Em que consiste exatamente esta fratura que revela o homem como um “fazedor-de-violência”? Heidegger nos diz que o fazer-violência consiste em reunir o que é experimentado como algo que nos ultrapassa, chamado de “predominância” (Walten) do ser, e “pro-duzi-lo em uma patência”, ou seja, trazê-lo para uma abertura. Pois “o pro-duzir (pro-ducere) se move do estado velado para o estado não velado, ele apresenta, ele traz diante dos olhos (bringt vor). Pro-duzir (hervor-bringen) ocorre somente na medida em que algo velado chega ao não velado.” O comportamento do si que desvela ou pro-duz em face do ser mostra, portanto, que o fechamento originalmente guarda a vinda à luz do que vem à luz, ou que o que está presente está sempre prestes de se ver reapreendido por uma ausência original. Tudo o que está presente está constantemente no processo de estar ausente. Tendo emergido do velamento, ele permanece no não velado como se sinalizasse seu futuro desaparecimento. Tudo o que é desvelado é o entre-dois de um velamento, o intervalo de uma dupla ausência, e rompe o curso desse velamento dominante: essa é a violência original. “Tudo vai para sob a terra e volta ao jogo”, diz uma frase famosa de Valéry. O ente sai do véu, surge de si mesmo, entra no reino do visível, mas desde sempre já fez sinal para o invisível que o cerca. A violência exercida pelo homem consiste em querer extirpar aquilo que accede ao aberto, do destino próximo de seu desaparecimento. A violência do homem: “ele pro-duz em uma patência e faz perdurar o ente”, ou seja, ele mantém o ente no aberto, fora da reclusão, e assim se mantém ele mesmo no local do visível.
(Caron, PEOS: