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CLAUDE ROMANO (Paris IV)
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Mas como é que estes filósofos justificam a tese de que o tempo pertence originalmente àquilo a que chamamos, à falta de um termo melhor, subjetividade, deixando de lado as diferenças – muitas vezes consideráveis – entre eles? Através de um argumento aparentemente simples, aquele que acabámos de enunciar: para que haja tempo, dizíamos, não…
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Mas o que é o nascimento se não um acontecimento? O primeiro acontecimento de fato e de direito da aventura mortal, por cujo critério todos os outros acontecimentos devem ser determinados e compreendidos? O nascimento é um acontecimento de forma insignificante, uma vez que nascer é precisamente não ser a medida da ocorrência desse acontecimento,…
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Uma análise análoga (breve9249) poderia ser conduzida para o chamado da consciência: nesse lugar central da análise existencial, uma vez que envolve o testemunho (Bezeugung) pelo Dasein de seu próprio poder-ser, encontramos, de fato, a mesma redução do acontecimento, indispensável para a iluminação do significado ontológico da consciência (Gewissen). Por um lado, de fato, “nem…
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Toda a analítica do ser-para-a-morte, de fato, repousa na afirmação de que somente uma compreensão que desconsidera a Eigentlichkeit fundamental da morte propriamente dita, da morte como minha morte, pode converter essa possível impossibilidade de ser, propriamente dita, que ainda é uma maneira de ser propriamente seu ser, em um mero “fato certo (gewissen Tatsache)”…
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Essa morte para os outros como morte para si mesmo (luto), para aquele “mesmo” de singularidade que era tal apenas a partir do acontecimento impessoal do encontro em que os outros se manifestam pela primeira vez; o autor (Marcel Proust) de La Recherche compara esse desfecho, no sentido literal, das eventualidades que se entrelaçam para…
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O relacionamento amoroso é exemplar aqui, mas de forma alguma exclusivo. Mais do que qualquer outro, talvez, é um encontro entre duas histórias, no qual ambos estamos em jogo em nossa própria autoidentidade; um encontro que só é concebível se pensarmos na possibilidade de possibilidades compartilhadas, de compossíveis: uma encruzilhada inextricável em que nossas possibilidades,…
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Uma perda mais profunda do que qualquer perda empírica, o luto é, portanto, uma “perda” em um sentido paradoxal: não a perda do que eu tenho (já que perder uma posse é apenas o inverso de adquiri-la, nunca é o mesmo que perder a si mesmo), mas a perda do que não me pertence de…
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Portanto, é errado afirmar, como faz Heidegger, que a morte de outro não ensina nada ao Dasein sobre sua própria morte 1; ao contrário, o oposto é verdadeiro: na provação do luto, morrer para… outro, parece indissociável de uma morte para… e de mim mesmo; o colapso daquelas possibilidades que eram minhas, que só eram…
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O que chamamos de “Kehre” consiste, então, em grande parte, no aprofundamento desse pensamento do ser como um evento. O Dasein se torna o en-jeu (Heidegger joga aqui com a palavra Beispiel, que primeiro designou o ser “exemplar”) do jogo de velamento e desvelamento que pertence ao próprio ser. Certamente não é em vão que,…
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(…) O que é obliterado por essa “crença fundamental”, que é a crença metafísica por excelência em um “mundo por trás” povoado por substratos e entidades imaginárias, é o “há” do evento, como distinto da entidade do que é: o evento surge, sem mais, a partir de si mesmo, de tal forma que não podemos…
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Pensar o evento antes de qualquer coisa: esse não é um desafio impossível? Porque assim que tentamos compreender o evento enquanto ele acontece, somos quase imediatamente absorvidos por outra coisa, pelas próprias “coisas”, congeladas diante de nossos olhos por um olhar semelhante ao de Medusa. Dizemos: “É noite”, e imediatamente nos perguntamos: “O que é…
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A partir do momento em que interpretamos qualquer manifestação relacionando-a com um sujeito, por exemplo, qualquer “ação” relacionando-a com um agente, qualquer “efeito” relacionando-o com uma “causa”, postulamos também implicitamente que “tudo o que acontece se comporta predicativamente em relação a um sujeito”. A atribuição do acontecimento a um substrato ôntico é acompanhada por uma…
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(…) De fato, parece que este sentido normativo e axiológico do “si mesmo”, que subjaz à ideia de existência “à altura de si mesmo”, ou de existência de acordo com o seu verdadeiro ser, não é de todo estranho aos textos mais antigos da nossa cultura filosófica e que foi mesmo elaborado por Heidegger, pelo…
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Resultante da problemática operação gramatical representada pela substantivação de um pronome pessoal, “o eu” (le moi) surge, de fato, no contexto de várias inovações conceituais decisivas, nomeadamente 1) a passagem para o primeiro plano de uma teoria do conhecimento neutra e objetiva, indexada sobre um método universal, e do ponto de vista da qual este…
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O mesmo não se passa com o acontecimento, no sentido propriamente acontecimental, na medida em que este se distingue precisamente do simples fato. Enquanto o fato intramundano não se dirige a ninguém em particular, e ocorre indiferentemente a qualquer testemunha, o acontecimento é sempre dirigido, de modo que aquele a quem acontece está propriamente implicado…
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Assim, enquanto o acontecimento intramundano não acontece, em sentido estrito, a ninguém, os acontecimentos que ocorrem na aventura humana de tal modo que me acontecem a mim em particular são muito diferentes. “Acontecimentos” no sentido “próprio”, uma vez que etimologicamente “acontecimento” vem do latim evenire, que significa não só (45) “acontecer”, “ocorrer”, “realizar-se”, “consumar-se”, mas…
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(…) A República de Platão retrata uma opção fundamental que aguarda todo o ser humano na entrada da idade adulta, colocando-o, como Hércules, numa encruzilhada: a escolha entre uma vida de verdade e uma vida de mentira (apate) e esquecimento de si — sendo a palavra alethes, ‘verdadeiro’, formada por um alfa privativo e o…
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O luto é a experiência absoluta da separação, não de uma separação contingente e reversível, de uma separação remediável na qual o espaço é o “meio”, mas de uma separação que é em si mesma absoluta, irreversível, irremediável, que ocorre no tempo e dele tira sua marca: o absoluto da separação é temporal, porque a…
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E se o próprio ser é algo que, por sua vez, acontece, ele não pode mais ser considerado originário. Preordenada a uma hermenêutica do Dasein está, portanto, a hermenêutica do adveniente. Com esse título, queremos dizer aquilo que, anterior ao Dasein, forma sua condição de possibilidade, por assim dizer. O adveniente é o título para…
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A ontologia fundamental é, portanto, estabelecida por uma redução do acontecimento, rebaixado à categoria de um mero fato intramundano, ao destaque do sentido insignificante do possível que o próprio Dasein é ao existir. Essa redução, além disso, não deveria ser uma surpresa. Como poderia ser de outra forma se o Dasein, em virtude de sua…