verdade ôntica

Pode-se, entretanto, conseguir algo ainda mais originário sobre a delimitação da essência da verdade como caráter da enunciação? Nada menos que a compreensão de que esta determinação essencial da verdade – seja formulada como for em particular – é, por certo, ineludível, mas, todavia, derivada. [Cf. M. Heidegger, Ser e Tempo 1, 1927 (Anuário de Filosofia e Pesquisa Fenomenológica, vol. VIII), § 44, pp. 212-230; sobre a enunciação § 33, p. 154 ss. – A paginação concorda com a edição em separado da obra. (N. do A.)] A concordância do nexus com o ente e, como consequência, seu acordo, não tornam como tais primeiramente acessível o ente. Este deve, muito antes, como possível objeto (Worüber) de uma determinação predicativa, estar manifesto antes desta predicação e para ela. A predicação deve, para tornar-se possível, radicar-se num âmbito revelador, que possui caráter não predicativo. A verdade da proposição está radicada numa verdade mais originaria (desvelamento), na revelação antepredicativa do ente que podemos chamar de verdade ôntica. De acordo com as diversas espécies e áreas do ente modifica-se o caráter de seu possível grau de revelação e dos modos de determinação explicativa que dele fazem parte.

Assim se distingue, por exemplo, a verdade do puramente subsistente (por exemplo, as coisas materiais) como descoberta, especificamente da verdade do ente que nós mesmos somos, da abertura, do ser-aí existente [Cf. ibidem § 60, p. 295 ss. (N. do A.)]. Por mais variadas que sejam as diferenças de ambas as espécies de verdade ôntica, para toda revelação antepredicativa vale o fato de que o âmbito revelador nunca possui, primariamente, o caráter de uma pura representação (intuição), nem mesmo na contemplação “estética”. A caracterização da verdade antepredicativa como intuição se insinua com facilidade pelo fato de a verdade ôntica, e aparentemente a verdade propriamente dita, ser determinada como verdade proporcional, isto é, como “união da representação”. O mais simples em face desta é, então, um puro representar, livre de toda união predicativa. Este representar tem, não há dúvida, sua função própria para a objetivação do ente, certamente, então já sempre necessariamente revelado. A revelação ôntica mesma, porém, acontece num sentir-se situado em meio ao ente, marcado pela disposição de humor, pela impulsividade e em comportamentos em face do ente, tendências e volitivos que se fundam naquele sentimento de situação [Sobre “sentimento de situação”, cf. ibidem § 29, p. 134 ss. (N. do A.)]. Contudo, mesmo estes comportamentos não seriam capazes de tornar acessível o ente em si mesmo, interpretados como antepredicativos ou como predicativos, se sua ação reveladora não fosse sempre antes iluminada e conduzida por uma compreensão do ser (constituição do ser: que-ser e como-ser) do ente. [MHeidegger SOBRE A ESSÊNCIA DO FUNDAMENTO]