Zimmerman (1982:236-237) – Mundo enquanto espelhamento mútuo

A noção de que o mundo é constituído pelo espelhamento mútuo de seus elementos é uma reminiscência da noção de Leibniz de que cada mônada reflete o mundo a partir de seu próprio ponto de vista. Já em 1926, Heidegger criticou a descrição de Leibniz das mônadas como “sem janelas”. Elas não podem ser sem janelas, afirmou Heidegger, porque, para começar, “não estão alojadas (em um sujeito)”. (GA24:GP, 426-427) As mônadas são aberturas que reúnem a si mesmas, nas quais o mundo pode se espelhar. O mundo, como tal, é a totalidade auto-coletora desses centros de atividade espiritual auto-reflexivos e auto-coletores. Em 1928, Heidegger notou que, para Leibniz, a mônada é um speculum vitale:

Um espelho (speculum) é um deixar-ver: miroir actif indivisible, um espelho simples, indivisível e impulsivo. Esse deixar ver ocorre no modo de ser monádico, onde se realiza o desvelamento do mundo. O espelhamento não é um retrato rígido, mas ele mesmo se impulsiona como tal para novas possibilidades prefiguradas de si mesmo. Ao antecipar o universo uno em um ponto de vista a partir do qual o múltiplo se torna visível pela primeira vez, ele é simples. (ALM, 506/331)

Heidegger achava Leibniz tão convincente, em parte porque ambos os pensadores deviam muito a Aristóteles. De Aristóteles, Heidegger pode ter derivado a ideia de que o jogo circular (Ereignis) unifica os elementos do mundo e permite que eles se manifestem uns aos outros. Aristóteles concebeu Deus como o pensamento autocirculante e autocompleto que atrai os indivíduos a imitarem sua atividade, manifestando os estágios em seu próprio ciclo de devir. Para Aristóteles, sem Deus as coisas não “realizariam seu potencial”. Para Heidegger, sem o jogo circular do mundo, as coisas não se tornariam presenças mútuas. No entanto, Ereignis não se refere a uma supercoisa que faz com que outras coisas sejam, assim como o Deus de Aristóteles não se refere ao criador de substâncias. Como ausência autoconceituosa que permite que os entes se apresentem como um cosmos, Ereignis não é um solo ou fundamento, mas um abismo (Ab-grund). No entanto, a noção de Aristóteles de que Deus é actus purus — a necessidade que explica por que o mundo contingente existe — apontava para longe desse abismo. O pensamento metafísico se desenvolveu de acordo com a ideia de que deve haver um fundamento último para a realidade. Na era moderna, Leibniz afirmou que esse fundamento é o Princípio da Razão Suficiente (Der Satz vom Grund). Deus não é mais o fundamento da realidade; em vez disso, agora dizemos que uma coisa é “real” se a razão humana puder fornecer “fundamentos” suficientes para ela. Tudo agora se orienta em torno do homem. Vimos, entretanto, que essa autodeificação levou à era da Technik.

(ZIMMERMAN, Michael E.. Eclipse of the Self. Athens: Ohio University Press, 1982)