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GIORGIO AGAMBEN (1942)

  • Heidegger, no curso de 1930-1931 sobre a Fenomenologia do espírito (GA32), para sublinhar o caráter de movimento do Absoluto, distinguia no saber absoluto um elemento absolvente e definia como “absolvição infinita” a essência do Absoluto. Vários anos mais tarde, retomando essas observações de Heidegger no domínio da fenomenologia religiosa, Henry Corbin reformulou a distinção em…

  • 6.1 Em 1959, dois neurofisiólogos franceses, P. Mollaret e M. Goulon, publicaram na Revue Neurologique um breve estudo no qual acrescentavam à fenomenologia do coma até então conhecida uma nova e extrema figura, que eles definiam como coma dépassé (além-coma, se podería traduzir). Ao lado do coma clássico, caracterizado pela perda das funções da vida…

  • (…) Visto que a grande novidade do pensamento de Heidegger (que em Davos não escapou aos observadores mais atentos, como Rosenzweig e Lévinas) era criar resolutamente raízes na facticidade. Como a publicação dos cursos dos primeiros anos vinte já mostrou, a ontologia apresenta-se desde o início em Heidegger como uma hermenêutica da vida fáctica (faktisches…

  • 13. O círculo hermenêutico, que define o procedimento cognoscitivo das ciências humanas, só adquire seu sentido próprio na perspectiva do método paradigmático. Antes de Schleiermacher, Friedrich Ast já observara que, nas ciências filológicas, o conhecimento do fenômeno individual pressupõe o conhecimento do conjunto e, vice-versa, o conhecimento do conjunto pressupõe o dos fenômenos individuais. Ao…

  • Tentemos desenvolver essas ideias, que a autora deixa sem explicação, concernentes à arqueologia. Elas implicam, antes de mais nada, que não apenas a recordação, como em Bergson, mas também o esquecimento é contemporâneo à percepção e ao presente. Enquanto percebemos algo, o lembramos e o esquecemos ao mesmo tempo. Cada presente contém, nesse sentido, uma…

  • Heidegger dava o seu seminário em Le Thor num jardim, à sombra de grandes árvores. Mas por vezes saía-se da aldeia e ia-se na direção de Thouzon ou do Rebanquet, e então o seminário fazia-se em frente a uma cabana perdida no meio de um olival. Um dia, quando o seminário chegava ao fim, e…

  • Uma estranha pobreza de descrições fenomenológicas contrasta com a abundância de análises conceptuais do nosso tempo. É um fato curioso que seja ainda um punhado de obras filosóficas e literárias escritas entre 1915 e 1930 a constituir a chave da sensibilidade da época, que a última descrição convincente do nosso estado de alma e dos…

  • Se existe um ponto sobre o qual as filosofias contemporâneas parecem estar de acordo, é justamente o reconhecimento desse pressuposto. Assim, a hermenêutica assume essa irredutível prioridade da função significante, afirmando — segundo o lema de Schleiermacher que abre Verdade e método — que “na hermenêutica há apenas um pressuposto: a linguagem”, ou interpretando, com…

  • (…) O termo “linguagem”, de fato, para retomar a célebre fórmula aristotélica, “diz-se de muitos modos” e só um esclarecimento do que a filosofia e a ciência da linguagem entendem respectivamente por esse termo podería conduzir a uma útil definição da relação que elas estabelecem uma com a outra. A implicação entre filosofia e reflexão…

  • Também o termo Ereignis, com o qual Heidegger designa o problema supremo de seu pensamento depois de Sein und Zeit, pode ser aproximado, do ponto de vista semântico, dessa esfera, como se torna evidente pela acepção heideggeriana (etimologicamente arbitrária) que lê nele o verbo eignen, “apropriar”, e o adjectivo eigen, “próprio”. Na medida em que…

  • Talvez seja mais difícil aceitar as provocações de Agamben quando a biopolítica de combate à covid-19 se apresenta exclusivamente afirmativa, em nome da preservação da vida, apagando a percepção que o autor busca ressaltar: a gestão da forma das vidas a serem preservadas só existe sob controle da liberdade. Infelizmente, essa descrição não é a…

  • Com Hegel e Heidegger, a tradição da filosofia chegou verdadeiramente a o fim. Como tinha sido anunciado do modo mais explícito, o que aqui estava em questão era precisamente um “fechamento das figuras” (Phän., 588) e uma “destruição da tradição” (SuZ, par. 6 (ET6)). A tradição, que cobria o que se tinha destinado em figuras,…

  • Há, porém, uma aporia: por que não há sensação dos próprios sentidos (ton aistheseon… aisthesis)? Por que, na ausência de objetos externos, eles não proporcionam sensação, mesmo tendo em si o fogo, a água e os outros elementos dos quais há sensação? Isso acontece porque a faculdade sensitiva (to aisthetikon) não é em ato, mas…

  • É potente aquilo para o qual, se acontece o ato de que se diz ter a potência, não haverá nada de impotente (Metaph., 1047 a 24-25). A leitura comum entende essa frase como se Aristóteles quisesse dizer: é possível aquilo em relação ao qual não há nada de impossível. Já Heidegger, em seu curso sobre…

  • Como devemos compreender essa facticidade original? Será talvez a Weise algo como uma máscara que o Dasein deveria vestir? Ou não é verdade antes o contrário, isto é, que justamente aqui uma ética heideggeriana podería encontrar seu lugar? Os termos “fáctico” e “facticidade” mostram aqui toda a sua pertinência. O adjetivo alemão faktisch, tal como…

  • É nessa perspectiva (da facticidade) que deve ser lida a dialética não resolvida de eigentlich e uneigentlich, do autêntico e do inautêntico, a que Heidegger consagrou algumas das mais belas páginas de Sein und Zeit. Heidegger sempre fez questão de precisar que as palavras eigentlich e uneigentlich têm de ser entendidas em seu significado etimológico…

  • Quase dez anos depois do fim de sua relação com Hannah Arendt, no curso de 1936 sobre Nietzsche (Der Wille zur Macht als Kunst), Heidegger trata tematicamente do amor em algumas páginas extremamente densas, em que esboça uma verdadeira teoria das paixões. Ele começa por subtrair os afetos e as paixões da esfera da psicologia,…

  • Esse estatuto original do amor (mais precisamente da paixão) é reafirmado em uma passagem da Carta sobre o humanismo, cuja importância para o problema que aqui nos ocupa não poderia ser superestimada. Aqui, “amar” (lieben) é aproximado de mögen (que significa ao mesmo tempo querer e poder), e este último termo é identificado com o…

  • (…) O que o homem introduz no mundo, o seu “próprio”, não é simplesmente a luz e a abertura do conhecimento, mas, acima de tudo e pela primeira vez, a abertura a um fechamento e a uma opacidade. A aletheia, a verdade, é a guardiã da lethe, da não verdade; a memória, a guarda do…

  • Quando, em 1994, surgiu a coletânea póstuma de textos de Hannah Arendt, intitulada Essays in Understanding, pôde-se observar com surpresa que o organizador da edição tinha inserido entre os artigos e ensaios um breve apontamento que tinha o tom confidencial de uma nota de diário ou de um mexerico. No texto, que tinha como título…