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BUZZI, Arcângelo. Introdução ao pensar. Petrópolis: Vozes, 1976
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Ao surpreender esse momento íntimo do ser, estaremos por certo na presença retraída da verdade. A verdade é pois revelação do ser. Mas o que se revela insinua uma profundidade não-revelada. Verdade é então revelação que evoca a não-revelação. Em grego o termo usado para exprimir esse movimento revelador do ser, portanto a verdade, é…
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Para compreender o que seja «conhecimento científico» é preciso aclarar o espaço onde ele se efetua. Não todo conhecimento é científico. Quando um conhecimento se torna científico ou se faz ciência? O conhecimento se constitui em ciência desde o momento em que possa indicar claramente seu objeto e em segundo lugar desde que possa falar…
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O filósofo não pretende construir uma representação que colha o ser na sua originariedade. A filosofia não é um saber representar o ser, como a matemática é um saber representar a realidade more geometrico, como a física é um saber representar os corpos em sistemas. A filosofia não se furta e nem pode se furtar…
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A ciência também é uma expressão articulada de conhecimento do ser. Em oposição ao conhecer ordinário e mítico, cuja articulação intelectiva morre como que submersa no próprio real que intende elucidar, o conhecimento científico se caracteriza por distanciar-se da convivência do ser, por apreendê-lo numa clara representação objetiva. Ao fazer ciência, a mente como que…
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A ciência é um modo de compreensão da totalidade da realidade: é força unidimensional, reduz a seu modelo todos os outros modelos culturais. Não suporta a diferença. Reduz tudo a um plano, a um horizonte. O que não se deixa ver nesse horizonte não é considerado, simplesmente não existe! Deve-se, porém, notar que quando a…
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A civilização ocidental conduziu o espirito a desenvolver-se como inteligência, que é habilidade e perícia no exame e cálculo de coisas dadas com vistas a um possível uso. A inteligência ocidental se aprimorou na competência de criar e controlar a realidade em modelos e sistemas. Ela vive a realidade re-criada nessa transformação. Numa transcendência sempre…
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As ciências formais são as matemáticas e a lógica. Poderíamos até nomeá-las no singular, simplesmente como a ciência dos sistemas formais. Um sistema formal é uma realidade de ordem ideal. Os sinais e os conceitos dos sistemas formais se referem a entidades ideais próprias de tais sistemas. Por exemplo, na lógica as diferentes formas de…
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As ciências nem sempre existiram. Elas são histórias, isto é, são obra do homem, são criação do espírito humano. As razões de seu aparecimento parece que radicam na estrutura «objetivante» da inteligência e na «vontade-de-poder» do homem. A inteligência ocidental, talvez por obra de seu mestre-educador, o grego, se esmerou sobretudo na capacidade de representar…
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A ciência é, pois, um diálogo com a realidade, instituído pelo homem. Um diálogo que convoca o real a vir à presença do espirito em modelos funcionais ou operativos. No modelo, a realidade aparece como «científica». Antes de entrar na malha do modelo, era a-científica. No instante em que se torna científica, ela perde sua…
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Excertos de Arcângelo Buzzi, Introdução ao Pensar, 1976, p. 7 Onde está a sabedoria para que o filósofo crie com ela esses laços de correspondência, de harmonia e amor? A sabedoria é o todo, é a realidade, são os entes em sua totalidade. Podemos traduzir sóphon como o todo dos entes. O todo dos entes,…
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Parmênides O grande Parmênides afirma que o ser se essencializa na aparência, aí ele transparece. Vê na «aparência» o que Heráclito via na «fluência». O fluir ou o aparecer desocultam o ser, como o mensageiro à medida que aparece e corre para nós desoculta a mensagem. Tudo quanto é, aparece, sai do velado, do coberto.…
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As situações concretas, as circunstâncias sem as quais não somos aquilo que somos, são apenas mediações. Nelas tematizamos o ser-humano, nelas nos apercebemos como passagem, movimento, processo indefinido, ponte, abertura que ultrapassa todas as determinações. Essas mediações são o concreto de nosso viver. Sem elas não há caminho. Elas são o caminho, a ponte, o…
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Introdução ao pensar é o título do livro que o leitor tem em mãos. Pensar é achegar-se à realidade no seu constitutivo mais profundo. Isso não significa que o pensamento esteja em algum momento fora, adejando na periferia do real. A realidade é cheia de pensamento. Tudo quanto existe proclama o pensamento. Estamos envolvidos numa…
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FALAR do ser é uma arte difícil. Todos estamos no enredo dessa árdua fala. A vida é o drama do ser. Quem vive, pelo fato mesmo de se encontrar na fluência do acontecer-vida, está na investigação do ser. Estamos na vida como que deslocados, i. é, não diretamente nela colocados. O saber que dela temos…
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Vejamos como Platão, partindo da herança pré-socrática, elabora a filosofia. Distingue, no aparecer do ser, o que aparece do que não aparece. O que aparece é o aspecto do ser, não diretamente o ser. Em grego aspecto é eidos. O pensamento não vê o ser, mas o eidos do ser, a ideia. O sistema filosófico…
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De um lado reconhecer e assumir as determinações concretas, consentir em ser circunstância, em se limitar a um modo definido e encarnado de viver; de outro lado projetar-se para a transcendência, manter o movimento de negação das determinações. Sustentar a tensão dos polos de afirmar e de negar: é a ambiguidade do humano. Cair para…
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ESTE livro se formou lentamente num discurso, que é apenas caminho, parábola da vida. O discurso se constitui numa sucessão de palavras, umas após outras, numa perseguição sem pouso, acerca de um tema único: a vida que já somos. A linguagem diz nossa consagração à vida. Viver é devotar-se à vida no enredo de uma…
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Só é possível conhecer a realidade, isto é, torná-la presente intelectivamente, submergindo nela, deixando que ela fale, que ela se faça presença no âmbito do pensar. Conhecer é o ato do pensamento que percebe a presença do ser, o recolhe no conceito e o comunica na palavra. A filosofia é então subsequente ao ato do…
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No frontispício do templo de Apolo, que engenhosas mãos, no sabor da vida quotidiana pré-científica, construíram nas montanhas de Delfos, na época do saber dos mitos da Grécia Antiga, havia inscrita a recomendação do deus: gnooti s’autón — Conhece-te a ti mesmo. Essa recomendação — gnooti s’autón — hoje traduzida em todas as línguas e…
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O MITO, embora na linguagem comum o termo seja usado como sinônimo de crença dotada de validade mínima e de pouca verossimilhança, não deve ser visto como produto de uma atividade secundária e subordinada do intelecto. Porque o saber lógico-científico não consegue controlar a linguagem mítica, considera-a como ilógica. O ilógico é um termo criado…