sobre o nada, a concepção fundamental do ente que aqui é condutora. A metafísica antiga concebe o nada no sentido do não-ente, quer dizer, da matéria informe, que a si mesma não pode dar forma de um ente com caráter de figura, que, desta maneira, oferece um aspecto (eidos). Ente é a figura que se forma a si mesma, que enquanto tal se apresenta como imagem, origem, justificação e limites desta concepção de ser são tão pouco discutimos como o é o próprio nada. A dogmática cristã, pelo contrário, nega a verdade do enunciado: ex nihilo nihil fit e dá, com isto, uma significação modificada ao nada, que então passa a significar a absoluta ausência de ente fora de Deus: ex nihilo fit – ens creatum. O nada torna-se agora o conceito oposto ao ente verdadeiro, ao summum ens, a Deus enquanto ens increatum. Também a explicação do nada indica a concepção fundamental do ente. A discussão metafísica do ente mantém-se, porém, ao mesmo nível que a questão do nada. As questões do ser e do nada enquanto tais não têm lugar. É por isso que nem mesmo preocupa a dificuldade de que, se Deus cria do nada, justamente precisa poder entrar em relação com o nada. Se, porém, Deus é Deus, não pode ele conhecer o nada, se é certo que o “absoluto” exclui de si tudo o que tem caráter de nada. QUE É METAFÍSICA?
A postura correta diante destas proposições surge de uma renovada meditação da preleção. Ela deve examinar se o nada, que dispõe a angústia em sua essência, se esgota numa vazia negação de tudo o que é, ou se – o que jamais e em parte alguma é um ente – se desvela como aquilo [68] que se distingue de todo ente e que nós chamamos o ser. Em qualquer lugar e em qualquer amplitude em que a pesquisa explore o ente, em parte alguma, encontra ela o ser. Ela apenas atinge sempre o ente porque, antecipadamente, já na intenção de sua explicação, permanece junto do ente. O ser, porém, não é uma qualidade ôntica do ente. O ser não se deixa representar e produzir objetivamente à semelhança do ente. O absolutamente outro com relação ao ente é o não-ente. Mas este se desdobra (west) como ser. Com demasiada pressa renunciamos ao pensamento quando fazemos passar, numa explicação superficial, o nada pelo puramente nadificador e o igualamos ao que não tem substância. Em vez de cedermos a esta pressa de uma perspicácia vazia e sacrificarmos a enigmática multivocidade do nada, devemos armar-nos com a disposição única de experimentarmos no nada a amplidão daquilo que garante a todo ente (a possibilidade de) ser. Isto é o próprio ser. Sem o ser, cuja essência abissal, mas ainda não desenvolvida, o nada nos envia na angústia essencial, todo ente permaneceria na indigência do ser. Mas mesmo esta indigência do ser, enquanto abandono do ser, não é, por sua vez, um nada nadificador, se é certo que à verdade do ser pertence o fato de que o ser nunca se manifesta (west) sem o ente, de que jamais o ente é sem o ser. QUE É METAFÍSICA?