Surgia a Linguagem…

(Beaini1989:13-15)

Quando na pré-história a força da imaginação criadora do Homem relacionou um determinado evento a um deus, espírito, totem ou animal que se tornou o centro de uma celebração ritual, teve acesso ao símbolo. Surgia a Linguagem, evoluindo do grito aos sons e ao canto, como Metáfora: abertura, expressão da vida que aos poucos se posiciona em um Mundo, descoberto primeiramente a partir de uma pluralidade de sentidos análogos, os quais, posteriormente, desembocam na experiência de um ente particular, nomeado em sua individualidade, denotativamente. A Linguagem se erige como Poesia originária. O privilégio do poeta iguala-se ao da divindade que, em seu cantar, nomeia o Ser, ao captar o som próprio de cada ente, a sua proveniência essencial. O poeta contempla o Ser e o Sagrado:

Vasos sagrados são os poetas,
Onde o vinho da vida, o espírito
Dos heróis se conserva;

O espírito deste jovem, porém,
Tão rápido, como não quebraria,
Se o quisesse prender, o vaso?

Que o poeta o deixe intacto como o espírito da Natureza;
Ante assunto assim faz-se menino o mestre.

No poema não pode ele viver e ficar;
Vive e fica no mundo.1

A inocência do poeta que, como a criança, descobre deslumbrado o real, buscando circunscrevê-lo na palavra, assemelha-se ao herói solar por sua transcendência, permeada pelas armas da Justiça brilhante, lutando contra o adverso, por investir-se da sua busca de tocar o intangível. Como o caçador do paleolítico pintando um animal nas paredes da caverna, iluminando seu espaço próprio com a luz dos archotes, cultua a divindade, impregnado pela atmosfera sacral de sua abertura à totalidade, re-criando o Cosmos em palavras ou imagens que remontam ao ato inaugural da delimitação do abismo caótico.

A vigília do Homem que, refletindo, vem a ser poeta e artista, o leva a defrontar-se com sua trilogia: Esquecimento, Sono e Morte, por intermédio do dom da Poesia, a ele outorgado pelas Musas, filhas da Memória. A deusa Memória, ordenadora do Caos, preservando a Verdade do eixo sagrado, surgirá como a medida ontológica do Cosmos, posto que seu atributo é reter o des-velado do qual o Homem participa, dirigindo-o rumo à recordação do essencial, continuamente à espera de ser re-pensado.

 

  1. HOELDERLIN, Friedrich. Buonaparte (Buonaparte). In: Poemas, p. 19.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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