ultrapassagem

Überstieg

Naturalmente, com a caracterização da transcendência (Transzendenz) como estrutura fundamental da “subjetividade” (Grundstruktur der »Subjektivität«), muito pouco se ganha, em um primeiro momento, para a penetração nessa constituição do ser-aí (Verfassung des Daseins). Pelo contrário, como agora, de maneira geral, está propriamente desvalorizado o pressuposto expresso ou na maioria das vezes não expresso de um conceito de sujeito, a transcendência também não se deixa determinar mais como “relação sujeito-objeto” (Subjekt-Objekt-Beziehung). Mas então o ser-aí transcendente (transzendente Dasein) (uma expressão já tautológica) não ultrapassa nem uma “barreira” posta diante do sujeito (Subjekt), que o obriga primeiro a permanecer dentro de si (imanência (Immanenz)), nem um “fosso” que separa o sujeito do objeto. Os objetos – os entes objetivados (vergegenständlichte Seiende) – também não são, porém, aquilo em direção ao que (woraufzu) se dá a ultrapassagem. O que é ultrapassado é precisa e unicamente o ente mesmo, e, na verdade, cada ente que pode tornar-se ou já está desvelado (unverborgen) para o ser-aí (Dasein); por conseguinte, também e justamente o ente que “ele mesmo” é enquanto existe.

Na ultrapassagem, o ser-aí vem primeiramente ao encontro daquele ente que ele é, ao encontro dele como ele “mesmo”. A transcendência constitui a mesmidade (ipseidade) (Die Transzendenz konstituiert die Selbstheit). Novamente, porém, não apenas a ela; a ultrapassagem sempre se refere também, ao mesmo tempo, ao ente que o ser-aí “mesmo” não é; mais exatamente: é só na ultrapassagem e por meio dela que é possível distinguir e decidir no interior do ente quem e como é um “mesmo” (Selbst) e o que não o é. Na medida, contudo, em que o ser-aí existe como si mesmo – e somente nesta medida –, ele pode ter um comportamento (relacionar-“se”) para com o ente (»sich« verhalten zu Seiendem) que, entretanto, deve ter sido ultrapassado antes disso. Ainda que sendo em meio ao ente e por ele cercado, o ser-aí enquanto existente já sempre ultrapassou a natureza (Natur).

O que, entretanto, é a cada vez ultrapassado do ente em um ser-aí não se ajunta simplesmente por acaso. Ao contrário, como quer que venha a ser determinado e articulado, o ente já foi sempre previamente ultrapassado em direção a uma totalidade (Ganzheit). Essa totalidade poderá permanecer desconhecida como tal na ultrapassagem, ainda que sempre – por razões que agora não podemos discutir – seja interpretada a partir do ente e, na maioria das vezes, a partir de uma área que mais se impõe do mesmo, sendo, por isso, ao menos conhecida como totalidade.

A ultrapassagem acontece na totalidade e nunca apenas às vezes e às vezes não, mais ou menos como se porventura ela consistisse unicamente e antes de tudo em uma apreensão teorética de objetos (theoretisches Erfassen von Objekten). Com o fato do ser-aí, a ultrapassagem já está sempre muito mais aí (Mit dem Faktum des Da-seins ist vielmehr der Überstieg da). (GA9:138-139; tr. Ernildo Stein:150-151)


Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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