Técnica

techne
Technik
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A Essência do materialismo se esconde na Essência da técnica sobre a qual muito se escreve mas pouco se pensa. Em sua Essência, a técnica é um destino — instaurado na História do Ser — da Verdade do Ser relegada ao esquecimento. Pois a técnica não remonta apenas, quanto ao noive, à techne dos gregos. Na história de sua Essência ela provém da techne, como um modo de aletheuein, isto é, de re-velação do ente. Uma figura da Verdade, a técnica se funda na História da metafísica. Essa é, em si mesma, uma fase marcante da História do Ser e, até agora, a única da qual podemos ter uma visão de conjunto (übersehbar). [CartaH]


A técnica não é igual à essência da técnica. [GA7, pg. 11]


Assim também a essência da técnica não é, de forma alguma, nada de técnico. Por isso nunca faremos a experiência de nosso relacionamento com a essência da técnica enquanto concebermos e lidarmos apenas com o que é técnico, enquanto a ele nos moldarmos ou dele nos afastarmos. Haveremos sempre de ficar presos, sem liberdade, à técnica tanto na sua afirmação como na sua negação apaixonada. A maneira mais teimosa, porém, de nos entregarmos à técnica é considerá-la neutra, pois essa concepção, que hoje goza de um favor especial, nos torna inteiramente cegos para a essência da técnica. [GA7, pg. 11]


Questionar a técnica significa, portanto, perguntar o que ela é. Todo mundo conhece ambas as respostas que respondem esta pergunta. Uma diz: técnica é meio para um fim. A outra diz: técnica é uma atividade do homem. Ambas as determinações da técnica pertencem reciprocamente uma à outra. [GA7, pg. 11]


Pertence à técnica a produção e o uso de ferramentas, aparelhos e máquinas, como a ela pertencem estes produtos e utensílios em si mesmos e as necessidades a que eles servem. O conjunto de tudo isto é a técnica. A própria técnica é também um instrumento, em latim instrumentum. [GA7, pg. 12]


A concepção corrente da técnica de ser ela um meio e uma atividade humana pode se chamar, portanto, a determinação instrumental e antropológica da técnica.
Quem ousaria negar que ela é correta? Ela se rege evidentemente pelo que se tem diante dos olhos quando se fala em técnica. A determinação instrumental da técnica é mesmo tão extraordinariamente correta que vale até para a técnica moderna. Desta, de resto, afirma-se com certa razão ser algo completamente diverso e por isso novo face à técnica artesanal mais antiga. [GA7, pg. 12]


[…] também a técnica moderna é meio para um fim. E por isso que a concepção instrumental da técnica guia todo esforço para colocar o homem num relacionamento direito com a técnica. Tudo depende de se manipular a técnica, enquanto meio e instrumento, da maneira devida. Pretende-se, como se costuma dizer, “manusear com espírito a técnica”. Pretende-se dominar a técnica. Este querer dominar torna-se tanto mais urgente quanto mais a técnica ameaça escapar ao controle do homem. [GA7, pg. 12]

Se questionarmos, pois, passo a passo, o que é propriamente a técnica conceituada, como meio, chegaremos ao desencobrimento. Nele repousa a possibilidade de toda elaboração produtiva.
A técnica não é, portanto, um simples meio. A técnica é uma forma de desencobrimento. Levando isso em conta, abre-se diante de nós todo um outro âmbito para a essência da técnica. Trata-se do âmbito do desencobrimento, isto é, da verdade. [GA7, pg. 17]


É uma palavra proveniente do grego. Technon diz o que pertence à techne. Devemos considerar duas coisas com relação ao sentido desta palavra. De um lado, techne não constitui apenas a palavra do fazer na habilidade artesanal, mas também do fazer na grande arte e das belas-artes. A techne pertence à pro-dução, a poiesis, é, portanto, algo poético. [GA7, pg. 17]


De outro lado, o que vale considerar ainda a propósito da palavra é de maior peso. Techne ocorre, desde cedo até o tempo de Platão, juntamente com a palavra episteme. Ambas são palavras para o conhecimento em seu sentido mais amplo. Dizem ser versado em alguma coisa, dizem entender do assunto. O conhecimento provoca abertura. Abrindo, o conhecimento é um desencobrimento. Numa meditação especial (Aristóteles, Ética a Nicômaco, VI, c3 e 4), Aristóteles distingue episteme de techne e justamente no tocante àquilo que e ao modo em que ambas desencobrem. A techne é uma forma de aletheia. Ela des-encobre o que não se produz a si mesmo e ainda não se dá e propõe, podendo assim apresentar-se e sair, ora num, ora em outro perfil. [GA7, pg. 17]


O decisivo da techne não reside, pois, no fazer e manusear, nem na aplicação de meios mas no desencobrimento mencionado. É neste desencobrimento e não na elaboração que a techne se constitui e cumpre em uma pro-dução.

A indicação, portanto, que nos dá a palavra techne e a maneira, como os gregos a determinam, nos conduzem e levam ao mesmo contexto que se nos mostrou no questionamento do que é, na verdade, a instrumentalidade do instrumento.

Técnica é uma forma de desencobrimento. A técnica vige e vigora no âmbito onde se dá descobrimento e desencobrimento, onde acontece aletheia, verdade. [GA7, pg. 18]


O que é a técnica moderna? Também ela é um desencobrimento. Somente quando se perceber este traço fundamental é que se mostra a novidade e o novo da técnica moderna.

O desencobrimento dominante na técnica moderna não se desenvolve, porém, numa pro-dução no sentido de poiesis. O desencobrimento, que rege a técnica moderna, é uma ex-ploração que impõe à natureza a pretensão de fornecer energia, capaz de, como tal, ser beneficiada e armazenada. [GA7, pg. 18]


O desencobrimento que domina a técnica moderna, possui, como característica, o pôr, no sentido de explorar. [GA7, pg. 20]


Quando tentamos aqui e agora mostrar a ex-ploração em que se desencobre a técnica moderna, impõem-se e se acumulam, de maneira monótona, seca e penosa, as palavras “pôr”, “dis-por”, “dis-posição”, “dis-positivo”, “dis-ponível”, “dis-ponibilidade”, etc. [GA7, pg. 21]


Realizando a técnica, o homem participa da dis-posição, como um modo de desencobrimento. [GA7, pg. 22]


Trata-se da forma de desencobrimento da técnica que o desafia a explorar a natureza, tomando-a por objeto de pesquisa até que o objeto desapareça no não-objeto da dis-ponibilidade.

Sendo desencobrimento da dis-posição, a técnica moderna não se reduz a um mero fazer do homem. [GA7, pg. 22]


Com-posição (Gestell) denomina, portanto, o tipo de desencobrimento que rege a técnica moderna mas que, em si mesmo, não é nada técnico. Pertence ao técnico tudo o que conhecemos do conjunto de placas, hastes, armações e que são partes integrantes de uma montagem. Ora, montagem integra, com todas as suas partes, o âmbito do trabalho técnico. Este sempre responde à ex-ploração da com-posição, embora jamais constitua ou produza a com-posição. [GA7, pg. 24]


Na com-posição, dá-se com propriedade aquele desencobrimento em cuja consonância o trabalho da técnica moderna desencobre o real, como dis-ponibilidade. Por isso a técnica não se reduz apenas a uma atividade humana e muito menos a um simples meio desta atividade. A determinação da técnica meramente instrumental e antropológica se torna, em princípio, de somenos importância; ajuntar-lhe, depois, uma explicação metafísica ou religiosa tampouco seria capaz de completá-la. [GA7, pg. 24]


A teoria da natureza, proposta pela física moderna, não preparou o caminho para a técnica mas para a essência da técnica moderna. [GA7, pg. 25]


A física moderna é a precursora, em sua proveniência ainda incógnita, da com-posição. A essência da técnica moderna se encobre e esconde, durante muito tempo ainda, mesmo depois de já se terem inventado usinas de força, mesmo depois de já se ter aplicado a técnica elétrica aos transportes ou descoberto a técnica atômica. [GA7, pg. 25]


Para a cronologia historiográfica, o início das ciências modernas da natureza se localiza no século XVII, enquanto que a técnica das máquinas só se desenvolveu na segunda metade do século XVIII. Posterior na constatação historiográfica, a técnica moderna é, porém, historicamente anterior no tocante à essência que a rege. [GA7, pg. 25]


A técnica moderna precisa utilizar as ciências exatas da natureza porque sua essência repousa na com-posição. Assim nasce a aparência enganosa de que a técnica moderna se reduz à aplicação das ciências naturais. [GA7, pg. 26]


Para onde nos sentiremos remetidos, quando tentarmos agora dar mais um passo adiante, pensando o que será, em si mesma, esta com-posição? Não é nada de técnico nem nada de maquinal. [GA7, pg. 26]


A essência da técnica moderna põe o homem a caminho do desencobrimento que sempre conduz o real, de maneira mais ou menos perceptível, à dis-ponibilidade. [GA7, pg. 27]


A essência da técnica moderna repousa na com-posição. A com-posição pertence ao destino do desencobrimento. Estas afirmações dizem algo muito diferente do que a frase tantas vezes repetida:

a técnica é a fatalidade de nossa época, onde fatalidade significa o inevitável de um processo inexorável e incontornável. Quando pensamos, porém, a essência da técnica, fazemos a experiência da com-posição, como destino de um desencobrimento. Assim já nos mantemos no espaço livre do destino. Este não nos tranca numa coação obtusa, que nos forçaria uma entrega cega à técnica ou, o que dá no mesmo, a arremeter desesperadamente contra a técnica e condená-la, como obra do diabo. Ao contrário, abrindo-nos para a essência da técnica, encontramo-nos, de repente, tomados por um apelo de libertação. [GA7, pg. 28]


A técnica não é perigosa. Não há uma demonia da técnica. O que há é o mistério de sua essência. Sendo um envio de desencobrimento, a essência da técnica é o perigo. [GA7, pg. 30]


Se a essência da técnica, a com-posição, constitui o perigo extremo e se também é verdadeira a palavra de Hölderlin, então o domínio da com-posição não se poderá exaurir simplesmente porque ela depõe a fulguração de todo desencobrimento, não poderá deturpar todo o brilho da verdade. Ao invés, a essência da técnica há de guardar em si a medrança do que salva. [GA7, pg. 32]


Assim, a com-posição se torna a essência da técnica, por ser destino de um desencobrimento, nunca, porém, por ser essência, no sentido de gênero e essentia. [GA7, pg. 32]

Será mesmo que a essência da técnica vige no sentido da duração de uma ideia que paira acima de tudo que é técnico, a ponto de se formar a aparência: o termo “a técnica” é uma abstração mítica? Ora, só se pode perceber, como vige a técnica, pela continuidade da duração em que a com-posição se dá e acontece em sua propriedade, no envio de um descobrimento. [GA7, pg. 33]


Assim, a vigência da técnica guarda em si o que menos esperamos, uma possível emergência do que salva.
Por isso, tudo depende de pensarmos esta emergência e a protegermos com a dádiva do pensamento. E como é que isto se dá? Sobretudo, percebendo o que vige na técnica, ao invés de ficar estarrecido diante do que é técnico. Enquanto representarmos a técnica, como um instrumento, ficaremos presos à vontade de querer dominá-la. Todo nosso empenho passará por fora da essência da técnica. [GA7, pg. 35]


A essência da técnica é de grande ambiguidade. Uma ambiguidade que remete para o mistério de todo desencobrimento, isto é, da verdade. [GA7, pg. 35]


Se olharmos dentro da essência ambígua da técnica, veremos uma constelação, o percurso do mistério.
A questão da técnica é a questão da constelação em que acontece, em sua propriedade, em desencobrimento e encobrimento, a vigência da verdade. [GA7, pg. 35]


A vigência da técnica ameaça o desencobrimento e o ameaça com a possibilidade de todo desencobrir desaparecer na dis-posição e tudo apresentar apenas no desencobrimento da dis-ponibilidade. [GA7, pg. 36]


Outrora, não apenas a técnica trazia o nome de techne. Outrora, chamava-se também de techne o desencobrimento que levava a verdade a fulgurar em seu próprio brilho.

Outrora, chamava-se também de techne a pro-dução da verdade na beleza. Techne designava também a poiesis das belas-artes. No começo do destino ocidental na Grécia, as artes ascenderam às alturas mais elevadas do desencobrimento concedido. Elas faziam resplandecer a presença dos deuses e o encontro entre o destino de deuses e homens. A arte chamava-se apenas techne. Era um des-encobrir-se único numa multiplicidade de desdobramentos. A arte era piedade, promos, isto é, integrada na regência e preservação da verdade. [GA7, pg. 36]


Apenas para assegurar a si mesma, de modo contínuo e incondicional, a vontade de querer obriga para si mesma o cálculo e a institucionalização de tudo como formas fundamentais de manifestação.

Pode-se chamar, numa única palavra, de “técnica” a forma fundamental de manifestação em que a vontade de querer se institucionaliza e calcula no mundo não-histórico da metafísica acabada. Esse nome engloba todos os setores dos entes que equipam a totalidade dos entes: natureza objetivada, cultura ativada, política produzida, superestrutura dos ideais. A “técnica” não significa aqui os setores isolados da fabricação e aparelhamento de máquinas. Estas possuem, sem dúvida, uma posição privilegiada, a se determinar mais de perto, fundada na primazia do material que se assume como o pretenso elementar e o objeto em sentido eminente.

Compreende-se aqui o nome “técnica” de modo tão essencial que, em seu significado, chega a coincidir com a expressão – acabamento da metafísica. Esse nome guarda a lembrança da techne, que constitui uma condição fundamental do desdobramento essencial [70] da metafísica. Esse nome também possibilita pensar o caráter planetário do acabamento da metafísica e de seu domínio, sem que se necessite considerar as derivações historicamente demonstráveis nos povos e continentes. [GA7]